Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Folha de S. Paulo

VENEZUELA
Carlos Heitor Cony

Chávez e a mídia

‘RIO DE JANEIRO – Como na maioria dos assuntos que preocupam a humanidade em geral e, em particular, a humanidade de hoje, não tenho opinião formada sobre o atual presidente da Venezuela. Vejo nele algumas coisas positivas, outras negativas. Trata-se, evidentemente, de um ditador em potencial, mas também não tenho opinião segura sobre os ditadores, desde que não sejam ladrões ou sanguinários. Alexandre, César e Napoleão foram ditadores, mas deixaram bom saldo para a história.

Não é o caso de Hugo Chávez, que, não faz muito, sofreu pesada derrota eleitoral em seu país e recebeu do rei da Espanha um ‘cala a boca!’ humilhante, mas merecido.

Com a libertação de duas reféns das Farc, operação bem-sucedida, que ele articulou e realizou, deu a volta por cima e se colocou no pódio do maior acontecimento internacional neste início de 2008.

Para minimizar a proeza feita por ele, os entendidos nesses assuntos classificam a operação do resgate como uma ação apenas midiática, ou seja, um fato produzido para gerar mídia, ocupando espaços na imprensa e na TV. Evidente que é.

Um corredor de Fórmula 1, que arrisca a vida para vencer uma prova, também produz um fato midiático, tem sua foto no pódio publicada em todo o mundo, mas nem a foto nem a repercussão da vitória diminuem o valor intrínseco de seu feito. Ele ganhou porque sua intenção apenas era vencer. O resto é conseqüência.

O maior fato midiático da humanidade foi num tempo em que nem havia mídia. Um dissidente do judaísmo foi crucificado num morro ao lado de dois ladrões. Nos 2.000 anos seguintes, esse fato, que poderia ter passado despercebido, dividiu a história em antes e depois, fez toneladas de textos e imagens invadirem o mundo e gerou detratores e mártires.’

 

TELECOMUNICAÇÕES
Janio de Freitas

Meganegócio e outros megas

‘A VESTIMENTA técnica do caso, que afasta as atenções da opinião pública, está protegendo-o do destino merecido: um escândalo com proporções e efeitos políticos incalculáveis, por afetar a própria Presidência da República, entre as partes de um negócio de R$ 4,8 bilhões.

Dito da maneira mais simples, trata-se da anulação de um dispositivo de lei para permitir a compra, até agora proibida, de uma empresa telefônica por outra -como foi noticiado nos últimos dias, a partir de informação divulgada pelo jornalista Lauro Jardim. Mas, se mesmo aí já existe o bastante para questionar a motivação e as conseqüências, nesse caso, do poder de legislar, os ingredientes que acasalam o meganegócio e o governo são inconciliáveis com a probidade.

Para começar, a transação foi negociada, para a compra da Brasil Telecom pela Oi (ex-Telemar), sob o regime legal que proíbe tal negócio, nos termos do Plano Geral de Outorgas, decretado em 1998. Para que possa efetivar a compra, sem estabelecer uma situação monopolista, conforme a lei em vigor a Oi/Telemar precisaria abrir mão da sua concessão. Ou seja, da área de telefonia fixa que inclui Minas e Rio, daí segue para todos os Estados do leste e do Nordeste, e vira para o Norte todo até a divisa do Amazonas com o Acre.

Em troca dessa vastidão, a Oi/Telemar ficaria, por compra, com a área da Brasil Telecom que abrange os três Estados do Sul e o Centro-Oeste. Uma permuta esquisita.

Como não pretende abrir mão de sua área, ao estabelecer negociações com a Brasil Telecom, a Oi/Telemar, obviamente, agiu em função de já esperado decreto presidencial que a beneficie com a anulação do impedimento de acumular novas áreas.

As conseqüências de tal decreto não se limitam, porém, a produzir a anulação indispensável à Oi/ Telemar. Se somadas as concessões dessa empresa e as da Brasil Telecom, estabelece-se o domínio da Oi/Telemar sobre a telefonia fixa em todo o país, com exclusão de uma só área -São Paulo, da Telefônica, excetuada uma pequena região do Estado.

A contribuição questionável do governo vai em frente. Também com o amparo financeiro para a pretendida compra. Do valor de R$ 4,8 bilhões em que as duas empresas concordaram, os dois acionistas que seriam majoritários na supertelefônica aplicam R$ 2 bilhões, meio a meio. Por determinação da Presidência da República, o BNDES entrará como financiador dos dois controladores da compra.

O BNDES que agora mesmo pediu ao governo um crédito de R$ 30 bilhões para os projetos, sobretudo industriais e de infra-estrutura, que buscam o seu financiamento. O BNDES que é sócio da Oi/ Telemar, na proporção de 25% do capital da empresa, mas que não está chamado à operação para usar seus recursos na melhoria ou, no mínimo, na defesa de sua participação proporcional. Seus recursos serão para benefício alheio. Como acionistas das duas empresas, fundos de estatais, por sua vez, receberam orientação da Presidência da República para desprezar quaisquer restrições e apoiar o negócio.

O governo foi surpreendido pela notícia da transação que patrocina. Interessados no negócio, não citados nominalmente, teriam dado, em seguida, a curiosa explicação de que o propósito do governo ‘seria [também no condicional] criar uma grande empresa nacional para competir com gigantes do setor’. Competir onde e fazê-lo para quê? O Brasil não tem nenhuma necessidade social, econômica ou política de entrar nesse tipo de competição. E, se entrar, nada promete que o simples tamanho monopolista da Oi/Telemar lhe dê condições reais de competição mundial.

Embora desnecessária, diante das peculiaridades impróprias do negócio, uma razão adicional desaprova o patrocínio que lhe é dado pela Presidência da República. A Oi/Telemar foi a empresa que pôs R$ 5 milhões no capital de uma firma para viabilizá-la: a Gamecorp de que Fábio Luiz Lula da Silva é sócio. Nem importa o grau de pureza que haja ou falte no modo como se deu a formação financeira da Gamecorp. Em qualquer caso, a probidade estará negada na mudança da lei para possibilitar um meganegócio à empresa que fez sociedade, reprovável ou não, com um filho do presidente da República. Ainda que não seja na telefônica, nem por isso a Oi/Telemar é menos sócia de Fábio Luiz Lula da Silva.

Ao entrar com quase todo o capital que viabilizou a Gamecorp, a bilionária Telemar, hoje Oi, deu à estranheza geral a resposta de que viu um ‘negócio promissor’. Será muito mais do que imprudência, se o presidente da República fizer o que possa ser visto como confirmação daquela resposta.’

 

Leonardo Souza e Fábio Zanini

Acionista controlador da Oi foi o maior financiador do PT em 2006

‘Um dos principais acionistas privados da Oi e maior interessado na compra da Brasil Telecom, o grupo Andrade Gutierrez foi também o maior financiador do PT em 2006, ano com o último dado disponível.

A construtora mineira doou R$ 6,4 milhões para o partido -dinheiro usado sobretudo para financiar a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de outras campanhas petistas. Em um distante segundo lugar, de acordo com a prestação de contas feita ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), veio o Santander, com contribuição de R$ 3,23 milhões.

Além da doação ao partido, a Andrade Gutierrez doou R$ 1,52 milhão diretamente para a campanha de Lula em 2006.

Para que a Oi possa comprar a BrT, é preciso um decreto presidencial mudando a legislação. O governo apóia a venda da BrT. Na semana passada, os controladores da Oi acertaram o preço de compra da outra tele por R$ 4,8 bilhões. Os grandes mentores do projeto e principais negociadores foram os empresários Sérgio Andrade, da Andrade Gutierrez, e Carlos Jereissati, do grupo La Fonte.

Andrade teve como avalistas da operação o próprio presidente Lula e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Andrade é um empresário bem próximo de Lula. Os dois se conhecem desde a época em que Lula perdeu a eleição para Fernando Collor de Mello (1989), quando Andrade lhe deu apoio.

Procurada na noite de sexta, a assessoria de imprensa da Andrade Gutierrez afirmou que a empresa não iria se pronunciar.

O tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, disse não haver nada de anormal no grande volume de doações da Andrade Gutierrez. ‘Na eleição de 2006, houve, por parte de várias empresas, uma política de centralizar as doações para o PT. Houve um contato com a empresa e as doações foram feitas.’

Na campanha de 2006, a maior doação da Andrade Gutierrez foi para o PT. O PSDB recebeu R$ 3,1 milhões, menos da metade da contribuição dada aos petistas. A construtora, contudo, doou R$ 1,5 milhão para o candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin, praticamente a mesma quantia destinada a Lula.

Em anos eleitorais, várias empresas preferem usar uma brecha jurídica conhecida como doação oculta. Em vez de darem dinheiro para as campanhas eleitorais, elas doam recursos para o caixa dos partidos, que então repassam o montante a seus candidatos.

São duas as vantagens para a empresa. A primeira e mais óbvia é evitar que a doação fique carimbada para determinada campanha, o que pode se tornar um problema futuro.

A segunda e mais sutil é burlar o limite legal de doações eleitorais de 2% do faturamento bruto da empresa doadora no ano anterior ao pleito. Por isso é impossível determinar quanto cada campanha eleitoral petista recebeu da doação feita via partido.

Na soma do que foi dado ao PT e a Lula, a Andrade Gutierrez contribuiu com R$ 7,92 milhões. A vice-líder, a Vale, doou, por meio de suas subsidiárias, R$ 6,65 milhões. Em terceiro lugar, ficou a construtora Camargo Corrêa, com R$ 5,5 milhões. O PT diz que as doações são corretas e registradas na Justiça Eleitoral. E admite que a maior parte das contribuições recebidas em 2006 foi empregada na campanha de reeleição de Lula.

