‘Na semana em que se comemora o bicentenário de nascimento de Darwin (…), como explicar a persistente má vontade para com suas teorias em países campeões na produção científica [como os EUA e a Inglaterra]?’ Essa é a pergunta de estranhamento que abre a matéria ‘A Darwin o que é de Darwin…’, da revista Veja desta semana (11/02/09). Na capa, estamparam a chamada beligerante ‘Uma guerra de 150 anos’, seguida do subtítulo não menos provocativo: ‘Por que Charles Darwin não conseguiu expulsar Adão e Eva dos livros escolares’.
A impressão que se tem é a de que André Petry, em seu artigo ‘Lembra-te de Darwin’, na edição da semana passada (tanto aquela como esta edição de Veja se apropriaram de frases bíblicas nos títulos), estava preparando caminho para as 20 páginas relacionadas ao darwinismo e ao tema derivado – fé e ciência. Curiosamente, o assunto foi o mais comentado da edição desta semana, com 129 e-mails. Mas somente três e-mails superficiais foram publicados. A título de comparação, a matéria de capa sobre o ‘caso Robinho’ recebeu apenas 38 mensagens, mas foram publicadas quatro reações de leitores. Embora Petry tenha citado os adventistas e a Mackenzie, nenhum e-mail desses dois segmentos foi publicado – e eu sei que a redação da revista recebeu mensagens de ambos.
A arquitetura química da vida
A reportagem desta semana é o mesmo festival de fatos científicos misturados a extrapolações pseudo-científicas. Exemplo disso é o quadro ‘Os 5 pilares do darwinismo’. Ao passo que a matéria afirma que as populações se diferenciam gradualmente, de geração em geração (fato), e que os seres vivos sofrem mutações genéticas e podem passá-las a seus descendentes (fato), diz também que ‘o mundo não foi criado por ninguém, nem é imutável’ (afirmação improvável) e que ‘cada grupo de organismo descende de um ancestral comum’, com todos os grupos tendo surgido de uma mesma ‘ameba original’ (ficção). Que o mundo não é ‘imutável’, nem os criacionistas discutem. Veja se apega à surrada acusação de que os criacionistas seriam fixistas, defendendo a imutabilidade dos seres vivos. Dizer isso é tão errado quanto afirmar que darwinistas crêem que o homem veio do macaco.
Veja continua ignorando o fato de que Darwin ‘acertou no varejo, mas errou no atacado’. A teoria dele explica bem a biodiversidade e a ‘evolução’ dentro de certos limites taxonômicos, mas não explica a tal da ancestralidade comum de todos os seres vivos. O próprio conceito de ‘árvore da vida’ vem sendo questionado por cientistas, conforme apontou a revista Época desta semana, destoando um pouco da ‘darwinlatria’ promovida por Veja. Quando a reportagem de Veja afirma que Darwin reuniu ‘quantidade impressionante de provas empíricas’, não esclarece de que natureza seriam essas provas e nem que aspectos da teoria seriam validados por elas. Os famosos tentilhões observados pelo naturalista, de fato provam a variabilidade e os efeitos do isolamento geográfico. Mas quais são as ‘provas empíricas’ de que existe incremento de informação genética ao longo do tempo? Que prova há de que mutações dão origem a novos planos corporais ou a órgãos cuja função era inexistente? Qual a origem dos sistemas de complexidade irredutível analisados pelo bioquímico Michael Behe, em seu A Caixa Preta de Darwin? Quais as provas de que a homoquiralidade, a arquitetura química da vida, conforme investigada pelo dr. Marcos Eberlin, da Unicamp, seria fruto de evolução darwiniana?
