Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Estadão endossa denúncia
da farra nas concessões


‘Fora da lei, 1 em cada 10 deputados detém concessão de rádio ou TV’, por João Bosco Rabello, copyright O Estado de S.Paulo, 2/7/2006


O Ministério das Comunicações tem até amanhã [segunda, 3/7] para responder ao pedido de informações do Ministério Público Federal sobre parlamentares que detêm concessões de emissoras de rádio e televisão. Uma representação em curso na Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF) investiga a denúncia de que um 1 cada 10 deputados é proprietário direto (em nome próprio) de meios de comunicação, o que é proibido pela própria Constituição.


A representação do Ministério Público poderá ter um efeito explosivo sobre o Congresso, já que dos 513 deputados nada menos do que 50 têm emissoras de rádio e televisão em seu próprio nome. O número pode crescer se forem contabilizados os deputados detentores das concessões em nome de terceiros, como parentes ou empregados.


A relação em poder da PR-DF não contempla os 25 senadores que, direta ou indiretamente, também detêm o controle de veículos de comunicação, como Efraim Morais (PFL-PB), que presidiu a CPI dos Bingos, e Antônio João (PTB-MS), suplente que assumiu a vaga de Delcídio Amaral (PT-MS) no dia 3 de maio.


A prática é comum entre parlamentares, que sem alarde ou indignação popular atropelam a Constituição. No artigo 54, a Constituição proíbe deputados e senadores, desde a expedição do diploma, de ‘firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público’. O dispositivo também proíbe que parlamentares sejam ‘proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público’.


No artigo 55, a Constituição prevê a perda do mandato do congressista que desobedecer a qualquer uma das proibições do artigo 54.


Com base nos dispositivos constitucionais, o Projor, entidade mantenedora do site Observatório da Imprensa, ofereceu a mencionada representação, em novembro do ano passado, ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pedindo a investigação das irregularidades.


‘Se a Mesa da Câmara tivesse interesse em fazer cumprir esse dispositivo constitucional, traria considerável benefício à democratização dos meios de comunicação no País’, afirmou o jornalista Mauro Malin, do Observatório da Imprensa, durante seminário na Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara.


Pesquisa


A denúncia resultou de uma pesquisa realizada pelo professor Venício A. de Lima, da Universidade de Brasília (UnB), que cruzou os nomes dos sócios e diretores de empresas de comunicação com os nomes dos deputados da atual legislatura (2003-2007) na Câmara. O trabalho de Venício não seria possível antes de janeiro de 2004, quando o então ministro das Comunicações, Miro Teixeira, divulgou os dados no site oficial do ministério.


‘Os meios de comunicação nas mãos dos políticos são moldados para atender aos interesses deles’, alerta Malin. ‘No interior, aonde não chega a maioria dos grandes jornais, o poder do político dono de um meio de comunicação cresce demais. O tecido político do País no interior fica frágil.’


‘Eles (parlamentares) próprios avaliam e autorizam as concessões. Não é curioso que tantos tenham tios, sobrinhos e outros parentes concessionários de rádios e TVs, além deles próprios? Em nenhum outro segmento da sociedade há tanta concentração de concessionários públicos’, denuncia a advogada Taís Gasparian, especialista em mídia e propaganda, que elaborou o requerimento do Projor.


Punições


De acordo com a advogada, a investigação do Ministério Público pode resultar na cassação do mandato do parlamentar, ou pelo menos na fixação de um prazo para que o deputado ou senador renuncie à concessão da exploração do rádio ou da televisão. Na Procuradoria da República no Distrito Federal, o caso tramita sob a responsabilidade da procuradora Raquel Branquinho, que integrou a equipe especial de procuradores, designada pelo procurador-geral da República, para acompanhar as investigações da CPI dos Correios. Ela também conduziu a investigação que considerou irregulares os contratos da multinacional Gtech com a Caixa Econômica Federal, no escândalo que envolveu o ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz. [Colaborou a equipe da sucursal]


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‘Dono de emissora trava mudanças’, copyright O Estado de S.Paulo, 2/7/2006


Muitos caciques da política nacional compõem a bancada da comunicação no Congresso. Isso contribuiu para que a legislação sobre concessões e comunicação não seja modificada, embora mudanças sejam cogitadas desde outras legislaturas.


Na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), há parlamentares ligados a empresas de comunicação. Essa comissão é justamente a responsável pela análise e aprovação dos pedidos de outorga ou de renovação das concessões que chegam ao Congresso.


‘Isso vem de várias legislaturas’, diz o deputado Jorge Bittar (PT-RJ), vice-presidente da CCTCI. ‘O problema é que não querem aprovar a nova Lei de Comunicação de Massa. O ex-ministro (das Comunicações) Sérgio Motta deixou um projeto pronto. O ex-ministro Miro Teixeira também. A atual legislação é anacrônica e não querem mudar. Falta vontade política dos parlamentares.’


