Thursday, 07 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Globo usa Jornal Nacional para defender seus interesses

Emissora divulgou preferência por padrão japonês do ministro sem ouvir outras fontes e sem esclarecer o telespectador que a empresa tem interesse direto na decisão do governo.

Matéria veiculada no Jornal Nacional, da Rede Globo, no dia 31/1, apontou o padrão japonês de TV Digital como o preferido do ministro das Comunicações, Hélio Costa, e o que ‘atende melhor as necessidades do Brasil’. O noticiário da emissora, entretanto, não mencionou aos telespectadores que a empresa possui interesse econômico direto neste debate e que já declarou ao governo sua preferência por esta tecnologia.

Durante 1 minuto e 53 segundos, a reportagem apresenta as afirmações do ministro em favor do padrão japonês. Um demonstrativo superficial resumiu as especificações técnicas dos outros padrões em questão (americano e europeu), justificando porque os mesmos deveriam ser descartados. ‘O governo deve apressar a decisão, que representa um avanço nas transmissões pela TV’, informou o apresentador e editor-chefe William Bonner. Em ofício entregue ao presidente da República no dia 18/1, a Globo e outras emissoras comerciais, além da TV Cultura, manifestaram sua preferência pelo padrão apresentado na reportagem como o melhor disponível.

Além de sonegar ao telespectador o interesse imediato da emissora, a abordagem não esclarece qual é a ‘reunião’ em que fala o ministro – na verdade, a audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, realizada na manhã do mesmo dia –, ou seja, o seu contexto. Sequer foram ouvidos parlamentares, anfitriões do encontro, e os motivos pelos quais chamaram Costa para prestar esclarecimentos.

Luís Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação, não vê qualquer problema ético na conduta. ‘Não há uma preferência da TV Globo. É um posicionamento das TVs abertas brasileiras e também a SET (Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações), e também o grupo acadêmico da TV digital’, justifica. Para o jornalista, a emissora desempenha o papel de consumidora e, portanto, não faz pressão por um outro padrão. ‘Quando uma empresa é compradora, o único interesse que ela tem é que ela compre a melhor tecnologia disponível. Todo mundo que quer vender proclama a melhor qualidade de seu produto. Ninguém faz pressão para comprar’, argumenta.

O conteúdo da reportagem e a falta de isenção da emissora foi criticada pelo presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo de Andrade. ‘Infelizmente esse é o comportamento dela em relação a esse e a outros temas de interesse direto dos meios de comunicação, como foi o processo de privatização de todo o Sistema Telebrás. Foi uma cobertura parcial por conta desses interesses’, avalia. Para Alberto Dines, editor-responsável pelo Observatório da Imprensa, os demais veículos de imprensa também ‘entraram na mesma onda’, dando destaque às vantagens do padrão japonês. ‘O resto da imprensa também vai nessa linha. O erro da Globo tem um calibre maior, acho que esse é o problema’, disse.

O e-Fórum procurou os representantes dos padrões americano e europeu no Brasil, mas eles preferiram não se pronunciar.

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Jornalista, da Redação FNDC