Nos bastidores, o argumento apresentado pelo Planalto para aceitar mudar o decreto seria criar uma grande empresa nacional para competir com gigantes mundiais do setor, como a mexicana Telmex -que no Brasil controla a Claro- e a espanhola Telefónica. Lula teria recebido estudos mostrando que os preços praticados pelas multinacionais, principalmente a Telmex, estão muito acima das tarifas do Brasil.

Maior adversário do governo no setor de telefonia e ex-controlador da BrT, o banqueiro Daniel Dantas (Opportunity) tem uma versão diferente. Num processo nos EUA, movido pelo Citibank, advogados do Opportunity acusaram a Oi de ter corrompido integrantes do PT no governo para que a lei fosse alterada para permitir a compra da BrT.

Por isso, a Oi teria investido (mais de R$ 10 milhões) na Gamecorp, do filho do presidente Lula Fábio Luiz Lula da Silva, o Lulinha -segundo os advogados do Opportunity.’

 

Elvira Lobato

Autor de lei das teles ataca operação Oi/BrT

‘Para o principal autor da Lei Geral de Telecomunicações, Carlos Ari Sundfeld, a conotação nacionalista dada à compra da BrT (Brasil Telecom) pela Oi (ex-Telemar) é um retrocesso no modelo de privatização do Sistema Telebrás.

‘Se análises econômicas bem fundamentadas concluírem que o Plano Geral de Outorgas está inadequado e que fundir as regiões da Brasil Telecom e da Telemar resulta em uma competição mais equilibrada entre as operadoras, não haverá retrocesso. É uma justificativa diferente do argumento nacionalista’, disse à Folha.

O advogado, porém, afirma que a mudança para permitir a junção da duas teles pode se justificar se o governo provar que há uma assimetria entre o poder econômico das duas empresas em questão e o dos outros grandes grupos que atuam no setor: Telefônica e Telmex. Sundfeld é professor de direito administrativo da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, e de direito público econômico do doutorado e mestrado da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. A seguir, trechos da entrevista:

FOLHA – Há amparo legal para a Oi comprar a Brasil Telecom?

CARLOS ARI SUNDFELD – Não há amparo legal para um contrato de execução imediata, mas as empresas podem assinar algum tipo de contrato para ser executado quando e se mudarem as normas. É um contrato de compra e venda sob condição. Hoje, o negócio não é permitido.

FOLHA – Como as duas são companhias abertas, com milhares de acionistas nas Bolsas no Brasil e no exterior, se aparecer um candidato com oferta maior de preço, poderá atropelar a negociação?

SUNDFELD – A venda tem de ser feita pelo melhor negócio, porque os controladores têm compromissos internos. Os fundos de pensão não podem dilapidar os seus patrimônios. Mas a melhor proposta não é, necessariamente, a de maior valor, porque há outras questões, como o risco, a serem avaliadas. Enquanto o contrato não for assinado, se aparecerem outras propostas, terão de ser levadas em conta.

FOLHA – Como o senhor vê o envolvimento do Palácio do Planalto na discussão da compra da BrT pela Oi?

SUNDFELD – Não vejo problema. Como são empresas reguladas e a concretização da venda depende da mudança na legislação, a negociação não pode ser feita sem saber se há disposição para mudança das regras.

FOLHA – O senhor considera um retrocesso a possibilidade de fusão da Telemar com a BrT?

SUNDFELD – Critico a idéia de criar uma supertele nacional para enfrentar o poder das estrangeiras. Acho o argumento muito frágil e um retrocesso. Mas, se análises econômicas bem fundamentadas concluírem que o Plano Geral de Outorgas está inadequado e que fundir as regiões da Brasil Telecom e da Telemar resulta em uma competição mais equilibrada entre as operadoras, não haverá retrocesso. É uma justificativa diferente do argumento nacionalista. Mas é preciso uma análise econômica capaz de demonstrar que as vantagens de ter um concorrente mais forte superam as desvantagens de eliminar um competidor.

FOLHA – Há informação de que o Palácio do Planalto já estaria preparando o decreto para permitir a compra de uma concessionária de telefonia fixa por outra. Qual é o ritual previsto na lei?

SUNDFELD – A mudança tem de partir da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), após fazer uma discussão pública do tema, e o Conselho Consultivo dela tem de opinar. A proposta da agência tem de ser suportada por um estudo sobre as vantagens do novo arranjo das áreas de concessão. O presidente Lula acolhe ou não o pedido de mudança.

FOLHA – Pode se arrastar, então, por um bom tempo?

SUNDFELD – A lei fala em dez dias para a audiência, mas, em um caso como esse, deve demandar mais tempo, talvez um mês. Se o governo editar um decreto sem seguir esse ritual, terá validade discutível.

FOLHA – A Lei Geral de Telecomunicações, da qual o senhor é um dos autores, proibiu a venda de concessionárias de telefonia fixa por cinco anos, contados a partir da privatização das teles, em julho de 1998. Qual o sentido daquela proibição?

SUNDFELD – A grande preocupação era que aventureiros comprassem as empresas na desestatização para, logo adiante, vendê-las com ágio, atuando como meros corretores.

FOLHA – A julgar pelas manifestações do governo, essa preocupação ainda existe. O presidente Lula quer condicionar a mudança na legislação para permitir a compra da Brasil Telecom pela Oi à garantia de que a nova empresa, ampliada, não seja revendida em seguida. O governo tem como impedir isso?

SUNDFELD – Se o BNDES permanecer como acionista da nova empresa, o governo poderá exercer o direito de veto que o acordo de acionistas der ao banco. Mas isso não tem nada a ver com a regulação. É um puro arranjo entre sócios.

FOLHA – O modelo de privatização previa que, após cumprirem as metas de universalização da telefonia fixa, as teles passariam a disputar clientes nas áreas uma das outras. Por que esse objetivo não foi atingido? Elas continuam com mais de 90% do mercado de telefonia fixa local, por exemplo.

SUNDFELD – Não há competição entre as empresas de telefonia fixa local, mas o celular compete com o telefone fixo. A competição precisa ser analisada de forma mais abrangente. As empresas passaram a oferecer pacotes de serviços e a questão é se há competição entre os pacotes. A experiência internacional não é muito animadora em relação à competição na telefonia fixa local.

FOLHA – O problema é que as teles se tornam dominantes onde elas entram, como demonstram as aquisições no mercado de TV por assinatura e no acesso à internet. Esse cenário foi previsto quando o senhor ajudou a redigir a Lei Geral de Telecomunicações, há dez anos?

SUNDFELD – A formação de grandes grupos multisserviços era prevista com muita clareza. O critério de divisão do território em áreas de concessão foi criar o embrião de grandes empresas de telecomunicações, e não só de telefonia local.

FOLHA – O que precisa ser mudado na lei?

SUNDFELD – Preocupa-me a convergência das telecomunicações com a radiodifusão. É necessário aprovar uma lei de comunicação eletrônica de massa para permitir a convergência tecnológica e, ao mesmo tempo, proteger o conteúdo produzido no Brasil. Senão, vai tudo de roldão.’

 

PAQUISTÃO
Folha de S. Paulo

Jornalista é expulso depois de reportagem

‘Um repórter da ‘New York Times Magazine’ que entrevistou líderes do Taliban foi deportado do Paquistão na sexta-feira. Scott Malcomson, editor da revista, disse que não foi dada nenhuma explicação para a deportação, mas crê que ela esteja ligada à publicação da reportagem ‘e não a qualquer outra coisa que ele estivesse fazendo’. Um funcionário do Ministério da Informação disse que Schmidle não tinha visto para atuar como jornalista.’

 

EUA 2008
Claudia Antunes

Desconstruindo Hillary

‘Polarizadora, desagregadora, fria, calculista. Todo leitor ou espectador mais ou menos atento dos jornais e das TVs dos Estados Unidos já topou muitas vezes com essa descrição de Hillary Clinton. Que a candidata seja de fato tudo isso é praticamente um consenso, à direita e à esquerda, reforçado por pesquisas que atestam as altas taxas de rejeição da ex-primeira-dama (cerca de 40% dos americanos dizem que não votariam nela de jeito nenhum).

Esse consenso foi construído ao longo dos últimos 20 anos, desde que o casal Clinton fez do Arkansas uma plataforma para chegar a Washington. Ele partiu menos de evidências concretas do que de uma hábil campanha negativa contra Hillary. Com o tempo, porém, passou a ser impossível distinguir o que nela é couraça contra os ataques dos adversários do que é personalidade, o que é adequação ao humor do eleitorado do que são convicções.

Para os ideólogos e estrategistas conservadores que desde o início dos anos 70 vinham definindo uma nova agenda pública para os Estados Unidos, Hillary e Bill Clinton sempre foram anátemas.

Em primeiríssimo lugar, por terem tido sua iniciação política nos anos 60, uma era que a direita pretendia enterrar junto com seus traços de desafio à autoridade, ampliação dos direitos civis, liberação sexual e, não menos importante, humilhação militar.

É impressionante como aquela década ainda impregna o debate político nos Estados Unidos. Quando o juiz Samuel Alito foi apontado por George W. Bush para a Suprema Corte, no início de 2006, sua frase que mais repercutiu durante as audiências no Senado foi uma em que ele criticava seus colegas de faculdade em Princeton em 1969, ‘pessoas muito privilegiadas se comportando irresponsavelmente’.

Alvo fácil

Essa irresponsabilidade, a depravação, o braço excessivamente protetor do Estado sobre alguns setores da sociedade, tudo isso era para ser derrubado a golpes de ‘valores morais’ e desregulamentação.

Os Clinton foram apanhados nessa onda e, embora ele tenha sido réu em processo por perjúrio que quase o levou ao impeachment, ela acabou sendo o alvo mais fácil.

Bill, o que fumou maconha sem tragar, era, além de homem, carismático demais e malandro demais. Paradoxalmente ou nem tanto -uma vez que o que estava em questão era uma mulher da geração do feminismo-, foi a estudante prodígio e advogada bem-sucedida que virou a encarnação maior do mal.

Pelo menos era assim que ela era retratada pelos radialistas histéricos que ajudaram o Partido Republicano de Newt Gingrich a conquistar a maioria na Câmara dos Deputados em 1994, segundo ano do primeiro mandato de Bill Clinton na Casa Branca.

Já afastados de sua matriz conservadora tradicional e sob a hegemonia da direita religiosa, de falcões militaristas e dos chamados conservadores libertários, avessos a impostos e a qualquer versão do Estado de bem-estar, os republicanos fizeram de Hillary personagem de sua campanha de reconquista do poder.

Rasputin de saias

O papel da então primeira-dama na defesa da fracassada proposta de universalização do sistema público de saúde foi exaustivamente explorado. Ela era o Leviatã. Depois, era o Rasputin de saias nos escândalos Whitewater (envolvendo um empréstimo suspeito a uma sócia do casal em empreendimento imobiliário no Arkansas) e Arquivogate, em que foi acusada de ter tido acesso ilegalmente a fichas do FBI sobre ex-funcionários republicanos da Casa Branca.

No caso Whitewater, foi acusada ainda de ter mandado retirar documentos comprometedores do escritório do assessor da Presidência Vincent Foster na noite em que este se suicidou, em 1993. Hillary foi convocada a depor diante de um júri, que nos Estados Unidos decide se acusações feitas pela Promotoria levarão à abertura de processos criminais.

A primeira-dama nunca chegou a ser ré. Mas as investigações contra ela acompanharam os dois mandatos de Clinton e só foram arquivadas em 2000, ano da eleição de George W. Bush. Nesse meio tempo, começou a fazer sucesso no país uma série de panfletos nos quais ela foi comparada até a Madame Mao, a mulher do líder comunista chinês que, após a morte dele, foi convenientemente responsabilizada pelos crimes da Revolução Cultural.

Adaptação

Hillary, como o próprio Bill, acabou convencida de que deveria se adaptar à nova temperatura ideológica americana. Assessorada por magos das pesquisas de opinião, aproximou sua retórica do conservadorismo, mostrando que poderia ser tão dura quanto os republicanos com os inimigos externos e quase se desculpando por ainda apoiar o direito ao aborto. Votou a favor da invasão do Iraque e há pouco tempo deixou claro que poderia apoiar um ataque ao Irã.

É compreensível, como mostraram as votações em Iowa e New Hampshire, que as eleitoras mais velhas do Partido Democrata sejam fiéis a Hillary. Elas também começaram a vida profissional e fizeram suas primeiras opções políticas há cerca de 40 anos.

Mas, numa disputa em que a palavra-chave parece ser ‘mudança’ (embora não se saiba bem para onde, ou se mais de estilo do que de substância), tanto as controvérsias do passado quanto a acomodação política recente da candidata são um fardo.

Além disso, não deixa de ser um indicador da resistência que ainda há a uma mulher na Presidência dos Estados Unidos o fato de os olhos marejados de Hillary, há poucos dias, terem desencadeado uma onda de simpatia, do mesmo modo que ela nunca foi tão popular como primeira-dama quanto no momento em que veio a público a traição do marido.’

 

CINEMA & VIOLÊNCIA
Peter S. Goodman

Sangue com pipoca

‘DO ‘NEW YORK TIMES’ – Será possível que filmes como ‘Hannibal’ e o remake de ‘Halloween’, cujo cardápio é recheado de mortes e mutilações, podem na realidade estar fazendo com que o país seja um lugar mais seguro?

Um artigo apresentado na semana passada por dois pesquisadores na reunião anual da Associação Econômica Americana, em Nova Orleãs, contesta a idéia generalizada a esse respeito, concluindo que filmes violentos previnem crimes violentos pelo fato de atrair potenciais agressores e mantê-los encerrados em ambientes escuros e livres de álcool.

Em lugar de embriagar-se em bares e depois andar pelas ruas à procura de encrenca, os potenciais criminosos passam o ‘horário nobre’ para cometer crimes comendo pipoca e assistindo a pessoas na tela serem mortas por vilões de celulóide.

‘O que se está fazendo é tirar muitas pessoas violentas das ruas e, em lugar disso, colocá-las dentro de cinemas’, disse o autor principal do estudo, o economista Gordon Dahl, da Universidade da Califórnia em San Diego. ‘No curto prazo, se eliminarmos os filmes violentos, faremos a criminalidade violenta aumentar.’

Dahl e o co-autor do estudo, Stefano DellaVigna, da Universidade da Califórnia em Berkeley, reforçam seu argumento com estatística precisas. Nos últimos dez anos, afirmam, a exibição de filmes violentos nos EUA levou as agressões a diminuírem em aproximadamente 52 mil por ano.

Freakonomics

De acordo com eles, os crimes não são apenas adiados. Na segunda-feira e terça-feira seguintes a finais de semana recheados de filmes violentos exibidos em salas lotadas, não se verifica nenhum aumento na criminalidade violenta para compensar as horas de paz passadas nos cinemas. Mesmo algumas semanas mais tarde, afirmam, não há evidências de aumento da criminalidade.

As descobertas fazem parte de uma onda recente de pesquisas econômicas sobre o que se poderia chamar de ‘a era da freakonomics’. Os praticantes da triste ciência (a economia) andam transcendendo os tópicos tradicionais, como mão-de-obra e mercados, e passando a fazer cálculos numéricos para avaliar coisas como as trapaças entre lutadores de sumô.

No caso em pauta, os autores entraram de cheio numa discussão sobre a violência na mídia que vem sendo travada há anos, e é muito provável que suas constatações causem polêmica. A conclusão deles parece entrar em choque com as pesquisas de psicólogos, que alimentam os receios de pais e políticos de que as imagens brutais mostradas em filmes, videogames e outras mídias alimentem a agressão.

‘Existem centenas de estudos conduzidos por numerosos grupos de pesquisa pelo mundo afora que mostram que a exposição à violência nos meios de comunicação aumenta o comportamento agressivo’, disse o psicólogo Craig A. Anderson, diretor do Centro de Estudos da Violência da Universidade do Estado de Iowa.

Os autores do estudo reconhecem que sua pesquisa não refuta as descobertas dos estudos feitos em laboratório. Tampouco trata dos efeitos de longo prazo da exposição à violência na mídia, influência que consideram nociva.

Em vez disso, a pesquisa usa uma década de relatórios nacionais sobre criminalidade, classificações de filmes e dados sobre o público para examinar o que aconteceu com os índices de criminalidade violenta durante e imediatamente após a exibição de filmes violentos.

Imobilização

Embora tais filmes possam de fato estimular uma tendência maior à agressividade em seu público, Dahl responde com uma pergunta dileta dos economistas: ‘Em comparação com o quê?’

As pessoas que têm a maior probabilidade de cometer crimes violentos são homens jovens. Ao optar por assistir a um filme -mesmo um filme que mostre, por exemplo, uma mulher sendo currada ou uma amputação feita com serra elétrica-, esses jovens deixam de realizar atividades que têm chance maior de conduzir à violência, como o consumo de álcool ou drogas.

‘O que essas pessoas teriam feito se não tivessem optado por ir ao cinema? Qualquer coisa que fizessem teria maior tendência a envolver o consumo de álcool. Se você pode imobilizar um grupo grande de pessoas potencialmente violentas, isso é uma coisa boa.’

DellaVigna acrescentou: ‘Se não estivessem no cinema, as pessoas que assistem a filmes violentos tampouco estariam em casa lendo um livro’.

Tradução de Clara Allain’

 

CÂMERAS
Cláudia Collucci

Geração ‘Big Brother’ é vigiada do ultra-som ao GPS

‘A tecnologia tem permitido que filhos vivam sob permanente monitoramento dos pais. Do ultra-som 3D do bebê no útero às câmeras on-line nas maternidades e escolas infantis até a instalação de GPS no celular e no carro de adolescentes, a vigilância pode ser constante.

Em São Paulo, pais de crianças pequenas integraram mais um item à cadeia de monitoramento eletrônico: estão instalando câmeras em casa para vigiar seus filhos enquanto trabalham fora. São verdadeiros ‘big brothers’ domésticos.

O monitoramento é condenado por psicólogos e pedagogos, que vêem prejuízo na relação de pais e filhos. ‘É uma loucura’, define a psicóloga Ana Bahia Bock, professora da PUC.

Já as empresas de segurança eletrônica comemoram. Algumas registram aumento de 250% de instalações de câmeras no interior de casas. Uma delas instalou 500 aparelhos em 2007, 300 a mais do que em 2006. ‘Na maioria dos casos, os pais têm crianças pequenas, instalam câmeras nos ambientes e avisam a babá sobre o monitoramento’, diz Thiago Títero, dono da empresa. O custo médio para instalar quatro câmeras varia de R$ 160 (locação mensal) a R$ 2.200 (compra).

Alguns pais dizem que usam as câmeras para se sentir ‘mais perto’ dos filhos, ainda que virtualmente. ‘Trabalho 12 horas por dia e viajo muito. Adoro acompanhar a hora do banho do Dudu. É uma festa!’, diz André Serpa, 29, pai de Eduardo, 1.

Funcionário da Microsoft, Serpa pôs quatro câmeras em casa. Assim, vigia as estripulias do filho e as distrações da babá. Um dia, chamou a atenção dela porque o filho foi à cozinha, o que ele acha perigoso.

A analista de sistemas Gislaine Ferreira Lima Verri, 31, diz que, com as câmeras, evitou situações perigosas envolvendo a filha Amanda, 1. ‘Ela quase derrubou o videocassete na sala enquanto a babá estava lavando roupa na área de serviço.’

Educadores e psicólogos avaliam que o monitoramento eletrônico dos filhos reflete uma falta de confiança no outro e pode comprometer a educação dos filhos na busca de autonomia. ‘Há aquela idéia de que o outro é sempre uma ameaça’, diz a psicóloga Rosely Sayão, colunista da Folha.

Segundo ela, vigiar o filho com câmeras pode levar o indivíduo a se relacionar apenas com o olho mágico e não estabelecer relação pessoal. ‘Isso compromete a imagem de pai e de mãe que a criança tem.’

Ela também discorda das câmeras nas escolas. ‘É ainda pior. Significa que os pais não delegam a educação para a escola, não deixam os filhos se tornarem alunos.’

A psicóloga Ana Bahia Bock, professora da PUC-SP, avalia que a sociedade atual procura se adaptar ao isolamento e à falta de apoio social. ‘Por outro lado, a tecnologia avança na possibilidade de monitoramento, de invasão da vida do outro. Isso é muito ruim, uma loucura.’

Segundo Bock, a tecnologia poderá prejudicar a relação entre pais e filhos. ‘Há uma invasão na vida do filho. Tudo o que é meu terá de ser escondido porque senão meus pais me vêem pela câmera ou saberão onde estou pelo GPS.’’

 

SÃO PAULO ANTIGA
Folha de S. Paulo

Folha vai distribuir imagens antigas de SP

‘A Folha começa no próximo domingo, dia 20, a coleção ‘Folha São Paulo Antiga’, que distribuirá gratuitamente dez imagens da cidade feitas entre 1902 e 1920. As fotos, em preto-e-branco, acompanham a transformação da capital no início do século passado.

Será uma fotografia por semana, até 23 de março. Quem comprar o jornal na banca ganhará o postal. Já os assinantes receberão as imagens em casa, com o exemplar da Folha. A promoção é válida para a Grande São Paulo.

Os postais medem 22 cm por 19 cm e são impressos em papel couchê fosco 230, de alta qualidade. No verso, um texto descreve o cenário retratado.

As reproduções são uma homenagem ao aniversário de São Paulo. No próximo dia 25, a cidade faz 454 anos.

A primeira imagem da série, de 1920, retrata o largo e a rua de São Bento. No dia 27, é a vez da avenida Paulista em 1902, vista a partir da rua da Consolação. A estação da Luz em 1902, a praça da República em 1915 e o Teatro Municipal em 1920 estão entre os outros postais distribuídos na promoção.

Crescimento

As fotografias revelam o crescimento vertiginoso da cidade sob o olhar de Guilherme Gaensly (1843-1928). Suíço que veio ainda criança para o Brasil, ele chegou a São Paulo no final do século 19 e foi trabalhar para a Light, quando a concessionária de energia ainda iniciava suas atividades no país.

A promoção ‘Folha São Paulo Antiga’ é uma parceria entre o jornal e o IMS (Instituto Moreira Salles), detentor das imagens. A iniciativa recebeu o patrocínio da Oi.

Mais informações sobre a promoção podem ser obtidas pelo site www.folha.com.br/spantiga ou pelo telefone 0800-7758080.’

 

ROTEIRISTAS EM GREVE
Lucas Neves

Brasileiros criam tramas para séries

‘‘Na peça ‘Seis Personagens à Procura de um Autor’ (1921), o dramaturgo italiano Luigi Pirandello tece uma fantasia metalingüística a partir de um sexteto que, abandonado a meio caminho por seu criador, pede a uma trupe de atores que interprete suas histórias.

Pois bem poderiam ser Jack Bauer, Gregory House, Kate Austen, Jack Shepard, Meredith Grey e Derek Shepherd os personagens a vaguear em busca de alguém que lhes invente o que fazer: por conta da greve dos roteiristas de Hollywood, eles já amargam 70 dias de ócio nos sets de ‘24 Horas’, ‘House’, ‘Lost’ e ‘Grey’s Anatomy’.

Para sacudir o tédio da turma e especular sobre o que pode ter acontecido com os personagens nesse longo inverno de scripts, a Ilustrada convidou quatro roteiristas brasileiros: Fernando Bonassi, Rodrigo Castilho, Mauro Wilson e Margareth Boury. O resultado está nos textos a seguir.

Da pena de Bonassi, saiu um Jack Bauer que, sem falas inéditas e afogado num porre perpétuo, balbucia velhos galanteios a garçonetes. Como tampouco há bombas a desarmar, vírus letais a deter ou supostos terroristas a ‘interrogar’ em exíguas 24 horas, sobra tempo para bater a culpa protestante. E Bauer bebe mais e mais…

Menos tenebrosa é a sinopse imaginada por Rodrigo Castilho para ‘House’. O médico cuja simpatia é inversamente proporcional à capacidade de diagnóstico primeiro fica sabendo que vai ser pai. Mais tarde, as complicações do parto deixam seqüelas na criança.

Já Mauro Wilson radicalizou: pintou um cenário em que os ilhéus de ‘Lost’, enfastiados pelo sumiço dos roteiristas (e, por conseguinte, da fumaça negra, d’Os Outros etc.), armam um reality show. Saliente, a brincadeira envolverá Kate e a ala masculina.

Por fim, Margareth Boury tramou reviravoltas sentimentais em ‘Grey’s Anatomy’ a partir de um temporal que deixa médicos e residentes isolados no hospital Seattle Grace.’’

 

***

Prejuízo com a greve é de US$ 1,4 bilhão

‘‘Iniciada em 5/11, a greve dos roteiristas de TV e cinema dos EUA já gerou um prejuízo de US$ 1,4 bilhão (cerca de R$ 2,4 bilhões), estima a corporação de desenvolvimento econômico do condado de Los Angeles. A classe reivindica fatia maior dos lucros com downloads, streamings e vendas de DVDs.

A maior demonstração de força da categoria até agora foi o cancelamento da cerimônia de entrega do Globo de Ouro (prêmio da associação de imprensa estrangeira de Hollywood), prevista para esta noite. No lugar da solenidade, haverá uma coletiva de imprensa em que será lida a relação de vencedores.

O sindicato dos roteiristas promete fazer piquete na porta do hotel Beverly Hilton (local da coletiva), em Los Angeles, para evitar que o canal NBC (detentor dos direitos de transmissão da premiação para os EUA) ‘infiltre’ estrelas para turbinar a audiência do programa.

No Brasil, a cerimônia seria exibida ao vivo pelo canal pago TNT, que alterou os planos com o esvaziamento da festa e não mostrará a coletiva. Para os curiosos, o jeito será acompanhar as atualizações no site da associação de imprensa estrangeira (www.goldenglobes.org).

Quando a paralisação foi anunciada, há dois meses, os primeiros atingidos foram os talk-shows noturnos -que não têm reserva de episódios- e as sitcoms, cujos capítulos só são gravados depois de vários polimentos de roteiro (feitos a partir do resultado dos ensaios). Sem escribas para afiar suas piadas, comédias como ‘Two and a Half Men’ e ‘The Big Bang Theory’ (exibidas por aqui pela Warner) logo interromperam os trabalhos.

No início de janeiro, os programas de entrevista voltaram ao ar, mas só dois apresentadores, David Letterman e Craig Kilborn, chegaram a acordos com suas equipes de criação. No mesmo período, o sindicato dos roteiristas acertou os ponteiros com o estúdio United Artists, que tem Tom Cruise entre seus sócios.’’

 

Fernando Bonassi

24 horas de porre

‘‘Amanheceu outro dia de semana e lá está ele debruçado sobre o copo de Bourbon ressecado; um cinzeiro inteiro de cigarros sugados em desespero, apoiado no balcão em desalinho. É um boteco em Sunset Boulevard que já deu o que falar, mas começou a abrigar esses tipos de filmes antigos ou simples mendigos que pararam para se encharcar.

Jack tenta balbuciar algo nesta terra que prefere se fechar em casa vendo TV para a prosperidade dos autores de ficção, ou ir matar longe dela, para o deleite da edição dos jornalistas de documentários…

Seu texto é deficitário, mal urdido, e não foi renovado por causa do salário pago aos que lhe escrevem o que é preciso dizer. Está barbado, suado, as roupas reviradas em campos de batalha, emboscadas furadas e salas de tortura, enquanto sua diretora de arte espera em casa, como o resto da equipe, pela solução do impasse sindical.

Acontece que o nosso herói está mal e olha para os lados procurando um coadjuvante, ou um figurante que seja… Jack quer conversar, explicar o que tem feito, mas é impossível… E imperdoável. Sua culpa protestante está latejando por todos os ciganos, palestinos e muçulmanos que interrogou com ‘métodos especiais’, pelos subalternos que humilhou em missões suicidas e pelos superiores que desrespeitou em decisões, com graves prejuízos à constituição de seu país.

Ele é republicano, mas se sente traído pelos políticos. O que os republicanos fizeram de si nos últimos 200 anos só piora sua ressaca. E Jack bebe. Pede uma dose dupla como quem quer se afogar duas vezes nas mágoas desvairadas de sua aposentadoria compulsória. Todos concordam que ele tem se excedido nessas folgas, e os patrocinadores estão preocupados com os processos e prejuízos causados pela forma como Jack dirige os carros emprestados.

