Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estado é lerdo para definir autorizações

Divulgado no final do ano passado, o Aviso de Habilitação 06/2007 para inscrição de entidades interessadas em executar serviço de radiodifusão comunitária em 950 localidades encerrou-se no dia 3 de março. O prazo de inscrição, estendido por duas vezes, completou noventa dias e teve a adesão de 751 entidades em 25 estados do país. Uma observação atenta dos números divulgados pelo Ministério das Comunicações revela, contudo, não apenas o mapa de distribuição da demanda por emissoras comunitárias pelo Brasil, mas também e especialmente a lentidão dos processos.


Levantamento realizado pelo Observatório do Direito à Comunicação demonstra que uma em cada quatro das solicitações registradas neste processo de habilitação está há mais de cinco anos tramitando no ministério. Alguns dos processos registrados pelo ministério na lista das entidades inscritas têm data, inclusive, anterior à aprovação da Lei da Radiodifusão Comunitária (nº 9.612), em 1998.


Para o Aviso 06/2007, divulgado em 4 de dezembro de 2007, o Ministério das Comunicações considerou automaticamente incluídas no processo as entidades que já requeriam autorização em alguma das localidades atendidas pelo aviso. As associações nesta situação somaram 414, ou 55% do total de entidades inscrita. As demais (45%) estão registradas com data de 2008, sendo resultado direto da abertura do processo de legalização.


Os 337 processos iniciados em 2008 representam um aumento expressivo em relação aos anos anteriores. De 1998 a 2007, a média de entidades requerentes ficava em torno de 37 por ano, com um aumento significativo nos dois últimos.


Entre 1998 e 2000, o levantamento feito pelo Observatório aponta 97 processos sem conclusão até a data presente. O tempo de espera de muitas associações chega há 10 anos.


Um elemento importante para a demora na condução dos processos é, certamente, o alto grau de burocracia presente nas instâncias governamentais, aliado à defasada estrutura do Ministério das Comunicações, abarrotado de processos para poucos funcionários administrarem.


Restrição à liberdade de expressão


Sensível à questão da lentidão dos órgãos competentes, a Justiça Federal do Piauí deferiu liminar proposta pelo Ministério Público Federal daquele estado e deu prazo máximo de 120 dias para que o Ministério das Comunicações aprecie os pedidos de autorização para a exploração dos serviços de radiodifusão formulados pelas associações comunitárias do Piauí, pendentes há mais de 18 meses.


A ação civil pública movida pelo procurador da República Kelston Pinheiro Lages contra a União escancara justamente a incapacidade do ministério de encaminhar os processos – o que, segundo a argumentação do MPF/PI, impede o exercício da liberdade de expressão e comunicação assegurado pela Constituição Federal.


Ação semelhante foi movida pelo Ministério Público no Maranhão. Lá, a Justiça Federal determinou prazo de 45 dias para a solução dos problemas.


‘A Ação Civil Pública no Piauí vem para fazer justiça. As associações vêm cumprindo o que a péssima lei solicita, mas a própria burocracia não cumpre o que está previsto na lei’, afirma Sofia Hammoe, da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc). ‘Tanto que várias associações estão esperando um parecer a 10 anos’, diz.


Para ela, as rádios comunitárias são os únicos meios para que uma comunidade possa colocar sua ‘visão de mundo’ em evidência e, portanto, se a burocracia é ineficiente, este direito está sendo cerceado.


É o que também acredita Paula Martins, da ONG Artigo 19, associação internacional que trabalha na defesa da liberdade de expressão. Para ela, seguindo os padrões internacionais, as obrigações do Estado brasileiro estão bastante aquém da necessária garantia dos direitos humanos. ‘Existe uma clara violação por parte do Estado, que aparenta ser proposital’, afirma.


Paula explica que existe uma situação geral de manutenção de irregularidades, pois não parece ser do interesse do ministério resolver a questão das rádios comunitárias. ‘A comunicação comunitária não é uma prioridade para o governo.’ Além disso, os trâmites legislativos são tantos que criam uma ambiente de situações desnecessárias.


O ministro das Comunicações Hélio Costa admite que existe uma defasagem em seu quadro de funcionários. Para amenizar o problema, criou-se uma força-tarefa para agilizar a análise dos processos. ‘Temos que reconhecer o esforço, mas isso deveria ter sido feito há muito tempo, e foi pouco’, diz Sofia. A coordenadora da Amarc ainda lembra que existem processos que acabam seguindo critérios diferentes, ou seja, aqueles que têm políticos e igrejas envolvidas. ‘Sabemos que existem autorizações que saem rapidinho.’

******

Do Observatório do Direito à Comunicação