Por trás da baixa média de reserva de 10,83% das programações das emissoras de TV para conteúdos locais esconde-se uma reveladora disparidade. Enquanto as televisões públicas têm em média 25,55% de suas grades preenchidas por conteúdos realizados nas suas cidades, as comerciais ocupam apenas 9,14% de suas horas transmitidas com este tipo de atrações. Ou seja, o índice das primeiras é quase três vezes maior do que o das segundas. A conclusão é do estudo ‘Produção local na TV Aberta Brasileira’, realizado pelo Observatório do Direito à Comunicação a partir da análise de 58 emissoras em 11 capitais brasileiras [ver aqui].
Das seis televisões públicas avaliadas, cinco estão entre as dez com maior índice de regionalização. Em média, estes veículos reservam 25,5% de sua grade para conteúdos realizados em suas cidades. O índice é alavancado especialmente pela Paraná Educativa, Rede Minas e TVE-RS. Uma ressalva importante é o fato da maioria destas emissoras, sobretudo a paranaense e a gaúcha, exibirem número elevado de reprises, o que aumenta seu percentual sem, necessariamente, significar novas produções.
Para César Bolaño, professor da Universidade de Brasília e coordenador do Grupo de Trabalho de Economia Política e Política de Comunicação da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), a baixa incidência de produção local nas TVs comerciais deve-se à estrutura de mercado, que, pela sua natureza de altos custos de produção e riscos no lançamento de novos produtos, acaba levando as afiliadas a considerarem mais seguro um acordo com as cabeças-de-rede.
‘Existe uma concentração de poder que faz com que a cabeça tenha todo o poder e as afiliadas ganhem bem do ponto de vista do mercado local, porque é sempre melhor ter acordo com a cabeça do que estar sozinha.’ A cabeça assegura à afiliada audiência garantida de um programa já experimentado em escala nacional e preenche boa parte de sua grade de programação, ação altamente custosa para um operador local.
O afiliado mantém sua segurança financeira ao arrecadar receitas provenientes dos anúncios publicitários vendidos por ele e veiculados nos intervalos da programação local, bem como em parte dos anúncios que serão veiculados durante as atrações da rede. Neste acordo, as afiliadas aceitam submeter-se à grade nacional, não podendo, na maioria dos casos, veicular produções próprias fora dos horários pré-estipulados pela cabeça.
‘Tem horário pré-estipulado para todas as afiliadas’, conta Beth Caminha, gerente de programação da TV Jangadeiro, afiliada do SBT. ‘De 10h45 às 14h15 durante a semana, no sábado e de 9h às 11h é liberado pelo SBT. Fora disso, tenho que entrar na rede’, ilustra César Prates, da TV Aratu, de Salvador. A equipe do Observatório do Direito à Comunicação entrou em contato com representantes de todas as cabeças-de-rede para confirmar as informações e compreender a relação entre elas e suas afiliadas, mas não obteve resposta.
Record na frente, Globo em último lugar
Entre as redes comerciais, a maior incidência de produção local é nas afiliadas da Rede TV!, com média de 12,2%. Por trás do resultado esconde-se uma diferença brutal entre emissoras com bom desempenho, como a TV Rondon (Cuiabá – 45%) e a TV Pampa (Porto Alegre – 26,5%), de um lado, e afiliadas à rede em Belo Horizonte e Rio de Janeiro, que reservam 1,48% do tempo para estes conteúdos, e em Recife e Fortaleza, que não mantêm nenhum programa realizado em suas sedes.
Pelo reduzido número de emissoras da RedeTV!, o estudo classifica, considerando uma proporção qualificada, a Rede Record como grupo comercial de melhor desempenho, com média de 11,2% de atrações locais entre suas afiliadas. Das 11 televisões analisadas, cinco estão acima da média, com destaque para a TV Gazeta (Cuiabá – 15,22%), Cidade Record (Fortaleza – 13,44%) e Record Belém (12,9%).
Parte importante deste percentual é garantido pelo extenso tempo de duração do programa Balanço Geral, formato elaborado pela cabeça-de-rede adequado à realidade local, que ocupa 2 horas do dia. Além disso, as afiliadas da rede também mantêm um bom índice de jornalismo local.
Logo atrás, com média de 9,12%, estão as emissoras da rede CNT. No entanto, a ressalva feita à Rede TV! é aplicada também neste caso, mas de maneira mais incisiva, uma vez que foram analisadas apenas duas televisões associadas a esta rede. Em seguida, praticamente empatadas, estão o SBT e a Rede Bandeirantes, com médias de, respectivamente, 8,6% e 8,56% de produção local em suas grades.
As afiliadas ao SBT apresentam realidade bem diversa, que vai de casos de forte regionalidade como os da TV Jangadeiro (Fortaleza – 20,3%) e TV Ponta Negra (Natal – 17,5%), aos da SBT Belém (3,66%), SBT Brasília (3%), SBT Porto Alegre (1,78%) e SBT Rio de Janeiro (1,48%). O levantamento permitiu constatar que o índice é menor nas TVs próprias da rede, subordinadas mais fortemente à grade da cabeça-de-rede, em São Paulo. Já nos casos com maior índice, é freqüente o arrendamento de espaços para televendas e programas religiosos, atrações que sustentam o maior número de horas da TV Ponta Negra e da TV Jangadeiro.
Já a Rede Bandeirantes tem realidade semelhante. O maior índice de regionalização ocorre em afiliadas de grupos regionais, como a RBA (Belém – 15,82%) e a TV Clube de Recife (13,78%). Se analisadas apenas as emissoras que levam o nome do grupo no nome, como a Band Paraná ou a Band Brasília, a média cai para 6,78%. Na última colocação está a Rede Globo, com 7% de média. Tal resultado pode ser atribuído à rigidez da grade nacional, cuja manutenção termina por ser mais rentável pela alta arrecadação nacional e local a partir dela.