Ele dá mais um gole. E continua mudo. Sem palavras aprovadas, bebe para esquecer que não se fazem mais atores como David Sutherland, presidentes como David Palmer ou primeiras-damas como Jackie Kennedy… Saca seu celular, tenta estabelecer alguns contatos, falar com certos agentes, mas até as garçonetes fogem de suas cantadas reprisadas e dos riscos que os seus vícios oferecem às americanas indefesas.

Aqueles que poderiam avisá-lo dos vexames por que passa estão na greve ou morreram naquela explosão que nosso amigo Jack, ali, não conseguiu evitar na última temporada.

Um artefato nuclear inimigo extinguiu uma porção de solo americano, e ele sobreviveu para contar a história. Deveria ter morrido para sua glória, como a inocência de sua pátria inviolável, mas seus escritores não lhe concederam essa honra…

Agora, assassino de parceiros, traído pelo próprio pai e abandonado por seus roteiristas, o que Jack Bauer pode pensar ou inventar para fazer?!

Nada. Então bebe mais, tentando acordar do pesadelo cotidiano do resto dos mortais…

FERNANDO BONASSI é escritor e roteirista

7º ANO DE ‘24 HORAS’ É ADIADO

Previsto para estrear na Fox dos EUA neste mês, o novo dia de Jack Bauer foi adiado, já que o número de episódios concluídos antes da greve era pequeno; para piorar, Kiefer Sutherland teve que cumprir pena por dirigir embriagado’’

 

Rodrigo Castilho

O desafio de House

‘‘House recebe a notícia de que vai ser pai. E então o médico, cerebral e ‘verborrágico’, vive o maior e mais difícil desafio de sua vida: lidar com uma criatura de 48 cm que não fala e não entende nada que ele diz.

House passa todo o período de gravidez negando que esteja feliz. O bebê nasce e, depois de uma complicação no parto, a mãe (que pode ser a Cuddy ou mesmo a Cameron) entra em coma, e o médico é obrigado, por algum tempo, a cuidar sozinho da criança. Quando acorda, a mãe do bebê se surpreende com o forte laço que se estabeleceu entre House e seu filho.

E, conforme o tempo passa, as situações ficam cada vez mais interessantes. House sempre questiona as regras e desafia todas as convenções. Para exercer a paternidade e criar seu filho, ele se utiliza de meios e maneiras politicamente incorretos, porém, absolutamente genuínos.

Depois de um certo tempo, e no auge de seu entusiasmo, House começa a perceber que seu filho apresenta algum tipo de seqüela, em decorrência das complicações do parto. Ele reúne a equipe, e inicia-se um diagnóstico diferencial para tentar descobrir o que a criança tem.

Só que House não consegue fazer o diagnóstico. Ele está inseguro. Tem medo de errar, como erraram com o diagnóstico de sua perna. Ele pede que sua equipe conduza o caso sem ele. Mas todos recuam. Ninguém tem coragem de assumir essa responsabilidade.

House decide então visitar outros hospitais usando disfarces e um nome falso. E, um após o outro, os médicos chegam ao mesmo resultado inconclusivo.

Nenhum deles consegue encontrar o que há de errado com a criança. Todos sugerem que ele leve o filho ao hospital de Princeton-Plainsboro e procure um médico que trabalha lá e pode resolver o caso. O nome dele é dr. House.

RODRIGO CASTILHO é roteirista de ‘Mothern’

GREVE BRECA ANO 4 DE ‘HOUSE’

Nos EUA, a quarta temporada da série está no ar desde setembro; nove episódios já foram ao ar, e outros dois devem ser exibidos entre o fim deste mês e o início de fevereiro; no Brasil, o Universal Channel exibe o capítulo nove nesta quinta, às 23h; a partir do dia 24/1, a série entra em reprise’’

 

Mauro Wilson

Totalmente ‘Lost’

‘‘Todos os perdidos de ‘Lost’ estão sentados na praia olhando o mar, esperando por um barco, um avião, um texto, uma cena, uma fala, até mesmo uma rubrica (eles não sabem da greve dos roteiristas. Na verdade, eles não sabem de quase nada mesmo -nem nós). Os dias passam e nada acontece. Os sons estranhos sumiram, a fumaça negra desapareceu, não apareceram mais mortos, Os Outros não aprontaram mais nada. Até parece uma ilha deserta perdida no mar como outra qualquer.

É aí que Locke, o nosso homem das idéias, tem uma idéia: transformar o seriado em um reality show. É claro que Jack discorda, Sayid fica desconfiado e Jin não entende patavina. Mas Locke, usando a sua coleção de facas Ginsu, convence todo mundo.

O reality show de Locke é muito simples. Kate, a única gata do pedaço que sobrou depois que Shannon, uma versão com menos dinheiro da Paris Hilton, passou dessa para melhor, e Ana Lucia trocou de ilha e foi arrumar confusão no Havaí, vai escolher um deles para ter um filho. Se bem que ter um filho naquela ilha é tão perigoso como passar de madrugada na Linha Vermelha ou na Amarela, no Rio de Janeiro. Tudo bem que alguém pode levantar o dedo e dizer que Claire também é uma gata, mas é uma mala com a rodinha quebrada.

Como diz uma amiga minha também autora, naquela ilha tem homem pra qualquer gosto. Louro Belzebu (Sawyer), Carente de Colo (Charlie), Morenão Selvagem (Sayid), Tudo de Bom (Jack), Misterioso (Jin), Colosso (Mr. Eko), Experiente (Locke), Golpe do Baú (Hurley).

O reality show de Locke, por incrível que pareça, é bem simples: chama-se ‘Quem Vai Ficar com Kate?’. Cada um deles passa uma noite com Kate e, no final, ela escolhe o sortudo para ser pai do filho dela. Ninguém leva em conta que atualmente Kate tá fazendo um meio-de-campo com Jack e Sawyer. Jack chega a protestar, mas faz uma votação e perde feio. Sawyer vai reclamar e fazer cara de mau, mas leva um por fora de Hurley e fica na sua.

Um a um, todos vão passando pela tenda de Kate. As mulheres que sobraram, comandadas por Sun, resolvem fazer um piquete na frente da escotilha mais próxima.

Kate sai de sua barraca com a escolha final. Suspense, muito suspense. Ela vai falar. Mas esse é o gancho para a próxima temporada.

MAURO WILSON é autor do especial da TV Globo ‘Os Amadores’

‘LOST’ TEM 1/2 TEMPORADA PRONTA

Oito dos 16 episódios da quarta temporada foram finalizados antes da greve; nos EUA, a exibição da nova leva começa em 31/1; no Brasil, o AXN prevê mostrá-la a partir de março’’

 

Margareth Boury

Indecisões de Meredith

‘‘Derek Shepherd, cansado dos encontros ‘casuais’ (leia-se sexuais), dá um fim no relacionamento com Meredith. Ele deixa claro que ou ela cresce e assume uma relação madura, ou nada feito.

Exatamente no dia em que eles terminam, Richard Webber recebe uma ligação de Addison. Um caso grave na clínica onde ela trabalha exige a presença de Derek: uma criança sofreu um atentado e precisa urgentemente de uma cirurgia, e a ex de McDreamy só confia nele para realizá-la. Vai precisar também de um cirurgião cardíaco, pois a criança sofreu horrores nas mãos do homem que a seqüestrou. Cristina Yang se oferece para ir com Derek.

Meredith fica atordoada quando sabe que ele vai rever a ex. George O’Malley e Izzie não conseguem ficar sozinhos. Ou ela está muito cansada, ou ele tem que ir ao tribunal para resolver o divórcio com Callie.

Quando finalmente eles têm a segunda noite de amor, é um desastre. Muita expectativa acaba deixando O’Malley tenso, e a noite é tudo, menos o que eles esperavam que fosse. Fica aquele clima de ‘depois a gente resolve isso’, e os dois evitam falar no assunto.

Mark ‘McSteamy’ Sloan cai desmaiado no chão da sala de operação. Miranda Bailey o socorre. Mark está com um problema na válvula mitral e vai precisar de uma válvula biológica. Ele exige que a cirurgia seja feita por Burke. Meredith tenta falar com Cristina pelo celular; ela quer saber se Derek e a ex estão juntos. Cristina diz que lógico que estão, o que ela queria? O caso é sério. Meredith conta que Burke vem para o hospital operar McSteamy.

Na televisão do hospital, um repórter anuncia uma grande chuva para as próximas horas. Ninguém presta muita atenção.

O temporal acontece, acaba luz, acaba água, é quase o fim do mundo em Seattle e na costa oeste dos EUA.

Izzie e Alex ficam presos no elevador, sem luz. Vai rolar o beijo? Ele vai dizer que ama a moça? Ela vai gostar?

George e Callie se esbarram nas escadas, ela tem uma tontura e quase desmaia. Ele acaba pegando um papel que caiu das mãos dela: teste de gravidez. George fica sabendo que vai ser papai.

Na sala de cirurgia, Meredith espera Burke, que ainda não chegou. Mark precisa ser operado logo. Ele diz para Meredith que ela precisa viver como se pudesse ser feliz, que só agora ele percebeu o que jogou fora. ‘As oportunidades passam voando. Você ama o Derek, ele a ama. Vai ser feliz, menina!’

O celular dela toca. Cristina diz que Derek estava voltando quando a chuva desabou, e não se tem notícias do jatinho que ele estava. Será que ele volta?

Será que Meredith vai ter chance de ser madura e ter uma relação? Isso fica para a próxima temporada.

MARGARETH BOURY foi roteirista de ‘Alta Estação’ (Record) e atualmente desenvolve a sinopse de ‘Bem-me-Quer’

‘GREY’S’ 4 ESTRÉIA AQUI EM FEVEREIRO

Onze episódios do programa que desbancou ‘CSI’ foram gravados; o último inédito foi mostrado nos EUA na quinta passada; a estréia do quarto ano no Brasil está agendada para o dia 4 de fevereiro, às 22h, no canal Sony’’

 

TELEVISÃO
Paulo Sampaio

Jornalista é BBB durante meia hora

‘Uma reportagem sem caneta, bloco de anotações, gravador ou máquina de fotografar. Como no café da manhã de fim de ano oferecido à imprensa pelo presidente Lula, no Palácio da Alvorada, os jornalistas convidados a visitar na terça-feira passada a locação do programa ‘Big Brother Brasil’, da TV Globo, não puderam anotar nem gravar nada.

A assessoria da emissora avisa aos cinco convidados que eles têm vinte minutos para ‘sentir o ambiente na casa’. ‘É como se vocês fossem ‘big brother’!’, diz a assessora, lançando um alegre desafio.

‘Que mico’, murmura uma colega repórter, pouco antes da incursão. Ela se refere também à obrigatoriedade de assinar um termo de compromisso de cessão de imagem para TV.

‘Imagina, ninguém vai lembrar de colocar imagens da gente’, diz outra colega, para tranqüilizar a primeira. (Todo mundo apareceu no vídeo).

Apesar do ‘mico’, os jornalistas são recebidos no Projac, o megaestúdio carioca da emissora, como um grupo de ‘privilegiados’ (pela oportunidade de estar ali). A assessoria quer fazer crer que os cinco, representantes dos maiores veículos de imprensa escrita do país, foram sorteados. Depois, por telefone, reconhece que a escolha foi de caso pensado.

Qualquer pessoa pode

Na porta da casa, os repórteres conversam com o diretor de núcleo, Boninho, o apresentador Pedro Bial e o diretor geral, LP Simonetti. As perguntas são do tipo: ‘Teve marmelada na escolha dos participantes?’.

‘Não existe a menor possibilidade. Se alguém tenta indicar um amigo pra mim, esse candidato está automaticamente desclassificado’, responde Boninho. Para provar que qualquer pessoa pode participar do programa e que não se buscam personagens estereotipados, Boninho diz: ‘Não há nenhuma negra, por exemplo’.

Mas há um negro, lembra um repórter. Tem cota? ‘O rapaz (negro) tentou pela terceira vez. Agora, ele estava pronto’, explica o diretor de núcleo.

Os jornalistas entram na casa. Depois de bisbilhotar livros, murais e checar a decoração, eles voltam para o pátio central. Não viram ainda os BBBs, apesar de eles estarem lá dentro (trancados no confessionário): a liberação só se dá quando os repórteres já estão no pátio.

Pronto! Os 14 irrompem pela porta automática, aos gritos, meio embolados, como se estivesse pegando fogo lá dentro.

Em um descontrolado desbunde nervoso, os participantes falam ao mesmo tempo, perguntam se podem beber a cerveja disponível no bufê, riem muito alto, se empurram, gralham e, apesar de terem acabado de se conhecer, já demonstram uma incrível disposição para a intimidade.

São extremamente ‘facinhos’: conversam com os jornalistas durante cerca de 15 minutos, sem questionar nada. ‘Quem vocês acham que nós somos?’, pergunta um repórter. ‘Ahhhh, vocês devem ser as pessoas que vão preparar uma festa pra gente…’, dizem, alegremente.

Um repórter apresenta os jornalistas e diz o veículo de cada um: ‘Nossa, só tem os ‘crânio’, observa Marcos, 25, vestindo apenas um bermudão com o cós abaixo da linha dos pêlos pubianos.

A verdadeira cachorra

A primeira ‘sensação’ marcante, e que dispensa caneta ou bloco para posterior lembrança, é a devastadora presença de borrachudos. A segunda, que só faz agravar a primeira, é a irrefreável catarse dos ‘brothers’.

Daniela Mercury entra: ‘A cor dessa cidade sou eeeeeeeu!’

Começa uma acirrada competição de rebolado. Depois de entortar a coluna vertebral até o limite do improvável, Jaqueline, 23, diz: ‘Comprei biquínis maiores para usar aqui, porque não quero me expor muito.’

‘Essa mente’, afirma Boninho mais tarde, na continuação da conversa com a imprensa. Segundo o especialista, a ‘verdadeira cachorra’ se entrega justamente numa declaração exageradamente puritana.

Boninho diz ainda que um dos candidatos revelou a ele que é gay. O psiquiatra Marcelo, principal suspeito, parece confuso. ‘Cara, eu não digo que sou isso ou sou aquilo, mas acho que, se alguma coisa estiver para ser revelada aqui, sem problemas’. O psiquiatra explica ainda que está ali ‘não como médico, mas como pessoa.’

A bartender Thalita, 29, afirma que desde os 16 anos é atriz, como a mãe, Nadia Lippi. Mas não sabe se ‘dá para a coisa’. ‘Eu não aconteci até agora. Vai ver que eu não tenho talento.’

A modelo Juliana diz que sua estratégia é ‘ser eu mesma’.

O gerente de contas Fernando, 25, afirma que não toma mais ‘bomba’. ‘Tinha 42cm de bíceps, agora estou com 40cm.’

Nesse contexto, descobrir se uma das participantes é lésbica parece um furo de reportagem. Mas Bianca, 28, a mais cotada, ri da possibilidade. ‘Gente, isso é muito engraçado!’

Os meninos olham para o ‘campeonato de rebolado’ como se estivessem em frente a uma fileira de franguinhos de padaria. De repente, uma produtora aparece e recolhe os jornalistas: ‘Tá na hora!’, diz.

Os ‘privilegiados’ ficaram até mais que os vinte minutos preestabelecidos: das 17h17 às 17h58. Nem precisava tanto.’

 

Bia Abramo

Auto-ajuda eletrônica nas tardes da TV

‘DE TARDE, a televisão parece ainda mais estúpida do que de noite. Nas atrações noturnas, há mais brilho e estridência; nas vespertinas, a programação fica numa modorra de domesticidade e de tédio.

As donas-de-casa, entre um afazer e outro, e as crianças fora da escola têm de se contentar com um regime de fofocas, de receitas, de reprises, de filmes velhos e desinteressantes, devidamente recheados de propaganda e mais propaganda.

De repente, no meio da tarde, começa no SBT uma coisa chamada ‘Casos de Família’. Está, no site da emissora, classificado como um talk-show e, de fato, a inspiração está em seus similares norte-americanos, do super bem-sucedido programa da Oprah Winfrey ao supersensacionalista Jerry Springer.

O formato é igual -a cada programa, seleciona-se um tema, do tipo ‘Ele só quer economizar’, ‘Minha mãe não me entende’ etc., e três duplas de familiares em conflito vão lá contar sua história. A apresentadora Regina Volpato faz perguntas, a platéia se intromete, os convidados também metem o bedelho uns nas histórias dos outros e, no final, um psicólogo dá sugestões.

O dado terceiro-mundista é que para a terapia televisiva acorrem aqueles que não têm outros recursos -não têm grana para fazer psicoterapia, nem para comprar antidepressivos, nem para os paliativos habituais da classe média, como afundar no consumo ou na diversão. Para além dos elementos habituais dos conflitos humanos -ciúme, rivalidade, incompreensão, neurose-, há uma dose de barra-pesada sociológica advinda do desemprego, da pobreza, da falta de perspectivas.

Nessa confluência de miséria psíquica com dificuldades materiais, as histórias são todas pungentes e, quase sempre, desesperadoramente complicadas.

Aliás, roteiristas de TV deveriam prestar atenção no que sai dessas falas; a teledramaturgia tem mostrado uma inabilidade enorme para olhar além do umbigo.

A apresentadora Regina Volpato é, nesse sentido, até cuidadosa. Trata com delicadeza os convidados, e seus comentários, ainda que de certa forma extraídos do senso comum, não traem os preconceitos de classe, nem derivam para a moralização tacanha.

Não é pouco, na verdade. Mesmo com o aspecto exploratório que é da natureza desses programas e o caráter exibicionista dessas pessoas, ter suas aflições ouvidas e acolhidas já representa alguma espécie de alívio.

 

CINEMA
Gerald Thomas

A segunda morte de Lennon

‘Não existe experiência pior do que ter que escrever sobre um filme horrível que retrata um homem horrível que remete a uma data horrível: esse homem é Mark David Chapman, o assassino de John Lennon. Odeio esse tipo de ‘culto do mal’. Não traz nada. Os ‘Manson kids’ (filhos da extensa família artificial de Charles Manson, que matou a Sharon Tate e um enorme número de pessoas na casa de Roman Polanski) também viraram ‘cult’. Estão espalhados mundo afora e são morcegos covardes, imbecis trocando cartas de um baralho roubado. Chapman é um deles.

A ida ao filme ‘The Killing of John Lennon’ [O Assassinato de John Lennon] já começou estranha. Naquela própria esquina que há duas décadas ainda se chamava Waverly Cinema (agora é IFC Center) na Sexta Avenida com a rua 3, no dia após a morte de John Lennon (9 de dezembro de 1980), um carro com placa de Nova Jersey encostou perto do meio-fio, desceu a janela e uma voz berrou pra mim, rindo: ‘Are you Lennon??? So here boom boom boom!!!’. Consegui ver o dedo indicador simulando um revólver, e o carro desapareceu. Tremi. A população de Nova York ainda estava de luto por causa da morte de Lennon na noite anterior.

