Quatro entidades da sociedade civil – o FNDC, a Campanha pela Ética na TV, o Congresso Brasileiro de Cinema e a articulação CRIS-Brasil –, enviaram na sexta-feira (17/6) uma segunda carta à Casa Civil da Presidência da República e ao Ministério da Cultura sobre o processo de construção da lei da comunicação eletrônica de massa (LCEM). O documento [veja a íntegra abaixo] questiona a ausência dos artigos 220, 223 e 224 da Constituição Federal na abrangência do decreto que estabelece um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para a elaboração do anteprojeto da LCEM, também conhecida como lei geral.
O texto aborda a importância do conteúdo dos dispositivos que não foram objeto do decreto mas que constam do rol de cinco artigos que compõem o capítulo de Comunicação Social na Constituição Brasileira. Em abril, as mesmas entidades haviam divulgado uma carta aberta onde reivindicavam assento no Comitê Consultivo vinculado ao GTI.
Entre outras questões, os signatários destacam o artigo 220, cujo parágrafo quinto define que os meios de comunicação social não podem ser objeto de monopólio ou oligopólio. Sobre este prisma, sustentam as entidades, enquanto o artigo não for regulamentado não haverá ‘uma definição formal sobre o que configura monopólio ou oligopólio’. No artigo 223, que trata das concessões de emissoras de rádio e TV e define o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal, as entidades atentam para o fato de que, no Brasil, o sistema público é praticamente inexistente e precisa ser desenvolvido considerando a participação da sociedade e a representação de sua diversidade nos meios de comunicação. As entidades concluem que é indispensável, na elaboração da Lei, que todas as preocupações sejam levadas em conta, para que não se corra o risco de construir uma Lei Geral de Comunicação de Massa sem abrangência.
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São Paulo, 17 de junho de 2005.
Aos Excelentíssimos senhores:
André Barbosa – Assessor especial, Casa Civil da Presidência da República
Israel Bayma – Assessor especial, Casa Civil da Presidência da República
João Luiz Silva Ferreira – Secretário Executivo, Ministério da Cultura
Orlando de Salles Senna – Secretário do Audiovisual, Ministério da Cultura
Prezados senhores,
A intenção do governo em promover a elaboração de uma Lei Geral de Comunicação de Massa, anunciada em janeiro pelo Presidente Lula, foi encaminhada por meio de decreto de 26 de abril de 2005, que estabelece um Grupo de Trabalho Interministerial ‘com a finalidade de elaborar anteprojeto de lei de regulamentação dos arts. 221 e 222 da Constituição e da organização e exploração dos serviços de comunicação social eletrônica’.
Pelo decreto citado, não serão tratados na Lei, portanto, os artigos 220, 223 e 224 da Constituição Federal, que completam o rol de cinco artigos do capítulo de Comunicação Social. Não entendemos o motivo da não inclusão desses artigos no escopo de uma Lei Geral de Comunicação de Massa, uma vez que eles tratam de questões fundamentais para a redefinição democrática do marco legal do setor.
O artigo 220, entre outras questões, define que ‘os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio’ (§ 5°). Esse parágrafo nunca foi regulamentado, o que faz com que não haja definição formal sobre o que configura monopólio ou oligopólio. Os únicos (poucos) limites de propriedade existentes datam da década de 60.
O mesmo artigo diz, em seu parágrafo 3°, que compete à lei federal ‘estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente’. Essa definição relaciona o artigo 220 ao 221; é fundamental, portanto, que haja regulamentação também do primeiro.
O artigo 223, por sua vez, diz respeito às concessões de rádio e TV, e define o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. No Brasil, o sistema privado e o estatal, em especial o primeiro, são consolidados, mas o sistema público é praticamente inexistente e, a nosso ver, precisa ser desenvolvido e redefinido à luz do crescimento da participação da sociedade nos processos de comunicação e da necessidade de representação de sua diversidade nos meios de comunicação. Consideramos essa uma questão central a ser tratada pela nova lei, definindo condições para o estabelecimento de um sistema público, não-estatal e não-privado, e estabelecendo sua modalidade de gestão e financiamento.
O mesmo artigo 223 aponta, no parágrafo 4º, que ‘o cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial’. Contudo, hoje o Poder Judiciário praticamente não conta com referências legais que possam levar ao cancelamento da concessão. Essa ausência de referências permite que as emissoras de radiodifusão passem até quinze anos detendo uma concessão pública sem obrigação formal de prestar contas à sociedade. É essencial que esta relação seja regulada.
Por fim, o artigo 224, que estabelece o Conselho de Comunicação Social (CCS), também merece atenção, embora já tenha sido regulamentado em 1991. Uma Lei Geral de Comunicação de Massa que pretenda estabelecer a participação democrática nas definições sobre o setor não pode ignorar o papel desse Conselho. A existência de espaços que permitam a ampliação da participação da sociedade civil no processo de debate e formulação sobre políticas públicas deve ser assegurada e reforçada.
Tendo em vista as considerações acima, parece-nos fundamental que o governo reveja a decisão de tratar apenas dos artigos 221 e 222, e possa incluir também no escopo da Lei Geral de Comunicação de Massa os outros três artigos do capítulo da Comunicação Social na Constituição Federal.
Aproveitamos a oportunidade para afirmar também que, pari passu a estas questões, não podem ser ignorados dois processos fundamentais em curso: a discussão acerca da migração para a plataforma digital na radiodifusão de sons e imagens e a convergência tecnológica entre os diversos suportes para produção e difusão de conteúdos eletrônicos.
É fundamental que sejam levadas em conta essas preocupações na continuidade do processo de elaboração da lei, sem o que corremos o risco de termos uma Lei Geral sem a abrangência que se faz indispensável.
Atenciosamente,
** Campanha pela Ética na TV
** Congresso Brasileiro de Cinema
** CRIS Brasil – Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação
** FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação