Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estrela Serrano

‘O leitor Nelson Henriques escreveu à provedora a propósito do Barómetro/DN de Fevereiro, afirmando que ‘os títulos e destaques (…) sobre os resultados (…) são bem elucidativos de comprometimento (do jornal) com o poder actual’. Segundo afirma, ‘é bem evidente a maquilhação (…) dos resultados que, de negativos, se pretende transformar em positivos para o Governo’, acrescentando que ‘quando mais de metade dos ministros deste governo têm nota negativa, segundo o Barómetro (…), como é possível que no texto da notícia se diga ‘(…) A maioria dos ministros (…) regista, no entanto, uma ligeira recuperação?’’.

Afirma, também, o leitor que ‘os números mostram que, desde Outubro, de forma constante o PS sobe (5%) e desde a mesma data o PSD perde exactamente o mesmo’. Perante o que considera ‘falta de rigor (…), tentativa de branquear os números (…) e de ocultar o seu significado político’, Nelson Henriques pergunta se ‘isto’ também se deve aos ‘famosos’ ‘critérios jornalísticos’. Em sua opinião, ‘tudo se tem vindo a conjugar para que o DN (…) tenha vindo a posicionar-se como um órgão de comunicação comprometido (…) com o actual poder’.

As questões levantadas pelo leitor, embora centradas no tratamento jornalístico dos dados do Barómetro, possuem um alcance que o ultrapassa.

Vejamos, em primeiro lugar, o Barómetro: na edição de 27/2, uma ‘chamada’ de 1.ª página anunciava que ‘PSD e PS sobem com Soares em queda livre’, salientando que o PSD é o partido que mais sobe, com o PS a manter a liderança mas subindo, apenas, 1,5%. Na pág. 4, o enfoque da peça principal é diferente: o título afirma ‘PSD e CDS sem maioria absoluta’ e o pós-título que a ‘coligação recupera terreno à conta da subida do PSD’ mas ‘continua atrás do PS’. Salientando a ‘penalização’ das ministras da Justiça e das Finanças, o texto afirma que, ‘depois da queda geral do barómetro anterior, a maioria dos ministros regista, no entanto, uma ligeira recuperação’. Na página seguinte surgem os resultados obtidos por cada um dos políticos escrutinados e as respectivas fotografias.

Analisando o conjunto da informação, verifica-se que, enquanto a primeira página salienta a subida do PSD, na página 4 o enfoque é colocado na perda da maioria absoluta por parte da coligação. Ambas as informações correspondem a resultados do Barómetro, pelo que a questão que pode colocar-se é saber qual dos dois dados – o da primeira página ou o da página 4 – possuía maior relevância informativa.

Teoricamente, a perda da maioria absoluta por parte da coligação reveste-se de maior significado político e, portanto, seria o dado de maior relevância noticiosa. Contudo, o facto de o PSD ter recuperado ‘após dois meses em queda’ possui também interesse informativo, embora, à primeira vista, menor, uma vez que esse dado não altera a situação obtida no barómetro anterior, de liderança do PS. A escolha do destaque da primeira página colocava-se, pois, em relação a esses dois dados, uma vez que a situação de vantagem do PS não era novidade, possuindo, pois, menor ‘valor’ noticioso.

Será, então, que, como pretende o leitor, este caso exemplifica um ‘comprometimento do DN com o actual poder’?

A provedora não crê que se possa extrair essa conclusão. Aliás, não está provado que notícias aparentemente ‘positivas’ para um governo ou um partido produzam, nos leitores, um efeito igualmente positivo relativamente a eles, uma vez que os leitores não se limitam a receber passiva e acriticamente as mensagens jornalísticas.

Acresce que a classificação dos jornais não se baseia, hoje, em questões de natureza político-partidária, sendo mais fácil distingui-los por critérios baseados no entendimento que cada um faz do seu papel – ao serviço do interesse público ou inclinando-se para objectivos estritamente comerciais de satisfação imediata do ‘mercado’. Ora, nesse aspecto, o DN posiciona-se, claramente, na primeira orientação.

