Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Falta de políticas atravanca o processo

Justiça a favor, Justiça contra e arbitrariedades. O governo não consegue definir as relações do Estado com as comunidades que tentam constituir uma comunicação própria. A radiodifusão comunitária, que poderia representar uma das formas mais simples e democráticas de organizar a informação em baixa potência, ainda sofre os vieses da insuficiência da lei e de suas diversas interpretações.

No último dia 26, na grande São Paulo, a Polícia Federal (PF), a pedido da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) fechou mais de 20 rádios clandestinas e apreendeu equipamentos. A ação fez parte da ‘Operação Interferência’, da PF em São Paulo, realizada através da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários. O objetivo era o de cumprir mandados de busca e apreensão e encerrar as atividades de diversas rádios que operam sem a autorização da Anatel naquela região. Segundo informações que circularam pela imprensa, durante a semana, entre as emissoras havia pelo menos três que não estavam transmitindo e duas cujos responsáveis afirmam ter encaminhado o pedido de outorga ao Ministério das Comunicações. As associações vão questionar na Justiça a ação da Polícia Federal, pois pleiteavam licenças para operar suas emissoras conforme determina a lei.

No Recife deu-se o inverso. A Procuradoria Geral da República da 5ª Região (Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará) é quem recorreu ao STJ para reformar acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, segundo o qual a instalação e manutenção de emissora de rádio sem a autorização não configura crime, mas infração de natureza administrativa. A Anatel constatou que a Rádio Nova Jerusalém, de Sobral (CE), estava funcionando sem concessão da União e acionou a Polícia Federal. Esta, após proceder um inquérito policial, requereu à Justiça um mandado de busca e apreensão para localizar e apreender os equipamentos utilizados para a radiodifusão. Porém, segundo matéria veiculada no site da PRR5 (leia aqui), ‘alegando que as atividades da emissoras não constituíam crime, mas apenas infração administrativa – fora da esfera penal – a Justiça, em primeira instância, negou o pedido’.

‘Péssimo exemplo’

Para o advogado Paulo Fernando da Silveira, que aposentou-se como juiz federal da 1ª Região (Brasília) e luta pela descriminalização da radiodifusão comunitária há mais de 10 anos, a dificuldade de regular o setor deve-se à má interpretação das leis. No seu entendimento, a competência para legislar sobre a radiodifusão comunitária é de ordem municipal. Silveira é autor de um projeto de lei criando um modelo municipal de legislação de radicom, que já tem similar sancionado em São Paulo, João Pessoa, Campinas, São Gonçalo, entre outros municípios. Porém, reclama o magistrado, ‘alguns tribunais estaduais estão suspendendo as leis municipais’.

O juiz aposentado ressalta que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), dono da última palavra em matéria de Lei, tem decidido favoravelmente às rádios comunitárias. ‘Uma vez que a pessoa requereu o alvará ao Ministério das Comunicações, não pode ser molestada enquanto o processo administrativo estiver correndo’, afirmou. O STJ tem decidido também, que, em tese, o crime é do artigo 70, do antigo código de comunicação, e portanto é competência do juizado especial e não do juiz federal; que a Anatel não pode fazer busca e apreensão sem ordem judicial. ‘São algumas conquistas que tivemos ao longo de 10 anos’, aponta Silveira, para quem não pode ser crime o que é um direito fundamental. ‘Se a associação requer a autorização de acordo com a Lei Federal, não é rádio pirata ou clandestina. O problema é que o governo engaveta os pedidos ou atende determinadas associações de acordo com o seu interesse. Ou seja, dá um péssimo exemplo de ética ao não agir imparcialmente’, conclui.

Como se defender

A Anatel não pode apreender nem lacrar equipamentos das rádios de baixa potência sem ordem judicial. Já a Polícia Federal pode fazê-lo, porque, em tese, existe um crime. Segundo Silveira, quando a PF faz a apreensão, inicia um processo criminal, ‘onde ela assume que é ela, a PF, que está fazendo, e não a Anatel, que não tem poder de polícia’. A partir daí, existem várias possibilidades de defesas, segundo o juiz: a associação pode entrar com um habeas corpus contra a atitude da polícia; se foi o juiz Federal que deu a ordem, pode entrar com habeas corpus contra a incompetência dele, pois trata-se de competência do juizado especial.

Quem já requereu autorização no Ministério das Comunicações há mais de 60 dias e não obteve ainda a solução, pode entrar com mandado de segurança para não ter os bens apreendidos até a decisão final sobre o procedimento administrativo (isso já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça). Silveira aconselha ainda juntar as decisões do STJ sobre estas ações para montar a defesa. A falta conhecimento sobre os procedimentos dificulta ainda mais o que já é frágil. ‘O problema é que a maioria das rádios comunitárias não possuem assessoria jurídica instruída nesta área e a defesa é fraca’, explica.

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Da Redação FNDC