Oito de dezembro de 1980, por uma coincidência mórbida, eu havia passado a manhã em frente ao Dakota, prédio onde moravam Lennon e Yoko, a pedido de Alex Polari de Alverga, ex-preso político brasileiro e poeta. Alex queria ser fotografado na frente do Dakota. Dali fui dirigindo um Buick Regal, ouvindo a WNEW, a 102,7, e a voz de Scott Muni veio ao ar pra dizer que ‘John Lennon has just been shot’ [Lennon acaba de ser baleado].

Parei o carro. Alguns minutos mais tarde, a voz de Muni confirmou: ‘Lennon is dead’ [Lennon está morto]. Transtornado, voltei sozinho pro Dakota. Já havia centenas de pessoas aos prantos. Estava frio e eu custava a acreditar que Lennon estivesse realmente morto. Quando Hendrix e Joplin morreram, entendi: eram as drogas, o álcool; havia uma explicação! Quando Jim Morrison ou Brian Jones morreram, mesma coisa. Mas Lennon? Tiros? Como assim? Assassinado? Como JFK? Como Luther King, Malcolm X? Bobby Kennedy? Mata-se um beatle?

Detesto filmes que fazem a apologia do imbecil ou assassino ou cultivam a imagem daquele que deveria -no mínimo- levar uma enorme porrada por dia! Sim, trabalhei na Anistia Internacional e digo isso sem a mínima vergonha! Esse filme não é sobre Lennon, e sim sobre um ‘Catcher cult boy’. Um desses meninos e potenciais assassinos que lêem ‘O Apanhador no Campo de Centeio’ (‘The Catcher in the Rye’, a Bíblia dos ‘losers’) e sentem que podem sair ‘sacrificando’ ou ‘salvando’ os que estão para saltar do precipício.

Imbecis e prepotentes. O assassino é visto em seu segundo habitat, o Havaí, já que é natural da Geórgia, dirigindo seu carro amassado. Chapman começa a enxergar, paranoicamente, semelhanças -mãe confusa, egoísta, abandono de família, criação pelos avós, ou tios etc.- e uma ‘estonteante’ revelação: a de que John seria seu ‘alvo’. Isso depois que Chapman folheia um ‘coffee-table book’ de fotos de John: dúzias delas, nos telhados, na cama, descabelado, sempre às gargalhadas.

Pronto. Foi acionado o ‘gatilho’. Essas gargalhadas se tornaram ‘pessoais’. John Lennon estaria rindo ‘pessoalmente’ desse imbecil, desse anônimo no Havaí, a nove horas de vôo daqui, de Nova York. Mark Chapman, paranóico e esquizofrênico de carteirinha (lúcido porém até o último centavo de dólar), se sente traído pelo seu ídolo e pimba! Simples, não? Simples demais. Lennon tinha tido uma vida de beatle e uma vida solo gloriosa. Acumulou zilhões, casas, iates, fazendas e o apartamento no Dakota. Diz Chapman em seu diário: ‘Isso vindo de um cara que compôs ‘Imagine’, que fala em ‘no possessions’?’. Foi justo essa frase dessa música que detonou nosso anti-herói.

Pode? Sim, pelo jeito pode! Está estabelecido o conflito, não é? Pois é, antes estivesse. Não existe o tal anunciado ‘assassinato de John Lennon’. É certo que vemos o John levando o tiro. E a reconstituição da cena que vimos milhares de vezes nesses 28 anos.

Mas e daí? O que vemos na tela é ‘Apanhador no Campo de Centeio’. Uma justificativa barata e quase religiosa (Chapman levou o livro ao seu julgamento e leu passagens dele). Aparece a famosa capa da ‘Time’ com o J.D. Salinger, aquela que o tornou o autor mais famoso e censurado do seu tempo. E tome ‘Apanhador’. A voz narrada do filme sai do texto do próprio Chapman, auto-indulgente, medíocre, infantilóide, dizendo como ‘ama livros, como adora esse e aquele autor’, tentando imitar o estilo do próprio Salinger, que ficou na história por ter exposto suas influências, desde Kafka e Dostoiévski até Coleridge. E Lennon? Nada de Lennon.

Esses ‘serial killers’ (e olha que dentro do filme ainda há uma tentativa de metalinguagem:) se julgam ‘artistas, que incrível!’: o Chapman, já preso em Rikers Island, vê pela TV o presidente Reagan levando um tiro do Hinkley. ‘Ele fez isso por minha causa’, diz Chapman ao carcereiro, com orgulho! ‘Agora sou realmente famoso!’, conclui. Jack Abbott, aquele ex-protégé de Norman Mailer, também assassino e autor de ‘In the Belly of the Beast’ [Na Barriga da Besta], saiu da prisão em condicional e dois dias depois matou um garçom/ator do teatro La MaMa no restaurante Binibon. Todos queriam os direitos exclusivos pra filmar esse e outros absurdos.

Mailer ainda queria defender o assassino, mas recuperou seus sentidos quando a metade da cidade de Nova York queria linchar o ‘beast himself’. Ainda bem que ninguém fez filme de nada, de ninguém, de Abbott porra nenhuma, os ânimos finalmente se acalmaram. Ainda bem que Mailer [1923-2007] está morto. Não sei por que mantêm esse Chapman vivo às custas de nossos impostos!

O que aprendemos com tudo isso? O que deveríamos aprender? Como funciona a mente doentia de um psicopata? Michel Foucault tem um livro, ‘Eu, Pierre Rivière, que Degolei Minha Mãe, Minha Irmã e Meu Irmão’, na tentativa de entender essas mentes.

Existem livros e mais livros sobre ‘serial killers’ e sobre ‘solitary killers’ e ‘serial rapists’ e sobre assassinos e psicopatas e esses meninos como os de Columbine, e nada disso jamais servirá de nada, a não ser como objeto de masturbação para acadêmicos!

Esse filme não me levou de volta àquela data horrível, o 8 de dezembro de 1980. Mas ter pisado no ex-Waverly Cinema fez. Pisei numa outra era, junto com uns três ou quatro gatos pingados. Todos devem ter se perguntado ‘por que essa merda foi filmada?’, certos de que iríamos ver mais John Lennon e o interior da mente do assassino, a real motivação do crime e ter um insight sobre esse imbecil. Mas, infelizmente, isso ficou somente numa remota esperança. Assim como ficou uma remota esperança para J.D. Salinger virar um imortal.

GERALD THOMAS é autor e diretor de teatro; entre suas peças, estão ‘Trilogia Kafka’ e ‘Flash and Crash Days’’

 

Stephen Holden

Reencenação do crime é bem feita, porém deprimente

‘Eu não era ninguém até matar o maior alguém do mundo.’ São as palavras do assassino de John Lennon, Mark David Chapman, que em 8 de dezembro de 1980 matou o beatle a tiros diante de sua residência no edifício Dakota, na esquina da rua 72 com Central Park West.

Tudo o que Chapman diz em ‘O Assassinato de John Lennon’, a devastadora reencenação dirigida por Andrew Piddington dos fatos que conduziram ao crime, é baseado em entrevistas, depoimentos e transcrições do tribunal. Rodado em estilo quase documental nos locais reais em que os fatos ocorreram, o filme [que estreou na semana passada nos EUA, mas não tem data de estréia no Brasil] provoca incômodo no espectador. Empregando um mínimo de truques fotográficos, evoca episódios de desorientação mental em que as imagens oscilam e se fundem.

Fragmentos de ‘Touro Indomável’, ‘Taxi Driver’ e ‘Gente Como a Gente’ sugerem a interação volátil entre cultura popular e instabilidade mental. Embora ‘O Assassinato de John Lennon’ não peça ao espectador que se solidarize com Chapman, que hoje cumpre prisão perpétua com possibilidade de condicional em Attica, o filme o obriga a passar quase duas horas em sua companhia perturbadora.

Megalomaníaco, narcisista, sujeito a alucinações e oscilações de humor, a impressão que se tem dele é de alguém desagradável e insanamente egocêntrico. Fala sobre sua obsessão doentia com ‘O Apanhador no Campo de Centeio’ (J.D. Salinger) e sua identificação com o problemático adolescente Holden Caulfield. Encontrado por Chapman quando ‘estava à procura de algum tipo de orientação’, o livro tornou-se ‘uma corrente elétrica em minha mão, queimando meu corpo’.

Já conheci gente suficiente no pop, parasitas desesperados que lembram o perdedor retratado no filme, para reconhecê-lo como um clássico perseguidor de celebridades em busca da fama por associação. A diferença entre Chapman e milhares de outros é que, no caso dele, um parafuso se soltou, e o equilíbrio precário entre adoração e inveja pendeu mortalmente para o lado negativo.

Quando um psiquiatra pergunta por que ele fez o que fez, Chapman responde: ‘Porque eu o achava um falso. A música dele eu adorava.’ Se ‘O Assassinato de John Lennon’ é um filme bem feito, também é totalmente deprimente.

A íntegra deste texto foi publicada no ‘New York Times’.

Tradução de Clara Allain’

 

LITERATURA
Alexandra Moraes e Ernane Guimarães Neto

Novo chamariz, tradução direta deixa de ser luxo e vira exigência

‘Se os textos de Dostoiévski, Tolstói, Gógol e Tchékhov, entre outros, não eram totalmente desconhecidos dos leitores brasileiros, sua tradução direta do idioma original aportou por aqui como novidade tornada obrigatória há quase uma década. Tanto quanto o autor, a frase ‘traduzido diretamente do russo’ virou chamariz.

‘A quantidade e a velocidade atuais de publicação dos russos realmente não são inéditas’, explica o professor da USP Bruno Gomide, pesquisador da recepção da literatura russa no Brasil, citando a ‘febre de eslavismo’ dos anos 30 e a coleção de Dostoiévski da editora José Olympio nos 40.

