Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Guálter George

‘‘É comum que o conceito de notícia dentro de um órgão impresso de comunicação fique restrito, em grande parte dos casos, àquilo que nele exista na forma de texto. No caso de um jornal, por exemplo, normalmente os leitores são levados à compreensão de que uma foto, uma ilustração, uma charge, um anúncio, são elementos a serem considerados dentro de uma perspectiva de complementação, conferindo-lhes um equivocado tratamento acessório que, não raro, resvala para uma simples negligência. Como tenho várias vezes ressaltado em comentários internos, a partir de situações objetivas constatadas, dá-se a tais instrumentos o peso de uma espécie de ‘tapa-buraco’. O processo de edição de uma matéria precisa se dar conta de que a boa informação é resultado de um todo, do somatório de um processo que naturalmente nasce no texto, é verdade, mas nem sempre termina nele. Quando há, junto, uma foto, um quadro, uma ilustração ou outro artifício qualquer de que se costuma fazer uso dentro de um elogiável esforço para tornar a mensagem de mais agradável percepção, o tratamento precisa ser igual para todos os elementos, não se justificando que a atenção termine concentrada apenas no texto. Como, infelizmente, exemplos freqüentes nos levam a entender que seja comum acontecer.

A escolha não pode ser aleatória

A abordagem do assunto na coluna externa, que há algum tempo estava prevista na minha agenda, pelos repetidos casos que o acompanhamento diário me fez detectar, como já ressaltei antes, virou uma necessidade a partir de um exemplo com o qual nos deparamos na edição do último domingo, dia 14. Logo na segunda-feira pela manhã, quando chegava para iniciar a jornada da semana passada, fui procurado, ao telefone, pelo senhor André Venticinque. Revoltado, ele protestava contra o uso indevido da imagem de sua mulher na foto que ilustrava matéria sobre o problema da falta de educação dos donos de cães que levam os animais para passeios na beira-mar e costumam ser negligentes quanto à sujeira, especialmente fezes, que os animais deixam pelo caminho. A matéria ocupava toda a página 8 e, de fato, tinha como principal ponto de referência visual uma foto de 15 centímetros de largura por outros 20 centímetros de altura, na qual uma mulher aparecia conduzindo um cachorrinho na orla marítima fortalezense. O detalhe: a legenda não a identificava e seu caso também não era relatado no texto ao qual parecia vinculado.

Apontamos o foco e erramos

A queixa do senhor André Venticinque, essencialmente, devia-se ao fato, conforme me ressaltou, de ele e a mulher estarem entre os poucos proprietários de cães que, contrariando todo o sentido da matéria, cuja pauta propunha discutir a inexistência de preocupações do gênero na orla fortalezense, levam saquinhos nos passeios para recolherem eventuais sujeiras que seus animais espalhem por onde passam. Ou seja, utilizamos como ilustração um caso que ia na linha contrária do que a matéria continha na sua linha central, que era a falta de educação das pessoas, a inexistência de leis municipais que coíbam o problema etc. No ponto de origem, o que demonstra ser algo muito mais forte do que uma simples desatenção do repórter, ou do fotógrafo, ou do editor, estava um aparente descompromisso cultural com a necessidade de dar à fotografia o mesmo tratamento responsável que O Povo vangloria-se de oferecer, por exemplo, às pessoas que podem ser submetidas a riscos caso tenham os nomes, sequer as iniciais deles, muitas vezes, expostos em matérias que envolvam adolescentes. A conclusão possível é de que o cuidado que há com texto, assunto que já trouxera à discussão semana passada, não costuma ser o mesmo observado quanto à imagem.

Meu problema passa a ser o próximo

Levei o caso à Redação, no comentário interno e em posterior contato direto com a chefia do setor. O próprio marido da atingida também manteve diálogo com a editora-chefe Fátima Sudário, que lhe pediu desculpas pelo equívoco, reconhecendo-o, ato que reforçou aquilo que o próprio jornal já fizera na edição de segunda-feira, dia 15, à página 7. O senhor André ainda não decidira, até a última vez que com ele conversei, se a postura aberta do jornal lhe seria suficiente para dar o episódio por encerrado ou se, mesmo assim, irá à justiça solicitar indenização por eventuais danos causados pela tal foto à imagem de sua mulher. De minha parte, que não sou advogado do jornal, a preocupação passa a ser em relação ao risco do próximo erro, de trabalhar preventivamente quanto àquele que ainda não aconteceu. E, ressalte-se, enxergando mais a perspectiva de quem possa a vir a ser vítima do que as conseqüências, jurídicas, econômicas ou quais sejam, para O Povo, dentro de sua postura empresarial. De acordo com o que senti no contato com a chefia da Redação, existe disposição para aprender com o caso, tirando dele as lições necessárias. Na principal delas, espera-se um reforço no debate interno quanto à necessidade de enxergamos uma matéria dentro do seu contexto completo, considerando-a na plenitude do que apresenta. Não dá para ficarmos centrando toda a atenção no texto, nas palavras, transformando tudo o que vem junto numa espécie de ‘penduricalho’. É o que há acontecido em exemplos identificados freqüentemente, um dos quais este relatado hoje como ilustração real de um problema que existe e precisa ser resolvido.’