A regionalização da produção audiovisual é uma preocupação recorrente para estudiosos da comunicação, telespectadores, produtores independentes e gestores públicos. Tal é sua importância que o capítulo da Comunicação Social da Constituição Federal estabelece como princípios da produção e programação das emissoras de radiodifusão, em seu artigo 221, a ‘regionalização da produção cultural, artística, e jornalística’. Para medir a presença destes conteúdos na programação das emissoras de televisão, o Observatório do Direito à Comunicação realizou o estudo ‘Produção Regional na TV Aberta Brasileira’ [ver aqui].
A partir da análise de 58 emissoras em 11 capitais das cinco regiões brasileiras, a pesquisa chegou a um dado preocupante: apenas 10,83% do tempo veiculado é ocupado com conteúdos de origem local. O índice é bastante inferior ao percentual de 30% previsto no Projeto de Lei da ex-deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) (256/1991), que visa regulamentar o dispositivo constitucional citado acima, tramitando no Congresso Nacional há 18 anos.
‘O índice de 10% é extremamente baixo. Totalmente insuficiente para a quantidade e qualidade de matéria-prima que temos em termos de cultura popular local e regional e um sinal de como a produção, circulação e o consumo da cultura no país obedece a uma lógica vertical e antidemocrática’, avalia Rosário Pompéia, mestre em comunicação social, integrante do Centro de Cultura Luis Freire, de Olinda (PE), e pesquisadora do tema.
A emissora com maior tempo dedicado a conteúdos locais é a Paraná Educativa, sediada em Curitiba e vinculada ao governo do Paraná, que preenche 50% de sua grade com atrações produzidas naquela cidade. Em seguida vêm a TV Rondon, afiliada da Rede TV! em Cuiabá (MT), com 45%, a pública Rede Minas, com 34,32%, e as gaúchas TV Pampa, afiliada à RedeTV!, com 26,5%, e a também pública TVE RS, com 22,82%. Entre as 10 emissoras com melhor desempenho na análise, evidencia-se a presença das regiões Sul e Nordeste, com três televisões cada uma.
Emissoras públicas são as mais regionalizadas
Tais dados revelam a disparidade entre emissoras públicos e comerciais. As primeiras reservam, em média, 25,5% de sua grade para conteúdos realizados em suas cidades. Os destaques são as já citadas Paraná Educativa (50%), a Rede Minas (34,32%) e TVE RS (22,82%). Além destas, a TV Ceará e a TV Cultura do Pará também figuram entre as 10 primeiras, com índice de regionalização de 15,97% e 15,41%.
Já as redes comerciais ficam abaixo da média nacional, reservando a média de 9,14% de suas grades de programação para conteúdos locais. Para especialistas entrevistados na pesquisa, tal quadro é resultado dos condicionantes políticos e econômicos impostos pelo modelo centralizado de rede. Um problema dos contratos de afiliação é o tempo pré-estabelecido pelas cabeças para a produção regional. Outra dificuldade é o alto risco de retorno financeiro, que muitas vezes leva as emissoras a nem sequer preencher o pouco tempo permitido pelas cabeças.
Record tem o melhor desempenho
Entre as redes nacionais, o estudo registra o mais alto percentual na Rede Pública de TV organizada em torno da TV Brasil, com média de 25,55% de programação regionalizada. Entre as comerciais, o melhor desempenho foi o da RedeTV!, com 12,2%, seguida de perto pela Record, com 11,2%. Como o número de emissoras afiliadas à primeira rede foi consideravelmente menor do que o da segunda, a pesquisa conclui pelo melhor desempenho da rede do bispo Edir Macedo.
A Rede CNT apresentou média de 9,12% de atrações locais, mas o desempenho também é relativizado pelo levantamento só ter analisado duas emissoras desta rede. Em seguida, praticamente empatados, estão SBT e a Rede Bandeirantes, com índices de 8,6% e 8,56%, respectivamente. Na última colocação está a mais poderosa organização de televisão do país, a Rede Globo, com média de 7%.
Jornalismo em alta, educativos e infantis em baixa
Dentre os conteúdos locais analisados, o estudo identificou maior presença do gênero jornalístico, que soma 464 horas e 7 minutos. O segundo gênero com maior presença é o entretenimento, com 79 horas e 10 minutos, seguido pelos programas esportivos, com 74 horas e 51 minutos, e os culturais, que totaliza 74 horas e 40 minutos. Enquanto os conteúdos voltados ao entretenimento são quase exclusivos das redes comerciais, as atrações culturais são veiculadas majoritariamente pelas televisões públicas.
O levantamento registrou a forte presença de programas de televendas e religiosos, que ocupam, respectivamente, 47 horas e 15 minutos e 28 horas e 30 minutos das grades das 58 TVs analisadas. Os conhecidos programas ‘policiais’ somam 38 horas e 15 minutos. As atrações rurais, com temáticas relacionadas ao campo, tradicionais nos estados do Sul e Centro-Oeste, totalizam 16 horas e 12 minutos. O destaque negativo ficou com a baixíssima incidência de conteúdos educativos e infantis, com, respectivamente, 5 horas e 30 minutos e 4 horas e 30 minutos em um universo de quase 60 emissoras de TV.
Sul mais local
A região com melhor média de produções locais foi o Sul, com 13,92%. A tendência abrange as duas cidades pesquisadas, Porto Alegre e Curitiba. A segunda região com maior índice de regionalização é o Centro-Oeste, com 11,66%. No entanto, verifica-se um alto percentual nas emissoras de Cuiabá, contra um desempenho mais fraco em Brasília. A região Norte, embora a análise tenha se restringido à Belém, apresentou média de 9,1%.
O Nordeste, conhecido pela riqueza de suas manifestações culturais, ficou levemente abaixo da média nacional, com suas emissoras reservando 9,8% do tempo de suas grades para atrações realizadas nas próprias cidades. Em último lugar está a região mais rica do país, o Sudeste, com 9,19%. O resultado mostra que a presença de produções locais não está diretamente ligada ao peso dos mercados.
Alerta à sociedade
Apesar de utilizar uma amostra de 58 dentre as 421 geradoras de televisão existentes no país, o estudo ‘Produção Local na TV Aberta Brasileira’ traz importantes elementos para entender a realidade da televisão brasileira. A julgar pela estrutura vertical das redes de televisão, a extensão de suas análises para todas as capitais ou para as geradoras no interior poderia certamente apresentar um quadro mais completo, mas dificilmente iria alterar radicalmente a evidência da desvalorização da cultural regional pelas emissoras de TV nacionais.
O percentual de 10,83%, mais do que um número, é um alerta. No ano de 2005, a Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura (Unesco) aprovou a Convenção pela Proteção da Diversidade Cultural, afirmando a importância dos bens culturais serem tratados como patrimônio das diversas nações e dos variados segmentos no interior delas. Este projeto, no entanto, está distante de fazer parte da realidade do mais importante meio de comunicação do Brasil.
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