‘O que há de inédito é o fato de a tradução a partir do original russo ter se tornado uma exigência’, diz. ‘Ademais, exige-se que sejam feitas com qualidade. Já nos anos 30 havia edições feitas a partir do russo, mas em geral eram apressadas, ou então excessivamente atreladas a interesses de grupos políticos.’

Mesmo em relação a épocas mais recentes, é possível medir o crescimento do interesse. Nos anos 90, a editora Ars Poetica lançou textos de Andrei Biéli e o estudo de Nabókov sobre Gógol que, para Gomide, ‘talvez não tenham tido a repercussão devida’.

Agora, autores contemporâneos, como Vladimir Voinovitch (‘Propaganda Monumental’, 2003), ou obscuros, como M. Aguéiev, (‘Romance com Cocaína’, 1934) ganharam espaço.

Entre os principais tradutores dos clássicos estão Boris Schnaiderman, Paulo Bezerra e Rubens Figueiredo -que, desde 2003, lançou pela Cosac Naify textos de Tchékhov, Tolstói, Turguêniev e Górki. ‘Ele tem uma ‘quase bolsa’ de tradução’, diz o editor Paulo Werneck.

A tradução direta não é luxo: mostra contornos que ficariam embaçados em versões indiretas. Gomide diz que um dos mais beneficiados por elas é Dostoiévski, ‘o mais comentado dos ficcionistas russos na crítica brasileira e o mais cercado por lugares-comuns.’

As obras de Dostoiévski contribuíram também para a consolidação das traduções diretas, após o sucesso de ‘Memórias do Subsolo’, por Schnaiderman (2000), e ‘Crime e Castigo’, por Paulo Bezerra (2001), ambos da editora 34.

‘Os russos, pela primeira vez em muito tempo, aparecem desvinculados da questão política’, aponta Gomide. ‘A volúpia de se conhecer a ‘Rússia subterrânea’, o ‘enigma soviético’ ou qualquer tipo de ‘cor local’ por meio da literatura está completamente ausente.’’

 

SARKOZY
Raul Juste Lores

Decifra-me

‘Nicolas Sarkozy, 52, deve pôr fim ainda neste ano à jornada de trabalho de 35 horas semanais, reformar a administração e o financiamento de sindicatos e universidades públicas e ainda aumentar o tempo de contribuição dos franceses para a Previdência.

Sem descanso, também deve se casar em fevereiro com a cantora italiana Carla Bruni e continuar a passar férias em lugares um tanto inusitados para um presidente francês.

Um líder socialista disse que a França tem assistido, entre divórcio e namoro, a uma versão francesa do novelão ‘Dallas’, enquanto aristocratas conservadores, eleitores fiéis de Sarkozy, manifestam horror ao namoro no parque de diversões Eurodisney. A palavra de ordem de Sarkozy é ruptura. Alguém duvida dele?

Sarkô promete romper com a tradição estatista da França e libertar a economia engessada que cresceu menos de 2% ao ano na última década. Apesar da riqueza de potência européia e do charme do país, as revoltas periódicas na periferia e as teses xenófobas adotadas por boa parte do eleitorado mostram que o mal-estar vai muito além da ‘malaise’ dos parisienses no café.

Ainda é cedo para ver os resultados do hiperativo presidente, mas Sarkô já mudou a agenda francesa em oito meses no cargo. Começou a impor reformas liberais thatcherianas à francesa, engavetadas durante anos por socialistas e até por conservadores, como seu antecessor, Jacques Chirac.

Mais chocante até, quebrou o pacto de discrição entre imprensa e presidentes franceses, a ponto de alimentar uma política midiática que faz a festa das congêneres francesas da revista ‘Caras’. Onde Thatcher encontra Paris Hilton.

Ao ofuscar com facilidade uma geração de líderes europeus que não empolga além de suas fronteiras (Merkel, Brown, Prodi e Zapatero), sua comunicação é acompanhada com lupa por quem estuda marketing político.

A estratégia de Sarkozy é ocupar a mídia o tempo inteiro, criando um enorme contraste com a siesta prolongada dos últimos anos do governo Chirac.

Sua atividade frenética o leva a liderar a libertação de enfermeiras búlgaras presas na Líbia (que padeceram por um ano de gestões infrutíferas da União Européia); e a se encontrar com o presidente venezuelano Hugo Chávez para tentar libertar das Farc a franco-colombiana Ingrid Betancourt.

Em casa, ele pode ser visto batendo boca com pescadores em uma manifestação na Bretanha ou com ferroviários durante uma greve.

Em um braço-de-ferro com os sindicatos, conseguiu acabar com o regime especial de aposentadoria de 1,6 milhão de trabalhadores de áreas como energia e ferrovias, mesmo após uma greve de nove dias que parou os transportes do país em novembro. Eles passarão a contribuir com a Previdência por 40 anos de trabalho, como os demais franceses, e não mais com 37 anos.

Marketing mediterrâneo

O ritmo das reformas para endireitar a economia francesa é acompanhado por uma exibição desavergonhada de sua vida privada.

‘Sarkozy mistura o estilo presidencial francês -autoritário, a encarnação da nação, sem deixar espaço para ninguém mais no executivo -, com uma comunicação dirigida ao homem comum’, diz Thierry Leterre, pesquisador do Centro de Estudos da Vida Política Francesa do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o tradicional Sciences Po.

‘Há um marketing mais mediterrâneo (que se caracteriza por mostrar belas mulheres, dinheiro, histórias borbulhantes) que americano (homens fortes, fé, grandes palavras). Ele anunciou o divórcio durante uma enorme greve, por exemplo.’

Poucos dias após ter recebido o polêmico ditador líbio Muammar Khadafi (visita criticada à direita e à esquerda), ele surge em plena Eurodisney com a nova namorada, a cantora italiana Carla Bruni. Quem quis mais saber de Khadafi?

‘Em nossas sociedades, muitas pessoas gostam de imaginar que seus líderes não são diferentes de si próprias, e vice-versa. Ele sacia esse apetite por identificação’, disse ao Mais! o editor e colunista do jornal Le Monde, Patrick Jarreau. ‘Mas isso não deveria influenciar a avaliação de suas políticas’.

A jornalista brasileira Daniela Fernandes, há oito anos em Paris trabalhando para BBC e Radio France, confirma que até o novo-riquismo de Sarkozy, gozando férias em mansões, iates e jets emprestados por amigos milionários, é parte da ruptura. ‘É uma modernidade calculada, que contrasta com seus antecessores, que estudaram nas melhores universidades e eram menos mundanos’.

A estratégia popular é coerente com a contradição das revistas de celebridades, conta o professor Laterre. ‘Elas tendem a mostrar como estrelas e milionários são gente comum com preocupações comuns, enquanto atraem esse mesmo público pelo luxo e glamour. A frivolidade dele é a estratégia menos frívola’, diz.

O presidente defendeu não esconder seu namoro com a ex-modelo, o que quebra uma longa tradição dos líderes franceses de esconder suas relações do domínio público. Disse que era contrário à hipocrisia.

Diversos livros continuam a ser lançados na França para tentar decifrar o enigma Sarkozy. De histórias em quadrinhos que contam sua infância ao livro da dramaturga Yasmina Reza, autora da peça ‘Art’, que acompanhou Sarkozy em campanha e escreveu ‘L’Aube le Soir ou la Nuit’ (A Aurora, a Tarde ou a Noite).

No Brasil, acaba de sair ‘Nicolas Sarkozy – Uma Biografia’, da jornalista Catherine Nay, pela editora Manole.

Gente de esquerda

No livro de Yasmina Reza, ela conta que Sarkozy enchia de elogios os premiês Zapatero, da Espanha, o italiano Romano Prodi e o britânico Tony Blair.

Reza disse que era estranho que ele fosse amigo de tanta gente de esquerda. O então candidato lhe respondeu. ‘Eles não são de esquerda. Só na França ainda tem gente que vive na esquerda’.

Para o professor Yves Surel, do Instituto de Estudos Políticos de Grenoble, as primeiras medidas, como reformas fiscais, previdenciárias e trabalhistas, ‘já são clássicas, mas são ruptura na França’. ‘Sarkozy se beneficia de um apoio parlamentar sólido e de ótimas relações com os donos da mídia, o que lhe dá uma certa tranqüilidade’, diz.

Mas Sarkozy não parece gostar de tranqüilidade. Ele estipulou que, até terça, sindicalistas e empresários cheguem a um acordo para flexilibilizar leis trabalhistas (leia-se acabar com alguns direitos dos trabalhadores para baratear e facilitar mais contratações). Se não houver acordo, o presidente já disse que mudará a legislação de qualquer modo.

Ele também quer tornar mais transparentes a administração e o financiamento de sindicatos e universidades públicas, além de acabar com a jornada de trabalho de 35 horas -medida criada para forçar os empresários a contratar mais gente, mas que não conseguiu reduzir a taxa de desemprego de 9% -porém deu aos franceses cerca de 50 dias úteis para ficar em casa.

E depois de acabar com o regime especial dos ferroviários, ele quer aumentar o tempo de contribuição previdenciária de todos os franceses para, pelo menos, 41 anos.

Apesar da terapia de choque das reformas, há poucos resultados. O PIB francês cresceu menos de 2% em 2007 e só deve crescer 1,7% em 2008, repetindo a década de crescimento medíocre do país. A inflação deve aumentar,o desemprego não diminuiu e a confiança dos consumidores está em queda.

A economia francesa foi atingida pelas altas do petróleo, de commodities e alimentos. Em sete meses de governo, a popularidade de Sarkozy caiu de 65% a 49%. Se sua hiperatividade não trouxer crescimento, a única lua-de-mel que poderá gozar será com Carla Bruni.

E adieu, eleitorado francês.’

 

 

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