A participação de proprietário de rádio ou TV na comissão significa um desrespeito às leis que vai além da burla ao artigo 54 da Constituição. Pelo artigo 180 do Regimento Interno da Câmara, o parlamentar que se encontra em situação de legislar em causa própria – como é o caso – fica obrigado a se declarar impedido de votar e avisar a Mesa Diretora. Se não fizer isso, pode responder a processo no Conselho de Ética.


Mas, na CCTCI, Fábio Souto (PFL-BA), 1º vice-presidente, detém a concessão da Empresa Camacaense de Radiodifusão. Suplente da CCTCI, o deputado Henrique Alves (PMDB-RN), é sócio da TV Cabugi, de Natal, e das rádios Baixaverde AM e Difusora de Mossoró AM, ambas no Rio Grande do Norte.


Além disso, o 1º vice-presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira (PL-PE), é dono da Rede Nordeste de Comunicação, de Caruaru, e de três emissoras de rádio. O ex-presidente da Câmara Jader Barbalho (PMDB-PA) controla a Rede Brasil Amazônia de Televisão (afiliada da Bandeirantes, em Belém) e uma rádio.


Senado


Da Câmara para o Senado existe pouca diferença no que diz respeito ao controle político sobre os meios de comunicação. Há 14 senadores que controlam, em nome próprio, empresas de radiodifusão; outros 11 detêm o controle indireto – em nome de parentes ou terceiros. Feita a conta, 31% dos 81 senadores estão nessa condição.


A relação dos senadores, não enviada ao Ministério Público Federal, vem de levantamento feito pelo pesquisador James Gorgen, com a supervisão do jornalista Daniel Herz, diretor do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom), morto em maio. A lista de Gorgen é mais abrangente que a do professor Venício Lima, por se estender aos senadores que não têm as empresas registradas em seu nome, mas em nome de terceiros.


Na CPI dos Bingos, presidente e relator eram concessionários de radiodifusão. O senador Efraim Morais aparece no cadastro do Ministério das Comunicações como dono da rádio Vale do Sabugy FM. Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) detém, em seu próprio nome, a TV Cabugi, retransmissora da TV Globo, e uma rádio AM.


O presidente nacional do PSDB, Tasso Jereissati (CE), é dono da TV Jangadeiro, retransmissora do SBT em Fortaleza (CE), e da rádio FM Jangadeiros. O líder do PFL, senador José Agripino Maia (RN), é dono de quatro emissoras de rádio e da TV Tropical, retransmissora da Record em Natal.


Na ala governista, Romero Jucá (PMDB-RR) é sócio da Serra Negra Radiodifusão FM, em Pernambuco. Com a posse em maio de Antônio João Rodrigues, suplente de Delcídio Amaral (PT-MS), o número de controladores diretos chegou aos 14 apontados na lista. O suplente do presidente da CPI que reavivou no País a necessidade do resgate da ética e da moral na administração pública descumpriu a Constituição ao tomar posse e não se afastar do controle de seu grupo de comunicação – o jornal Correio do Estado, a TV Campo Grande e duas emissoras de rádio.


O caso mais emblemático é o do próprio ministro das Comunicações, Hélio Costa, licenciado do mandato de senador, que até hoje consta do banco de dados de seu ministério como sócio-cotista da rádio FM ABC de Barbacena (MG). Ele já deu declarações afirmando tratar-se apenas de um sócio, sem funções de diretor da empresa. Em dezembro passado, disse que iria à Comissão de Ética do Senado para formalizar seu licenciamento da emissora. Se o fez, não informou a seu próprio ministério.


Conhecido pelo controle do Grupo Mirante, conglomerado de comunicação que alcança mais de 90% do Maranhão, o ex-presidente José Sarney não tem concessão em seu nome. Mas a família Sarney, por meio dos filhos do senador – inclusive da senadora Roseana Sarney (PFL-MA) e do deputado Sarney Filho (PV-MA) –, é proprietária do grupo, segundo dados do cadastro do Ministério das Comunicações.


O ex-presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães possui, em nome de filhos e netos, TVs e rádios em sua terra natal. A Televisão Bahia, retransmissora da TV Globo em Salvador (BA), está em nome de sua esposa, Arlete Maron de Magalhães, do filho Antonio Carlos Magalhães Júnior e dos netos Luís Eduardo Magalhães Filho, Carolina Magalhães Guinle e Paula Magalhães Gusmão. A família do senador ainda detém o controle de uma TV em Feira de Santana, outra em Vitória da Conquista e da rádio Antena 1, em Ribeira do Pombal.


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‘Emissoras dão prejuízo, alegam parlamentares’, copyright O Estado de S.Paulo, 2/7/2006


Muitos parlamentares ouvidos pelo Estado confirmaram que possuem concessões de emissoras de rádio e televisão. É o caso, por exemplo, dos senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e José Agripino Maia (PFL-RN) e do deputado Osvaldo Coelho (PFL-PE). Chefe de um clã que controla uma rede de comunicação no Maranhão, o senador José Sarney (PMDB-AP) respondeu, por meio de assessores, que as seis rádios e três emissoras de televisão da família estão em nome dos filhos e são dirigidas por Fernando, filho que está fora do jogo político.


