Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Franklin Martins, de estilingue a vidraça

O programa da TV do Observatório da Imprensa, exibido na terça-feira (3/4), voltou a debater a criação da nova rede pública de televisão que o governo pretende instituir. O tema já havia sido abordado quando o programa recebeu o ministro Luiz Dulci, da Secretaria Geral da presidência da República, e o assunto continua na pauta da mídia. A primeira entrevista televisiva do jornalista Franklin Martins depois de empossado ministro-chefe da Secretaria da Comunicação Social, concedida ao Observatório, também serviu para reavivar o debate sobre a comunicação do Estado.


A escolha de Franklin despertou um interesse inédito na mídia exatamente por ele ser um jornalista. Outro dado importante foi fato de pela primeira vez um integrante do governo admitir ter havido, sim, uma grave crise política em função do escândalo do mensalão, que derivou para um acirramento das já tensas relações entre governo e mídia durante o processo eleitoral do ano passado. Entre as novas missões de Franklin está comandar a implantação da rede pública de TV, assunto que provoca muitas discussões mesmo dentro do governo.


O programa apresentado por Alberto Dines contou com Franklin Martins em Brasília; o diretor de conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, em São Paulo; e no estúdio da TVE, no Rio, a jornalista Elvira Lobato, da Folha de S.Paulo .


Franklin é uma figura carimbada na cobertura política e já atuou em empresas jornalísticas como TV Globo, rádio CBN, Jornal do Brasil e O Estado de S.Paulo. Suas últimas funções antes de assumir o cargo no governo foram de comentarista político da TV Bandeirantes e colunista do portal iG.


A posse do jornalista, de 58 anos, foi criticada por alguns de seus colegas em virtude da sobrecarga de funções: ele será responsável pela comunicação e pela publicidade do governo. Mas seu grande desafio será implantar a rede pública de TV e cuidar de produzir uma programação dedicada à cultura, educação e jornalismo sem ser tendenciosa.


Erros da imprensa


Dines iniciou o programa tocando num outro assunto polêmico: a crise provocada pelos controladores de tráfego aéreo. E perguntou ao ministro se já não está na hora de o presidente Lula dar uma entrevista coletiva para esclarecer a situação. Franklin respondeu que o presidente vem dando entrevistas duas ou três vezes por semana, e que ele concederá, sim, uma coletiva à imprensa.


A palavra passou para Ricardo Gandour, que deu boas-vindas ao ministro e disse que a imprensa precisava de alguém para ajudar a estruturar melhor a informação oficial. Perguntou quais os planos de Franklin para melhorar a comunicação do governo com a mídia.


O ministro respondeu que pretende tornar mais fluida e leve a relação entre ambos. Comentou que o governo está saindo de uma crise monumental, e que isso o havia deixado numa posição defensiva – e a imprensa, em atitude ofensiva. Disse que esse problema dividiu opiniões na sociedade e contaminou ainda mais a mídia e o governo. Mas acrescentou que a população exigiu um debate político mais qualificado, e que essa atitude havia puxado o freio das discussões. Foi um recado para que o debate seja mais razoável – o que fez com que o governo, a oposição e a mídia elevassem o nível da discussão. ‘O que tiver que investigar, investiga-se, mas temos que discutir qualificadamente os grandes problemas nacionais: economia, saúde, educação etc’, pediu o ministro.


Elvira Lobato disse que uma das maiores dificuldades dos profissionais da imprensa é ter acesso a informações mais profundas que permitam que a cobertura não seja superficial e agressiva. A jornalista perguntou ao ministro o que pode ser feito para franquear aos jornais um acesso melhor a informações públicas.


Franklin afirmou que essas informações deveriam sempre estar à disposição do público, mas que, em crises políticas como a que se viveu recentemente, alguns veículos jornalísticos cometeram erros no tratamento da informação disponível. Deixou claro, no entanto, que nada deve ser escondido.


A escolha do porta-voz


No segundo bloco do programa, o apresentador retomou o problema dos controladores de tráfego aéreo e afirmou que o maior empecilho nesses casos é falta de informações para a imprensa e a sociedade. ‘As pessoas não sabem se amanhã poderão viajar, se vão chegar, para onde podem ir’, argumentou Dines. E perguntou sobre o que poderia ser feito em relação a esse assunto num futuro próximo.


Franklin Martins disse que o problema da aviação nacional era fruto de muitas causas – entre elas o grande aumento no número de passageiros e de freqüências, no caso dos controladores; e uma diminuição da oferta de vôos, em virtude da falência da Varig. Disse que o que deveria ser feito era uma consultoria para mapear todo o espaço aéreo, descobrir o que não estava funcionando e, assim, levantar as soluções.


Em seguida justificou as atitudes do governo em relação ao problema. Disse que durante o motim deflagrado pelos controladores na última semana, que paralisou diversos aeroportos, tentou-se restabelecer em curto prazo o funcionamento dos vôos via o encerramento da greve. Segundo o ministro, a partir daí os controladores entenderam que o país estava refém deles. O caso foi criticado pelo presidente Lula, ao afirmar que as demandas dos grevistas só serão negociadas quando a situação voltar ao normal.


Ricardo Gandour comentou que o primeiro desafio de Franklin foi a crise da semana passada, e o indagou a nomeação de um porta-voz para a Presidência da República. O ministro explicou que iria apresentar um diplomata para esse cargo. Justificou a escolha dizendo que será preciso ter alguém específico para a tarefa de porta-voz da Presidência, separado de suas funções. ‘Ele deve ser mais conciso’, comentou.