Por outro lado, a visão do DN como um jornal ‘comprometido com o actual poder’ ignora que existem dinâmicas na redacção de um jornal susceptíveis de equilibrarem ou contrariarem eventuais tendências de alinhamento ideológico ou partidário e que os seus responsáveis não desconhecem que a sobrevivência económica de um título depende, em grande parte, da capacidade que tiver para não se deixar enfeudar a interesses de grupos.

É, pois, redutor encarar as notícias como emanando, fatalmente, de poderes externos à redacção, seja de um jornal, rádio ou televisão. De facto, no que respeita ao poder político, embora as notícias dependam, sobretudo, de fontes oficiais e contribuam através delas para a consolidação do status quo, por outro lado, privilegiam os aspectos negativos do poder, procuram e denunciam escândalos e chegam a derrubar governos.

Acresce que os maiores constrangimentos sobre os media noticiosos não são, hoje, de natureza política mas sim económica, embora isso não desresponsabilize os jornalistas perante os seus públicos.

Bloco-Notas

SOBRE AS SONDAGENS – O tratamento jornalístico de sondagens provoca, algumas vezes, controvérsia e reparos de leitores.

A discussão centra-se, geralmente, nos títulos com que são apresentados os resultados, nas imagens e nos destaques que os acompanham, raramente abrangendo questões consideradas mais técnicas, como sejam, o conteúdo das perguntas feitas aos inquiridos, a escolha das personalidades a escrutinar e as metodologias utilizadas.

Aliás, é significativo que, muitas vezes, os próprios jornalistas (sobretudo nos meios audiovisuais) façam questão de afirmar que são obrigados, legalmente, a publicar a ficha técnica como se não fosse essencial para a apreciação dos resultados de qualquer estudo conhecer as metodologias que são utilizadas.

AINDA O BARÓMETRO – No caso do Barómetro DN, seria interessante, por exemplo, discutir os critérios de selecção dos políticos de ‘esquerda’ e de ‘direita’ ou dos ‘potenciais candidatos presidenciais’ e, por outro lado, ‘trabalhar’ os resultados, por exemplo, relacionando-os com o momento político e social em que o trabalho de campo é realizado. Seria, igualmente, útil e interessante submeter os resultados a comentários especializados de politólogos e sociólogos, que ajudassem os leitores a interpretar os dados, a analisar as margens de erro e a discutir a própria fiabilidade da sondagem. Isso completaria o trabalho da Redacção e diversificaria os ângulos de abordagem, evitando algumas críticas e contribuindo para esclarecer os critérios usados na publicação dos resultados.

CARTAS DOS LEITORES – O leitor Nelson Henriques, a propósito das observações acima citadas, afirma, que não pode ‘deixar de questionar publicamente’ a provedora, já que, em sua opinião, ‘as cartas dos leitores, como é notório, são seleccionadas (…) com base em critérios que certamente têm como objectivo passar a ideia de que os leitores, na sua esmagadora maioria, estão de acordo com a linha ideológica actual do DN’.

A provedora desconhece se o leitor enviou alguma carta ao DN que não tenha tido acolhimento, mas recorda que o DN publica, diariamente, as regras de publicação dessas cartas, pelo que, desde que elas sejam cumpridas, está convicta de que bastará ao leitor aguardar algum tempo para ver publicadas as suas cartas.

CORRIGIR ERRO – O leitor Carlos Esperança corrige uma nota publicada no ‘Bloco’ da semana passada: ‘(…) Um leitor terá cometido um erro que a Senhora Provedora corroborou.

De facto, não me surpreende que, num país de 10 milhões de habitantes, possam ter acorrido aos centros de saúde, em 2003, 22,5 milhões.

Basta que 10% da população recorra às consultas duas vezes por mês. (…) Não se contabilizam apenas (…) doentes diferentes’.

A provedora agradece a correcção.’