Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Folha de S. Paulo

COPA 2006
Fernando Gabeira

A Copa e o resto da realidade

‘EM 68 , após o AI-5, aprendemos o que é tentar fazer as coisas antes do Natal. A Copa acontece de quatro em quatro anos, talvez por isso ainda me engane. Desta vez, foi agravada com o colapso da Varig e um certo caos nos aeroportos. Na espera em Brasília, um advogado me contava como se sentiu inoportuno ao tentar falar com o cliente. Não tenho cabeça hoje, a não ser para o jogo, disse a voz do outro lado do telefone.

Meu problema era outro. O motorista que iria me levar para casa queria ver o jogo. O vôo atrasou. Ele gosta de ouvir os hinos e talvez hoje não consiga, disse eu.

Essa sensação de inconveniência ao tentar trabalhar normalmente revela-se também em outros campos. Como programar reuniões, compatibilizar agendas nos intervalos da tabela da Copa com gente que depende de hora de vôo e, alguns, até de festas juninas?

Entre um gol e outro, um hino nacional e outro, posso pensar em futebol e nações, com sua costura simbólica. Posso admirar o hino do México, o único que além de matar e destruir todos os inimigos, em caso de ataque, deseja que tenham um túmulo honrado.

A Copa nos traz algo que deveríamos aprender com o Réveillon: a proteção dos bichos domésticos, apavorados com os fogos de artifício. Alguns tremem durante horas, escondem-se nos lugares mais recônditos da casa. Há os que gostam e vão para a varanda, festejar. Na próxima, vou preparar para uma gata aqueles protetores de silicone que usamos na natação. São feitos sob medida e talvez resolvam o problema.

O Brasil já vencia de 4 a 1 do Japão, e o comentarista lembrava-se da vitória da Argentina, como que desejando seis. Instalou-se a divisão: seria ótimo ver o Brasil golear. Mas a gata não agüentaria mais dois gols. Já estava quase liquidada quando aconteceu o terceiro.

É preciso esperar a Copa, a ressaca da vitória ou da derrota, para fazer avançar um tema.

Recebi nesta semana um ensaio do ‘Jornal Britânico de Medicina’ mostrando como a corrupção no setor de saúde está presente em muitos países. Sua características, multiplicidade de agentes (hospitais, médicos, fornecedores), tornam o controle muito difícil. A estratégia para atenuar esse problema, quase universal, é a transparência.

Nos intervalos da Copa, cuidamos da venda superfaturada de ambulâncias. Mais de mil foram vendidas, irrigando contas de deputados, prefeitos. Com os documentos existentes, é possível apontar os responsáveis em pouco tempo. Isso será feito.

Fica no ar a pergunta: e daí para a frente, como proteger um ministério por onde passam R$ 35 bilhões? Só uma estratégia de transparência e investimento em controles podem conter a sangria.

Vamos deixar a Copa do Mundo passar, ver para que lado vão as coisas. O Brasil pode ir para trás, tornando o centro desses recursos um feudo de um partido político ou avançar rumo à preocupação internacional de proteger o setor de saúde da rapina política.

Digo isso, porque, na sombra da Copa, esgueirando-se por uma ou outra nota de jornal, aparece a discussão sobre um novo ministro da Saúde. Imagino que o governo não tenha cabeça para resolver isso em meio à Copa. Cedo ou tarde, o tema vai emergir como uma espécie de termômetro dos novos tempos. E mostrar o lado dos principais atores.

Já temos maturidade política, instrumentos tecnológicos, recursos para ampliar o controle, para não acordarmos sobressaltados com morcegos, sanguessugas e outros nomes de operação da Polícia Federal. Esse horror está ao alcance da mão, podemos reduzi-lo.

O trabalho da Procuradoria, Polícia Federal e Controladoria da União desmontando a quadrilha dos sanguessugas é um gol no jogo contra escândalos na saúde nas últimas décadas.

A tarefa é subir humildemente nos seus ombros, olhar um pouco adiante, colocar de pé os instrumentos para atacar o problema. São instrumentos políticos, mudanças na regra do jogo, transparência, que podem realizar o trabalho que não fazem as lições de moral.

Por enquanto, é esperar, torcer por um Brasil sem laterais velozes, com um ataque pesado. A gata adora essa formação.

Imagino que outras idéias estejam sendo gestadas na sombra da Copa. Podem ser atropeladas por um desses fatos extraordinários que não param de acontecer no Brasil. Sobrecarregados de cartões amarelos, os políticos não poderão escapar de dois temas: corrupção e segurança pública.’



