O teórico Muniz Sodré não se equivoca ao afirmar que a mídia não é poder; a mídia é força. O que, portanto, precisa ser equacionado, em termos mais claros, é exatamente a fronteira na qual o poder se distancia da força. Para tanto, primeiramente, há de se compreender que o poder tanto necessita da força quanto esta apenas existe em função daquele. O poder se situa na esfera do desejo e do interesse. A força está alocada no campo da operacionalidade, a serviço da demanda do desejo ou do interesse. Quem deseja esconde-se e protege-se (o poder). Quem opera expõe-se (a força).
Em outros termos, o poder (estrutura detentora do capital) pensa e quer. A força – no caso específico, a mídia – traduz, em código (verbal, audiovisual ou gestual), o desejo do ‘outro’. Isto posto, como a mídia usa a ‘força’?
Antes de responder à questão, cabe definir-se o que é ‘força’. A melhor fonte se situa no campo onde ela foi conceituada e demonstrada: a Física, em detrimento de outras conjecturas próprias da Teoria da Comunicação.
Período de ‘entressafra’
Na Física, o princípio é ‘massa + velocidade = força’ (M + V = F). Se entendermos que ‘massa’, no âmbito midiático, corresponde à gama diversificada de informação, com base num procedimento marcado pela ‘velocidade’ com que a ‘massa de informação’ circula e renova-se, tem-se a compreensão da força que a mídia exerce sobre a marcha dos acontecimentos, bem como sobre pessoas neles envolvidas. Com rapidez espantosa, a mídia pode converter alguém em celebridade ou condená-la ao mais absoluto infortúnio. O problema da ‘ação da força’ é que fica explícito o efeito, contudo preserva-se o sentido do ‘desejo’ ou do ‘interesse’. É desse quadro meio difuso que decorrem distorções cujo ‘mistério’ tanto fermenta paixões quanto fomenta a proliferação da ‘lógica binária’, sempre redutora e geradora de equívocos reflexivos.
A mídia, digamos, atua numa tensão entre ‘ponto de fuga’ e ‘ponto de encontro’. Como bem se sabe, na geometria ‘ponto de fuga’ é a convergência das linhas que traduzem a ‘profundidade’ dos objetos, aspecto tão bem explorado pelos grandes pintores. Já o ‘ponto de encontro’ vem a ser a expectativa de a mídia contemplar, por sintonia fina, os anseios do público-receptor. A mídia, portanto, fica a meio caminho: entre os desígnios da estrutura do capital e as aspirações da média do público que da mídia se serve.
Pensar-se, pois, em mídia independente, no formato de mundo no qual estamos é forçar demais o horizonte da utopia. Sem uma política de radical investimento na qualificação cultural da população, não há a menor possibilidade de alterar-se o perfil da mídia dominante. A mídia, por conseguinte, busca a ocupação de uma ‘territorialidade’ na qual tenta equilibrar os anseios de quem nela injeta capital e as motivações de um público cuja identidade é definida pela ‘taxa’ de sua consciência crítica.
Se as redes do capital forem mais fortes que a taxa de consciência crítica, não há o que lamentar. O modelo que temos, decisivamente, não nos agrada, pelo menos para certo segmento populacional. Contudo, o projeto de reversibilidade, infelizmente, leva tempo. São necessárias, no mínimo, duas gerações .
O que ocorreu na recente história brasileira tem de ser levado em conta. Sob a liderança política do primeiro mandato do PSDB (o segundo mandato foi deplorável) e os dois, em curso, do PT, é a estratégia de inserção de segmentos excluídos da chamada ‘economia ativa’, fazendo-os migrarem para a ‘economia produtiva e consumista’. O período de ‘entressafra’ no qual se verifica acentuado rebaixamento cultural é inevitável. É o preço histórico a ser pago, por conta do longo estágio gerenciado por forças político-econômicas de extremado perfil conservador.
Que papel desempenhar
Assim, a mídia (impressa e eletrônica) se comporta: presa a interesses e de olho na identidade dominante da população consumidora. Nesse quadro, não quer dizer que todos os órgãos de comunicação atuem, exatamente, da mesma maneira. Entre eles, há os que mais se filiam aos setores conservadores e os que, moderadamente, se inclinam na direção de propostas menos conservadoras. Sob tal aspecto, é interessante que articulistas, atentos às variantes e mutações, se pronunciem.
Meu temor é que a retórica do radicalismo ponha em risco um projeto político que está inscrito no horizonte de um futuro não muito distante. Qual? É simples: quem, de modo desarmado, olhar a configuração do quadro político brasileiro saberá de imediato perceber que as forças políticas, capazes de impulsionar as transformações necessárias à realidade brasileira (além das que estão em andamento), se encontram nas agremiações do PT e PSDB, afora poucos nomes do PPS e outros, raríssimos, do PMDB.
Quem, portanto, tem, para o Brasil, um projeto de aceleração das ‘forças produtivas’ deve – com o que pensa, escreve e, em algum nível, colabora como ‘agente intercessor’ – imprimir, à consciência nacional, a conquista de uma ‘convergência’ de projetos cujo ‘ponto de fuga’ seja capaz de unir-se a ‘ponto de encontro’. Nessa hora, nada utópica, o perfil da mídia vergar-se-á, rendendo-se ao clamor do vigor de um novo público.
A questão está em cada cidadão saber, com precisão, que papel deve desempenhar. Bem sei não se tratar de tarefa nada fácil. Todavia, é preciso alongar-se o olhar. Para tanto, que cada um faça a sua parte.
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Ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da Facha (Rio de Janeiro)