Foi justamente no governo Sarney (1985-1990) que aconteceu a farra de concessões para políticos. O ministro das Comunicações da época, o atual senador e dono de emissoras na Bahia Antonio Carlos Magalhães (PFL), foi procurado para comentar o assunto, mas não respondeu aos telefonemas. Segundo sua assessoria, não era possível encontrá-lo porque ele passara a sexta-feira em eventos políticos no interior.


Em seu oitavo mandato, o deputado Osvaldo Coelho, de 75 anos, diz que as cinco rádios e as duas TVs que tem no semi-árido pernambucano ajudam a ‘preencher um vazio de informação e conhecimento’ na área. ‘É o que tem aberto a cabeça do povo’, afirma. ‘Essa gente sente prazer em ter acesso ao conhecimento’, explica. ‘Faço todo o esforço para que as pessoas do semi-árido possam receber informação.’


Deficitárias


Coelho ressalta que suas emissoras são deficitárias, pois priorizam uma ‘programação cultural’. Ele cita as coberturas de festas juninas e o espaço dado ao noticiário internacional. ‘Essas rádios dão prejuízo’, alega o parlamentar, que não se queixa da trajetória política. Antes de eleger-se para a Câmara, ele foi deputado estadual por três mandatos e secretário do governo de Pernambuco.


O senador Tasso Jereissati, por meio de sua assessoria, confirmou ter as concessões da TV Jangadeiro, retransmissora do SBT no Ceará, e da Rádio Jangadeiro FM, em Fortaleza.


Agripino Maia diz que as rádios que possui são deficitárias. O senador do PFL foi enfático ao ser indagado se a concessão a parlamentares é prejudicial à informação e ao processo democrático. ‘Se você entende o veículo de comunicação como concessão de serviço público, não’, disse, por meio da assessoria. ‘Se entende o veículo como concessão que deve dar oportunidade a todos, com o estabelecimento de ponto e contraponto, argumentos a favor e contra e permite o debate, a resposta é não.’


Com o nome na lista e aliado de ACM, o senador e ex-governador César Borges (PFL-BA) disse, também por meio de sua assessoria, que antes de assumir uma cadeira no Senado, em 2003, vendeu a terceiros as rádios Rio Novo FM, em Ipiaú, e Aimoré, em Piritiba. Borges reclama que o Ministério das Comunicações ainda não atualizou o cadastro de concessões. A rádio em Ipiaú teria ficado para sócios do senador; a outra emissora, com parentes.


O senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), membro de uma família que se alterna no poder do Rio Grande do Norte com o clã dos Maia, afirmou não ter emissoras de rádio e televisão em seu nome. ‘Em meu nome, não tenho. Também não tem ninguém com concessão que esteja me representando, nem da maneira mais suave’, disse o peemedebista, acrescentando: ‘Não tenho laranjas.’ Ele contou que ‘no passado’ possuiu sim uma concessão de emissora de TV. Explicou que a família vendeu para um grupo de fora do Estado a TV Cabugi, retransmissora da Rede Globo.


Garibaldi Alves, que foi relator da CPI dos Bingos, avalia que a concessão de emissoras para parlamentares pode comprometer a notícia. ‘Acredito que não deixa de comprometer de certa maneira a informação, que precisa ser divulgada da forma mais independente possível’, afirmou. ‘Hoje, é mais difícil chegar a esse purismo, pois as atividades estão muito interligadas. Mas quando o jornalismo era mais panfletário, os líderes sempre se valiam dessas concessões’, admitiu.


Afastada


A senadora Roseana Sarney (PFL-MA) informou, por meio da assessoria, que não é mais sócia das rádios que aparecem em nome dela. Ela diz que ainda têm sociedade com irmãos na TV Mirante, retransmissora da Globo no Maranhão, mas está afastada das decisões da empresa desde 1994, quando assumiu pela primeira vez o governo do Estado. O deputado José Sarney Filho (PV-MA), irmão de Roseana, também está afastado da direção da TV.


Também procurados pelo Estado, os deputados Mussa Demes (PFL-PI) e Moacir Micheletto (PMDB-PR) não foram encontrados. Seus assessores disseram que não era possível localizá-los. Igualmente foram procurados, sem sucesso, os senadores Edison Lobão (PFL-MA) e Mão Santa (PMDB-PI) e os deputados Inocêncio Oliveira (PL-PE), Pedro Irujo (PMDB-BA), Wanderval Santos (PL-SP) e Jader Barbalho (PMDB-PA).


Os gabinetes dos últimos cinco parlamentares estavam fechados no fim da tarde de sexta-feira. Os telefones celulares deles ou de seus assessores davam sinal de estar fora da área de cobertura.