GRAMSCI REVISITADO
Oscar Pilagallo

Historiador analisa o legado de Gramsci

‘Para uns, ele é socialista. Para outros, social-democrata. Há até quem identifique liberalismo nos escritos de Antonio Gramsci (1891-1937). Seu legado tem sido objeto de disputa pelas mais diversas correntes políticas.

Duas boas razões estão por trás do debate. Uma é de conteúdo: líder comunista na Itália, Gramsci teve nos anos de formação a influência do antimarxista Benedetto Croce. Outra é circunstancial: a fragmentação de seus textos, escritos na prisão onde passou os últimos dez anos de sua vida.

Em ‘Gramsci e a Revolução’, Lincoln Secco, professor de história da USP, não deixa dúvida sobre sua interpretação: ‘Gramsci foi, antes de tudo, um revolucionário e o núcleo de suas preocupações sempre foi a política e o poder. Mas não qualquer política e sim a estratégia socialista’.

Socialismo democrático

A própria tese de Secco permite que se acrescente: não uma estratégia socialista qualquer e, sim, a que resultasse num socialismo democrático. A questão da democracia em Gramsci tem despertado grande interesse. É fonte de inspiração tanto para marxistas que procuram alternativa ao modelo stalinista quanto para social-democratas que buscam diálogo com o marxismo.

É preciso entender, no entanto, que a concepção de democracia de Gramsci não é a liberal. Esta, para ele, é uma forma de hegemonia burguesa, ou seja, o poder que os de cima têm de retirar a capacidade de luta dos de baixo, ‘integrando-os no jogo democrático-eleitoral como participantes que legitimam a dominação de classe da burguesia’, resume Secco.

O livro traça uma boa síntese da recepção no Brasil das idéias de Gramsci, que permitiram que a defesa da democracia durante o regime militar fosse uma estratégia consistente de forças de esquerda, e não apenas uma tática provisória. A instrumentalização de Gramsci que a crítica à esquerda qualifica de contrabando ideológico foi defendida pela corrente do PCB que se abrigaria no PT.

Resultado de uma dissertação de mestrado de 1998, o livro de Secco não aborda o PT no governo, mas antecipa a dificuldade de a esquerda conciliar socialismo e democracia. O autor lembra que Gramsci é ‘tão notável que resistiu a todas as tempestades que varreram muitos autores supostamente identificados com o marxismo’. Na Europa, o teórico contribuiu para a experiência do eurocomunismo. No Brasil, porém, sua obra não se traduziu numa ação política que testasse a viabilidade de seus conceitos.

OSCAR PILAGALLO é jornalista, editor das revistas ‘EntreLivros’ e ‘História Viva’ e autor de ‘A História do Brasil no Século 20’ (em cinco volumes, pela Publifolha)

GRAMSCI E A REVOLUÇÃO

Autor: Lincoln Secco

Editora: Alameda

Quanto: R$ 34 (240 págs.)’

PORNOGRAFIA AMERICANA
Sabina Anzuategui

Jornalista apresenta painel alarmista sobre efeitos da pornografia nos EUA

‘Se há uma questão importante sobre a presença da pornografia em nossa vida hoje em dia, ela provavelmente continua sem resposta, mesmo depois da leitura do livro ‘Pornificados’, da jornalista americana Pamela Paul, lançado agora no Brasil pela editora Cultrix.

Baseado em pesquisas de opinião e entrevistas com homens e mulheres americanos, o livro apresenta um painel tão alarmista das relações íntimas nesse país que chega a ser assustador.

É como se as mudanças culturais das últimas décadas não houvessem existido: no mundo apresentado por Pamela Paul, os homens estão cada vez mais isolados e impotentes em suas fantasias sexuais de dominação, e as mulheres, desejando criar saudavelmente suas famílias e filhos, são obrigadas a aceitar a humilhação ou viver solitárias.

Embora em alguns momentos o livro mencione questões interessantes, como a nova moda de pornografia na imprensa universitária, a presença de atores e atrizes pornôs como celebridades na mídia popular e a identificação dos jovens entre ser pornô e ser ousado, esses aspectos culturais da ‘pornificação’ não são longamente discutidos.

O livro se concentra na pornografia real e seus usuários: por que os homens gostam de pornografia, que efeitos tem seu uso diário e como as mulheres reagem a isso. Para Pamela Paul, a pornografia é um problema masculino -num mundo feminino, ela não existiria.

Acesso fácil

A partir dessa premissa, a autora fornece dados indicando que, a cada evolução tecnológica, a pornografia foi ficando mais presente e com acesso mais fácil à população.

