Os tornados que devastaram a pequena cidade de Taquarituba, na porção sudoeste do estado de São Paulo, também surgiram no mesmo dia (domingo, 22/9) em Londrina (PR), numa área pouco habitada. Há 20 anos os cientistas brasileiros, meteorologistas e climatologistas, de órgãos como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), sem contar as universidades, negavam a existência deste fenômeno no Brasil.
A imprensa, por inúmeras vezes, reportou e descreveu os imensos funis que brotavam das cumulo-nimbo para destruir áreas imensas, mas isso não era suficiente para os pesquisadores. Entretanto, foi preciso uma série de reportagens dos jornais paulistas sobre a potência do fenômeno em Itu, interior de São Paulo, em setembro de 1991, para provocar uma tese de doutorado no curso de meteorologia da Universidade de São Paulo e assim convencer a comunidade científica, cética e cega, da ocorrência dos funis de sucção em solo nacional.
Robert Dyer, um geólogo de Petrópolis (RJ), foi quem fez os primeiros registros científicos dos tornados no Brasil. Foram mais de 15 anos estudando as formas que via e sobre as quais produzia registros fotográficos em sua atividade de abrir estradas no interior de São Paulo e em outras áreas do Sudeste e do Centro-Oeste brasileiro. Junto com seu trabalho, forjado em rigorosa metodologia científica, encontravam-se diversos recortes de jornais com relatos de testemunhas e vítimas dos tornados.
A apresentação de Dyer, a primeira que relatou cientificamente a existência de tornados no Brasil, ocorreu na Rio-94, o evento científico posterior à Rio-92. Apesar do alto potencial para pautas espetaculares, a cobertura foi morna e desinteressada. A mesma apatia contagiou os meteorologistas: houve uma recusa generalizada em aceitar o trabalho de Dyer por ele ser um geólogo e não integrante dos que, pejorativamente, são chamados de ‘herdeiros do vento’.
Cardeais do clima
O número de relatos de tornados no Brasil é surpreendente. Uma recente pesquisa da Unicamp revelou que o país é o segundo no volume de registros dessas ocorrências, só perdendo para os Estados Unidos. Mesmo assim o governo federal minimizou o impacto dos tornados ao lançar seu programa de alerta e prevenção contra catástrofes naturais.
Novamente os twisters não estão relacionados entre os potenciais perigos. Quando da ocorrência do furacão Catarina, que atingiu parte da região sul do Brasil em março de 2004, houve uma mobilização geral para as diversas manifestações climáticas em território nacional. A coisa foi tão longe que resultou numa conferência na NASA para definir se o que havia ocorrido na costa catarinense era ou não considerado um furacão. Um olho delatou a situação. Então se registrou oficialmente o primeiro fenômeno deste tipo no Atlântico Sul.
O argumento dos cientistas responsáveis pelo programa de alerta para catástrofes naturais é até singelo diante do risco dos twisters tupiniquins: o potencial de destruição das ocorrências brasileiras é menor do que o dos Estados Unidos. Correto, mas continuam sendo tão letais quanto as ocorrências do Hemisfério Norte. Como a concentração urbana brasileira pende para a faixa litorânea, onde há a entrada de sistemas frontais com enormes massas de ar polar, e carregados de energia, isso confere às tempestades brasileiras um enorme potencial para a formação de tornados. Some-se a isso o número insignificante de estudos sobre a velocidade dos ventos nos vórtices dos funis e a desculpa utilizada pelo governo vai, literalmente, pelos ares.
As tempestades que varrem o sul do Brasil, particularmente Santa Catarina, não deixam dúvidas sobre a necessidade de um sistema completo de alerta no qual se inclua os tornados. Há registros em todo Sul do país, como no Sudeste, Centro-Oeste e no Norte. E ainda, em menor frequência, em algumas áreas litorâneas do Nordeste. Só isso já valeria uma atenção especial.
Cabe questionar os climatologistas, meteorologistas e ostentadores da condição apocalíptica das mudanças climáticas antropizadas se a infinidade de relatos na imprensa e nas redes sociais conseguirá romper com os dogmas estabelecidos pelos cardeais do clima. Só existe validade, então, no que provém dos pares científicos, e não da sociedade, mesmo que a informação venha recheada de registros contundentes e conclusivos? No tratamento dessa pauta, a imprensa pode ser leiga, mas não está longe de ser cega, surda, muda e… burra.
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Júlio Ottoboni é jornalista e pós-graduado em jornalismo científico