Naturalismo metodológico e filosófico
A reportagem informa que John Herschel, um dos mais famosos cientistas ingleses vivos em 1859, ‘não podia acreditar, sem provas científicas tangíveis, que as espécies podiam surgir de variações ao acaso’. Assim, pressionado, Darwin admitiu que, se alguém lhe apontasse um único ser vivo que não tivesse um ascendente, sua teoria poderia ser jogada no lixo. Por que Veja omite o trilobita, por exemplo, animal tremendamente complexo extinto no Permiano médio, e que ‘surge’, de repente, no registro fóssil, no Cambriano inferior, sem qualquer tipo de ancestral? A revista desconhece o artrópode (e outros tantos exemplos de seres vivos sem ascendência evolutiva) ou prefere jogar para baixo do tapete os dados discrepantes? Por que não abraça o desafio de Darwin? Parece mesmo que o que importa é salvar a teoria dos fatos…
Outro enfoque da reportagem é o ensino do criacionismo nas escolas. Para Veja, é errado ‘querer impingir essa maneira [criacionista] de enxergar a natureza às crianças em idade escolar, renegando fatos comprovados pela ciência [de novo, se emprega a palavra ‘fatos’ sem dizer quais]. Essa atitude nega às crianças os fundamentos da razão, substituindo-os pelo pensamento sobrenatural’. Só que Veja deixa de mostrar qual é a verdadeira educação unilateral. Quando os alunos são privados de conhecer outras formas de pensamento ou de analisar as insuficiências epistemológicas do darwinismo, será que estão mesmo fortalecendo os ‘fundamentos da razão’? Será que as escolas adventistas, que têm mais de 130 mil alunos matriculados em suas unidades escolares – que vão do ensino fundamental ao nível superior –, seriam reconhecidas pela sua excelência educacional a tal ponto de 70% de seus alunos não serem adventistas? Teriam essas mesmas escolas tão elevado índice de aprovação no vestibular caso seus alunos tivessem conhecimentos deficitários em biologia?
Realmente não se espera que as escolas ensinem religião em aulas de ciência e biologia, mas pelo menos que fosse adequadamente ensinado aos alunos o que é o método científico e que nem todas as alegações do darwinismo passam no crivo desse método. Que se separassem as proposições filosóficas dos dados experimentais, e que se ensinasse de uma vez por todas a diferença entre naturalismo metodológico (uma ótima ferramenta) e naturalismo filosófico (motivado pelo ateísmo assumido a priori).
Apenas um lado da controvérsia
Veja chama para o lado dos darwinistas aliados ‘de peso’, como o evolucionista teísta Francis Collins e a Igreja Católica. A idéia é a seguinte: se eles podem ser darwinistas e acreditam em Deus, por que os demais cristãos não fazem o mesmo? Veja teria que enveredar pelos meandros da teologia para poder entender e explicar isso. O que permite à Igreja de Roma ‘conciliar’ as visões darwinista e religiosa é a adoção de uma teologia liberal que agride o âmago da teologia bíblica, buscando uma mistura impossível.
A matéria termina com o famoso exemplo do pescoço da girafa. Darwin ‘explicou’ que o bicho adquiriu o pescoção porque, em períodos de seca, os animais de pescoço mais longo conseguiam se alimentar, o que favoreceu sua reprodução. O que o texto não faz é abordar a complexidade de órgãos como o pescoço da girafa, com suas múltiplas válvulas que controlam perfeitamente a pressão sanguínea, coisa que Darwin não tinha como estudar a fundo em seu tempo e que os darwinistas de hoje procuram evitar.
No afã de idolatrar Darwin, Veja ignora figuras históricas que bem poderiam dividir os louros com o naturalista inglês, como é o caso de Alfred Russel Wallace. Wallace pode ser considerado co-formulador da teoria da evolução, já que, como caçador e observador atento de animais exóticos, ele também chegou à conclusão de que havia variabilidade entre os seres vivos e que isso poderia ser indício de ancestralidade comum. Em 1858, ele enviou uma carta a Darwin com suas conclusões a respeito do assunto, o que fez com que o naturalista inglês se apressasse a publicar A Origem das Espécies. Wallace não era o tipo de fazer contenda e não se importou pelo fato de os louros terem sido todos para Darwin. Bem mais tarde apenas, a História daria o devido (mas ainda não muito conhecido) lugar a Wallace como dono de um insight que mudou os rumos da ciência. Mas para que dizer isso e deslustrar a festa a Darwin, não é mesmo?
Resumindo, a matéria ‘darwinlátrica’ de Veja procura polarizar o assunto entre ciência e religião, blindando assim a teoria de Darwin, protegendo-a de discussões científicas mais aprofundadas.
Várias batalhas foram ganhas pelos jornais. Nessa ‘guerra de 150 anos’, Veja está cumprindo seu papel de jornalismo engajado: mostra apenas um lado da controvérsia e permanece firme no propósito de não dar vez às vozes discordantes.
Em tempo: já perdi a conta das vezes que sugeri à Veja uma entrevista com algum teórico do criacionismo ou do design inteligente. Forneci até nomes: Michael Behe, Phillip Johnson, James Gibson (GRI), Marcos Eberlin (Unicamp), Ruy Vieira (SCB), Nahor Neves de Souza Jr. (Unasp) etc. Até hoje, nada. Somente ateus e darwinistas tiveram espaço nas páginas amarelas. Não foi esse tipo de jornalismo que aprendi na UFSC.
******
Jornalista