Anteriormente restrita a revistas e cinemas, tal setor se expandiu com o vídeo, depois com a TV a cabo e, mais recentemente, com o advento da internet. Numa indústria bastante lucrativa e sem regulamentação, hoje ela está facilmente disponível às crianças, mesmo nos computadores das bibliotecas públicas.

Como a indústria do fumo, que buscava atrair um público cada vez mais jovem por meio da publicidade, a pornografia seduziria as crianças pequenas e moldaria daí em diante sua visão e seus hábitos sexuais.

A facilidade de acesso teria um efeito devastador entre os incautos: homens que a princípio não buscariam pornografia se tornam viciados simplesmente por ela estar acessível.

Tão nociva quanto o fumo

A comparação com a indústria do fumo é claramente mencionada na conclusão do livro: assim como a publicidade e o acesso ao cigarro foram delimitados por lei, a partir da mobilização da comunidade, o mesmo poderia acontecer com a indústria pornográfica.

O mal, apesar de inevitável, estaria controlado e restrito. Ao apresentar essa conclusão, a autora se define por uma postura que considera realista: tratar a pornografia como um fato em si, e não como um aspecto da complexa relação das pessoas com a sexualidade.

A educação sexual, outro caminho possível que ela apresenta, está cada vez mais distante das escolas e das famílias americanas.

SABINA ANZUATEGUI é roteirista e autora do romance ‘Calcinha no Varal’ (Companhia das Letras)

PORNIFICADOS

Autora: Pamela Paul

Tradução: Gilson César Cardoso de Sousa

Editora: Cultrix

Quanto: R$ 37,50 (272 págs.)’

TELEVISÃO
Daniel Castro

TV paga vai autoclassificar seus programas

‘Os canais pagos distribuídos no Brasil passarão a fazer classificação indicativa de seus programas, como já ocorre com a TV aberta. A novidade será anunciada na semana que vem em seminário promovido pelo Ministério da Justiça.

No evento, será oficializada uma mudança imediata nas regras para cinema e espetáculos. Uma nova portaria permitirá que crianças de dez anos, por exemplo, assistam a um filme impróprio para menores de 12, desde que acompanhado dos pais. Hoje, isso é impossível.

No caso dos canais pagos, eles mesmos farão a classificação dos programas que exibem, baseados em um manual a ser lançado no seminário e que norteará também a TV aberta.

Os canais pagos e abertos terão que informar durante a exibição do programa qual a classificação indicativa (livre, 10, 12, 14, 16 e 18 anos), com um símbolo que será comum e obrigatório a todos os veículos. As impropriedades (violência, sexo e drogas) do programa terão de ser informadas em texto na tela e em locução.

Na TV aberta, a classificação continuará atrelada a horários (programa impróprio para menores de 12 anos não pode passar antes das 20h etc.). Na TV paga, não _poderão ser veiculados em quaisquer horários.

A classificação para TV aberta deverá continuar sendo feita pelo Ministério da Justiça. As novas regras para TV só devem entrar em vigor em dezembro.

GLOBO SOB SUSPEITA 1 A rede britânica BBC enviou correspondência à TV Globo querendo saber detalhes do ‘Dança dos Famosos’, atual grande sucesso do ‘Domingão do Faustão’. O quadro tem muitas semelhanças com o ‘Dancing with the Stars’, cujo formato é da BBC e, no Brasil, foi comprado pelo SBT.

GLOBO SOB SUSPEITA 2 A Globo informa que está preparando uma resposta à BBC esclarecendo ‘as dúvidas’.

OBRIGADO, MINISTRO Diretor de rede do SBT, Guilherme Stoliar enviou carta a todas as afiliadas elogiando a atuação dos ministros Dilma Rousseff (Casa Civil) e Hélio Costa (Comunicações) nas negociações pela TV digital _cujo resultado final saiu exatamente como as TVs queriam.

ADEUS, OMBUDSMAN 1 O contrato do jornalista Osvaldo Martins com a TV Cultura venceu ontem e não foi renovado, por iniciativa da emissora. Ele foi o primeiro ombudsman da TV pública paulista. A Cultura diz que o jornalista será substituído por um novo ombudsman em agosto.

ADEUS, OMBUDSMAN 2 Martins, há pouco mais de dois meses, defendeu publicamente a extinção dos telejornais da TV Cultura.

TV FOFOCA O ‘Domingo Legal’ passará a exibir a partir deste domingo um quadro em que repórteres e cinegrafistas cobrem festas e ‘perseguem’ celebridades. Anteontem, uma equipe passou horas de campana tentando flagrar Dado Dolabella e Luana Piovani juntos.’



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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

O Globo – 1

O Globo – 2

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