Articulação com os estados


Elvira Lobato sublinhou que a idéia de criação da rede pública de TV não está bem explicada e pediu a Franklin que esclarecesse qual será o projeto do governo. O ministro informou que o projeto ainda não está formatado, está em discussão. Disse que o que se pretende não é fazer uma TV que só fale do governo, uma rede chapa-branca, mas uma TV sem intenções comerciais e complementar ao que é feito nas demais redes que operam no país.


Acrescentou ainda que seu intuito é levantar o nível das TVs ao oferecer uma referência: uma TV plural com a participação da população. Mas que isso será feito a partir do que já existe, como a Radiobrás, a TVE e as parcerias que operam sob responsabilidade dos governos estaduais. ‘A idéia é sair da pulverização das TVs públicas e criar uma rede nacional’, afirmou. E informou que dentro de 90 dias o governo deverá ter uma proposta formatada para ser debatida com a sociedade e com os parceiros.


Gandour disse que ainda há um grande trabalho a ser feito no acesso às informações públicas e perguntou se isso não seria uma prioridade em relação à criação de uma nova rede do governo. O ministro respondeu que ambos os assuntos são importantes e que não se deve abrir mão de um ou do outro. A idéia, segundo ele, é tornar mais clara a comunicação, até porque isso ajudaria o governo a funcionar melhor, a população a se informar melhor e a imprensa a entender melhor seu papel de mediadora.


Elvira Lobato disse que o próprio governo contribuiu para que as informações sobre a nova TV fossem confusas: os dados sobre os gastos projetados não foram justificados e não se explicou como todas as emissoras públicas seriam concentradas numa só. ‘A verdade é que os órgãos públicos sonegam informações que não sejam atraentes para eles’, afirmou a jornalista da Folha. Disse que quando se falou na soma de 250 milhões de reais para montar a rede, ela foi pesquisar com especialistas do setor se isso era possível e descobriu que seria necessário pelo menos o dobro de recursos. ‘Ainda continua obscura a intenção do governo’, comentou. E perguntou ao ministro onde serão aplicados os 250 milhões que se pretende investir na nova rede.


Segundo Franklin, o dinheiro será destinado à compra de equipamentos que permitam uma transmissão nacional do sinal. A jornalista da Folha questionou se não seria necessário, antes, uma negociação com governos estaduais responsáveis pela manutenção das redes educativas, para que o plano não seja algo imposto e inviabilize o projeto. ‘O comando central será do governo federal?’, perguntou. O ministro respondeu que só será possível conversar com os estados quando houver uma proposta para ser discutida. E que haverá liberdade para que a discussão ocorra.


Conviver com a crítica


Dines interveio na discussão para afirmar que a rede que está sendo debatida já existe, mas sem suficiente envergadura. Citou o caso das TVs universitárias, da TVE e da TV Cultura. ‘O que ela precisa é ser ajudada para poder se consolidar’, disse. E deu o exemplo do próprio Observatório da Imprensa, cujo programa que não consegue ser exibido simultaneamente na TV Cultura por deficiência de recursos.


Franklin concordou e disse que a idéia é justamente montar essa integração. ‘O que se está tentando fazer é construir essa vértebra’ explicou.


Em seguida, Dines perguntou se não seria mais viável esperar passar a crise aérea para dar continuidade a esse projeto. O ministro disse que não. Que tudo é absolutamente necessário e que o país tem energia para enfrentar todas essas situações ao mesmo tempo. ‘Não vejo nenhum problema para que isso seja feito.’ E comentou que uma parcela das críticas feitas é parte do debate político mais amplo.


O último bloco do programa foi destinado ao comentário final de Franklin Martins. Ele agradeceu a todos pelo diálogo, disse que está vivendo uma transição ‘de estilingue para vidraça’ e que o aspecto central dessa nova situação é saber conviver bem com as críticas. ‘Se o governo for capaz de entendê-las, poderá funcionar melhor’, concluiu.


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A comunicação do governo em pauta


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 411, exibido em 3/4/2007


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa. Já tivemos na presidência da República muitos secretários de Imprensa, muitos secretários de Comunicação, alguns acumularam as duas funções, mas raramente registrou-se a mesma expectativa que precedeu a posse do jornalista Franklin Martins como ministro-chefe da Comunicação Social.


A excitação é justificada: Franklin Martins é um dos mais conhecidos comentaristas políticos, freqüentou as mais importantes vitrines jornalísticas do país. Mas não é o primeiro a saltar dos bastidores da política para o Palácio do Planalto: Carlos Castelo Branco, o Castelinho, serviu como secretário de imprensa de Jânio Quadros (porém antes de começar a famosa ‘Coluna do Castelo’).


Parte da excitação que precedeu a posse de Franklin Martins tem a ver com o confronto entre governo e imprensa que acompanhou as últimas eleições. E aqui o novo ministro lavrou o seu primeiro tento, logo depois de empossado. Pela primeira vez um integrante do governo admitiu que houve sim uma ‘monumental crise política’. Reconhecida a existência do impasse, não será difícil solucioná-lo.


Outra das funções do novo ministro será o comando da recém-criada rede pública de TV, assunto altamente controverso inclusive dentro do governo. Este Observatório já discutiu a rede há duas edições, quando entrevistou o ministro Luiz Dulci. Hoje voltaremos a falar sobre a nova rede pública porque Franklin Martins é o convidado desta edição do Observatório da Imprensa. Mas a nossa pauta é enorme.

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Jornalista