Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Governo investe em semanais para estudantes

Carta Capital, Época, IstoÉ e Veja receberão R$ 500 mil cada uma a fim de desenvolver publicações adaptadas para o ensino médio. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC), fechou contrato com as quatro grandes revistas brasileiras de interesse geral para que, a partir desta semana até o fim do ano, mais de 16 mil escolas de ensino médio de todo o Brasil recebam semanalmente uma publicação dirigida para aplicação no ambiente de ensino. As editoras Abril (Veja), Globo (Época), Três (IstoÉ) e Confiança (Carta Capital) foram chamadas para preparar edições mensais que contemplem os estudantes. Os títulos vão sintetizar os principais assuntos publicados em suas páginas a cada mês para o novo produto, transformando reportagens cotidianas em proposições pedagógicas para a sala de aula. O investimento de R$ 2 milhões do MEC, feito sem licitação, vai distribuir quase 780 mil revistas até as férias escolares de verão. Cada edição terá tiragem fixa de 32.300 exemplares.

O fato de essa aproximação do governo ocorrer sem concorrência, em um ano de eleições e com quatro grandes produtos editoriais que ajudam a formar a opinião pública, foi questionado por advogados ouvidos por Meio & Mensagem. ‘É uma improbidade administrativa’, diz Décio Itiberê, advogado de direito eleitoral e direito público, que considera a atitude ‘um modo de cooptar’ os veículos em seu favor. ‘Mesmo que esse procedimento acontecesse por meio de carta-convite, o teto de uma contratação assim, segundo a lei, é de R$ 80 mil anuais.’ Ele lembra que a carta-convite só é utilizada em situações emergenciais — o que não seria o caso —, e que se uma concorrência fosse aberta seria possível que apenas uma empresa produzisse o material por um custo menor.

‘É questionável. A sustentação é frágil porque a fundamentação legal apresentada não entra nos méritos da lei’, pondera o advogado especializado em publicidade e comunicação Salvador Scorza. Segundo ele, esse é um terreno delicado, porque ‘a letra da lei é fria’ e pode ser interpretada como convém a cada um. ‘Certamente o departamento jurídico do MEC tem conhecimento disso tudo, mas poderia ter havido mais transparência.’ A resolução publicada pelo ministério no Diário Oficial da União, no dia 1o de fevereiro, justifica o procedimento considerando que ‘a diversificação na seleção de matérias’, vindas de revistas de grande tiragem, vai viabilizar ‘o acesso do professor a fontes diferenciadas de informação’. O fato de essa iniciativa ter sido implementada sem licitação pública não é um problema na opinião do diretor de ações educacionais do FNDE, Rafael Torino. Para ele, como todas as semanais do País foram chamadas,o procedimento não se fez necessário: ‘Se quiséssemos escolher apenas uma delas, aí sim faria sentido’. Questionado se outros empresários da mídia impressa não teriam o direito de participar dessa oportunidade, o diretor respondeu: ‘Precisamos de notícias cotidianas e que estejam nas bancas’.

Frederic Kachar, diretor financeiro da Editora Globo, justifica a atitude do governo com base na idéia de inexigibilidade de licitação – ou seja, o fato de que apenas uma empresa teria condições de prestar o serviço em questão. ‘Somente essas editoras podem introduzir publicações de leitura semanal nas escolas’, argumenta. O advogado Scorza discorda desse raciocínio.

Para ele, nada impediria que grandes jornais ou mesmo agências de notícias realizassem o trabalho: ‘As semanais não são a fonte original de todos os assuntos que estão na agenda da sociedade’. Kachar rebate declarando que ‘jornais são perecíveis e trazem a notícia de ontem, enquanto as revistas são mais profundas e permanentes’.

Cláudia Costin, vice-presidente da Fundação Victor Civita (responsável pela revista Sala de Aula, gerada a partir do conteúdo de Veja), sustenta a tese de que todas as semanais foram contempladas. ‘Não há outros produtos no País com essas características nem com a experiência de fazer um título chegar a todos os lugares do Brasil’, defende. Cláudia adianta que a Sala de Aula poderá ser vendida também em bancas ou para a rede privada de ensino ainda neste ano, de acordo com a demanda – mesmo caso de Época na Escola. Na Editora Três, o diretor de projetos institucionais, Expedito Grossi, não comentou o mérito da contratação: como resposta, ele enviou à redação de M&M a resolução do Ministério da Educação sobre o tema, publicada em fevereiro.

Quem menos gostou desse movimento foi a Carta Capital – que pode até ficar de fora do projeto. Ela foi a primeira das quatro revistas a procurar formalmente o governo oferecendo uma publicação didática para a rede pública, no começo de 2005. A Carta Capital Na Escola já estava praticamente pronta, em julho do ano passado, quando o MEC contatou suas três concorrentes para fechar o pacote conjunto. Sem disposição para esperar o Estado, em setembro a editora deu início à circulação do produto – que já está em sua sexta edição, vendido em bancas. Além disso, a Carta Capital Na Escola conta com anunciantes que teriam de sair de suas páginas caso o contrato com o MEC fosse fechado, pois ocupam um espaço maior do que o determinado pelo poder público. ‘Foi chato saber, no meio do caminho, que o governo incluiria ‘as outras’ no projeto’, conta a publisher da Editora Confiança, Manuela Carta. E não sabemos se queremos essa restrição publicitária; as edições já estão se sustentando’, acrescenta. Torino, do FNDE, confirma que a Confiança foi a primeira a procurar o governo. No entanto, ele acredita em um equívoco: ‘Talvez tenham entendido errado. Eles sabiam que não poderíamos dar exclusividade a uma só revista e criaram uma expectativa incorreta’.

Como serão as revistas

O diretor do FNDE, Rafael Torino, explica que o projeto se desenvolveu graças à demanda já evidenciada pelas escolas por receber esse tipo de produto, somada ao interesse das próprias editoras de se relacionarem com esse público. ‘Havia a idéia de comprar revistas para distribuição no ensino médio. Então, no começo deste ano, o movimento tomou forma para ser desenvolvido como projeto-piloto para 2006’, descreve. As editoras se alternarão na produção e no envio das publicações às escolas a cada semana, sendo responsáveis pela logística. O governo pagará R$ 2,85 por exemplar. ‘As empresas podem fazer outros repartes da tiragem para venda em bancas, por exemplo’, acrescenta Torino. A Abril estréia a circulação dos títulos estudantis nesta semana com a Sala de Aula – cuja manchete aborda a Copa do Mundo –, que exibe preço de capa de R$ 3,90.

O acordo fechado entre o MEC e as revistas prevê 64 páginas de conteúdo para cada produto, e as editoras têm liberdade para comercializar mídia em encartes centrais ou vendendo a segunda, a terceira e a quarta capas. Está proibida a promoção de bebidas. O número de estréia conta com um anúncio do Banco Real. Editorialmente, as quatro revistas podem inserir os assuntos que quiserem, desde que as proposições de atividades pedagógicas e os planos de aula acompanhem cada uma das matérias selecionadas para os estudantes. Uma comissão do MEC avalia o material, mas somente depois de sua distribuição. ‘Vivemos em uma democracia. Não podemos impor temas e nem poderíamos desenvolver esse projeto com apenas uma ou duas das editoras de publicações semanais do País’, discorre Torino. ‘É claro que nós sabemos o que cada revista pensa do governo Lula, mas, isso não impede que elas desenvolvam esses títulos especiais’, reconhece o diretor.