‘O leitor António Barrinhas solicitou à provedora ‘uma tomada de posição’ sobre a fotografia da ministra da Justiça escolhida pelo DN ‘como ilustração de um texto publicado em 28/1/4’, com o título Cardona pode ir a tribunal. Segundo o leitor, ‘houve manifesta má-fé do jornal ao usar aquela foto, (…) manipulando-a para atingir outros fins’. António Barrinhas afirma que não conhece, ‘pessoalmente, a visada’ nem é ‘da sua área política, mas há coisas de que, por dever de consciência’, não abdica.
A fotografia a que se refere o leitor mostra o rosto da ministra, em grande plano, envolto numa mancha negra que apenas deixa à vista os seus contornos e está identificada como pertencendo ao ‘Arquivo DN/2003’. É publicada na secção Negócios, acompanhando a notícia (que mereceu ‘chamada’ de primeira página) da ida da ministra ao Parlamento para ‘explicar o destino do dinheiro dos descontos de 580 funcionários’. A legenda diz: ‘Margem apertada. Ministra Celeste Cardona diz que alternativa seria o desemprego dos 600 funcionários.’ Aparentemente, nada relaciona a fotografia com o conteúdo da notícia a que se reporta. Não é, contudo, uma fotografia ‘neutra’, estilo bilhete de identidade, mas uma fotografia com algum grau de sofisticação. Como analisá-la, então?Vejamos: atendendo às funções desempenhadas pela fotografia de imprensa, podemos interrogar-nos sobre que informação se obtém através da fotografia e que novos dados sobre um acontecimento ela pode fornecer.
A presença da fotografia nas páginas de um jornal constitui um foco de atenção para o leitor, um ‘primeiro contacto’ a partir do qual ele orienta a sua leitura. A fotografia funciona como um factor de hierarquização dos conteúdos da página, conferindo importância à notícia a que se reporta e constituindo um elemento de valorização da mesma. A fotografia torna o jornal mais ‘legível’, possuindo uma função comunicativa directa, de maior ou menor peso, consoante o seu valor informativo. É possível distinguir entre a mera presença da fotografia, à margem do conteúdo a que está associada, e a informação que acrescenta a esse conteúdo.
Teoricamente, a fotografia jornalística ‘ideal’ será a que é capaz de transmitir dados relacionados com um acontecimento concreto, tornando facilmente compreensíveis os seus aspectos fundamentais. É claro que isso raramente acontece na fotografia de imprensa, embora existam casos em que uma única fotografia basta para contar a história.
Relativamente aos critérios de escolha daquela fotografia do rosto da ministra para ilustrar a notícia dos descontos dos funcionários, e não de qualquer outra das muitas que o jornal terá no seu arquivo, a provedora não obteve qualquer resposta do DN. Contudo, não crê que o jornal usasse de ‘má-fé’ ou possuísse qualquer intuito de ‘manipulação’ da fotografia ‘para outros fins’, como refere o leitor. Aliás, essa fotografia não cumpre qualquer função informativa ou documental, isto é, não se reporta a nenhum acontecimento concreto, nem revela quaisquer dados e, muito menos, serve de prova de qualquer facto relatado. Trata-se de uma fotografia, simbólica e ilustrativa. É, contudo, uma imagem intensa, estranha e singular que não passa despercebida. A mancha negra que envolve o rosto da ministra e que tanto impressionou o leitor, marca-a indelevelmente.
É certo que o facto de uma fotografia não acrescentar valor informativo ao assunto a que se refere não a torna desnecessária, uma vez que, para sectores menos informados do público, ela ajuda a identificar a protagonista da notícia, neste caso, a ministra da Justiça. Mas, apesar da sua redundância (nada traz de novo à notícia), a fotografia não é despojada de elementos de valorização (ou desvalorização) da pessoa que representa.
Ora, reside aí a sua dimensão mais problemática. De facto, na relação que se estabelece entre um leitor e uma fotografia intervêm factores de natureza estética, emocional, social e outros, que dependem do contexto da recepção e diferem de leitor para leitor.
Esses elementos podem conduzir a interpretações tão diferentes como olhar para uma fotografia como uma obra de arte ou ver nela uma ‘violação da intimidade’ da personagem fotografada, uma procura dos seus pensamentos mais recônditos, sensação que na fotografia da ministra é potenciada pelo enfoque e enquadramento dados ao rosto.
Por outro lado, mesmo desprovida de valor informativo, uma fotografia não pode ser desligada do contexto em que é publicada. Daí que embora não seja legítimo afirmar que a intenção do DN fosse ‘desfavorecer’ a ministra, o jornal não podia, contudo, ignorar que a conjugação do título Cardona pode ir a tribunal com aquela fotografia do rosto da ministra ‘fechado’ na mancha negra que o circunda se prestava a leituras dúbias.
Acresce que a utilização da fotografia do rosto de alguém, sobretudo em grande plano, retirada do seu contexto original, como foi o caso desta (proveniente do arquivo), deveria revestir-se de todas as cautelas.
Bloco-Notas
‘Desmentidos’
O director do DN, Fernando Lima, enviou à provedora um comentário à coluna de 9/2, Silêncios e desmentidos,que não chegou a tempo de ser incluído na referida coluna. Diz o director que ‘o DN está sempre disponível para publicar esclarecimentos sobre matérias que noticia’. Sobre a notícia Portas sem dinheiro para pagar a ex-combatentes, o director considera que ‘o DN não tem que tomar conhecimento de desmentidos feitos por outros jornais’ e que ‘a confirmação da veracidade das notícias publicadas sobre esse assunto está no silêncio dos gabinetes envolvidos’.
Lar fechado
No que respeita à notícia de 1.ª página, Lar da Misericórdia fechado por abuso sexual de crianças (23/1), diz a autora da notícia: ‘Ao contrário (…) do que escreveu na sua coluna, (…) o DN explicava na peça de dia 24 que o lar ainda não tinha sido encerrado apesar da determinação do próprio Ministério da Segurança Social e do Trabalho nesse sentido. Se o DN errou ao afirmar que o lar já estava encerrado no dia 23, não errou, certamente, em tudo o resto, desde a existência do relatório que denunciava os abusos sexuais – existência que foi confirmada mais tarde pelo próprio provedor que inicialmente afirmava desconhecê-lo, dizendo mesmo que ia processar os inspectores’, embora a senhora provedora se tenha esquecido de mencionar esse facto – ao facto de existir uma ordem escrita da tutela que exigia o imediato encerramento do lar. Aliás, toda a notícia de dia 23 se debruça essencialmente sobre a existência do relatório que denuncia os abusos sexuais, matéria que nunca foi desmentida, muito pelo contrário’.
‘Conclusão’ do jornalista
Quanto à notícia Espanha está a secar rios Tejo e Guadiana, o director cita a frase da provedora: ‘O presidente do Instituto da Água não concorda com a interpretação feita pelo jornalista, (…) mas o secretário-geral do Conselho Nacional da Água e o presidente da Quercus apoiam essa interpretação’, perguntando: ‘Que conclusão quer que o jornalista tire?’
Lamento
O director lamenta, por fim, ‘que entre o pedido de esclarecimento (…) e a publicação da sua análise’, a provedora ‘não tenha dado tempo suficiente a que fossem ouvidos os jornalistas e discutido com eles o que estava em causa’.
Questões de prazo
Sem prejuízo de uma abordagem, em próxima oportunidade, das questões de fundo suscitadas pelas observações do director e da jornalista, a provedora gostaria de precisar que, conforme determina o seu estatuto, os esclarecimentos solicitados ao jornal ‘no exercício das suas funções (…) devem ser prestados, por escrito, no prazo de 72 horas’. Ora, a provedora solicitou esclarecimento no dia 3, tendo a resposta do jornal chegado no dia 12, sem que lhe tivesse sido solicitado adiamento do prazo ou manifestada intenção de responder mais tarde. A coluna foi publicada no dia 9.’