‘A divisão da opinião pública dos EUA em relação à guerra do Iraque chegou à televisão, diz o brasileiro Antonio Brasil, professor de jornalismo internacional da Universidade de Rutgers e especialista em jornalismo audiovisual.
Está havendo uma mudança na cobertura da guerra?
ANTONIO BRASIL: Acho que é uma virada. É a tal da guerra das imagens que começa a surgir no momento em que aparecem, principalmente na televisão, os primeiros corpos de americanos mortos. Há algumas semanas, pela primeira vez, apareceu um soldado americano ferido e ensangüentado. As cenas de tortura no ‘60 minutos’ e a leitura dos nomes dos mortos (na rede ABC), exibidas esta semana, mostram que a polêmica da guerra chegou à televisão. É um país dividido e finalmente a televisão passou a refletir isso. Da cobertura patriótica que vigorou até há algumas semanas, a televisão está lentamente passando a ter um comportamento mais crítico. Isto lembra o que aconteceu no Vietnã.
O senhor está querendo dizer que os jornais já tinham uma cobertura mais crítica e agora esta postura chega à televisão?
BRASIL: A maior fonte de informação para a maioria das pessoas é a televisão. E os jornais televisivos sempre tiveram ou uma posição distanciada ou patriótica. Agora dá para notar uma atitude contra a guerra. São exatamente as imagens que estão fazendo a diferença.
O fato de a simples leitura dos nomes dos mortos num programa provocar esta polêmica indica uma sensibilidade muito grande ao tema, não?
BRASIL: Claro. A extrema-direita, por exemplo, acha que deveriam ser mostradas mesmo as fotos dos caixões porque é uma maneira de homenagear os que deram a vida pelo país. Essa é uma daquelas histórias em que o tiro sai pela culatra. A História prova que qualquer coisa que tenta impedir o trabalho da imprensa pode dar errado. Depois do 11 de Setembro está se vivendo um momento de luto, onde até a liberdade de imprensa está em jogo. Os EUA estão repensando as liberdades que fizeram esse país, mas eu sou otimista. A televisão está começando a dar sinais de rebeldia.’
Lisa DeMoraes
‘Repetidoras boicotam programa da CBS’, copyright O Estado de S. Paulo / The Washington Post, 1/05/04
‘A maior proprietária de estações repetidoras de televisão anunciou na quinta-feira que mandou suas oito afiliadas da ABC não levarem ao ar na sexta-feira o programa Nightline, no qual os nomes de centenas de soldados, homens e mulhres, americanos mortos no Iraque serão lidos enquanto suas fotos forem exibidas na tela.
‘A ação parece ser motivada por uma agenda política desenhada para minar os esforços dos Estados Unidos no Iraque’, diz uma mensagem divulgada pelo Sinclair Broadcast Group, baseado no Condado de Baltimore, no qual se anunciava também o boicote ao programa.
‘Acreditamos que a motivação (do âncora do Nightline, Ted Koppel) seja centrar a atenção somente nas pessoas que morreram na guerra para forçar a opinião pública no sentido de que os EUA devem sair do Iraque’, disse Barry Farber, vice-presidente e conselheiro-geral do Sinclair.
‘Se eles quisessem fazer um programa sobre se o custo desta guerra em vidas humanas vale a pena, para discutir essa questão e explicar o benefício do que (os EUA) estão fazendo e a que preço, e permitir às pessoas comentarem sobre isso, o debate público seria bem-vindo. Mas sem nenhum contexto e nenhuma discussão de por que estamos lá e por que essas vidas estão sendo sacrificadas, isso certamente vai influenciar as pessoas’, disse Faber.
Na quarta-feira, a ABC aprovou expandir o Nightline de ontem para 40 minutos para acrescentar fotos e nomes de mais 200 soldados americanos mortos em ações não hostis no Iraque, depois que parentes de alguns desses mortos reclamaram da intenção da emissora de omitir esses casos, informou o produtor do programa, Leroy Sievers.
O programa havia anunciado no começo da semana que, em por causa de restrições de tempo, a emissão incluiria apenas 500 soldados mortos em combate.
‘Eu recebi uma ligação do pai de um soldado que foi condecorado por bravura, mas foi morto em um acidente de caminhão quando voltava para a frente de combate’, escreveu Sievers no boletim diário de divulgação para a imprensa da CBS.
‘Este pai perguntou como podíamos não incluir seu filho e outros? A resposta foi que não podíamos.’ A ABC disse em uma declaração na quinta-feira que esta edição do Nightline tem o valor de ‘uma expressão de respeito que simplesmente procura honrar aqueles que deram suas vidas por este país’. A mensagem da divisão de jornalismo continua: ‘A ABC News é dedicada a cobertura reflexiva e equilibrada e reporta os acontecimentos que moldam nosso mundo sem medo nem favorecimento – como nosso público espera, merece e certamente exige.’.
Faber avalia que os espectadores afetados pelo boicote representam menos de 5% da audiência da emissora no país.’
Rafael Cariello e Vitor Paolozzi
‘TV dos EUA exibem tortura no Iraque’, copyright Folha de S. Paulo, 29/04/04
‘O programa 60 minutes, da rede de TV aberta CBS, com grande audiência nos EUA, exibiu ontem à noite fotos supostamente tiradas por soldados americanos de prisioneiros iraquianos sendo torturados na prisão de Abu Ghraib, no Iraque -a mesma em que Saddam Hussein torturou e executou prisioneiros por décadas, ressaltou o programa.
Especialistas em mídia ouvidos pela Folha acreditam que a imprensa dos EUA esteja adotando uma posição mais crítica em relação à guerra. Amanhã, a rede ABC vai dedicar todo o ‘Nightline’, outro programa popular, à leitura dos nomes de todos os soldados americanos mortos no Iraque.
A descoberta das fotos, disse o apresentador da CBS Dan Rather, levou o Exército americano a exonerar 17 soldados, dos quais seis serão levados a julgamento. Nas fotos, militares americanos riem para a câmera e fazem sinal de positivo ao lado de presos empilhados ou encapuzados.
O apresentador afirmou que investigações militares apontavam também para o uso de cachorros para ‘intimidação’. Foi citado um caso em que um prisioneiro teve um fio elétrico ligado aos órgãos sexuais; numa das fotos, propositalmente distorcida, prisioneiros aparecem simulando um ato sexual, supostamente sob pressão dos americanos.
Rather entrevistou por telefone um dos militares acusados, o sargento Chip Frederick. ‘Não tínhamos apoio nem treinamento, e continuei pedindo para meus comandantes estabelecerem regras, o que não acontecia’, disse Frederick. Ainda segundo o sargento, autoridades do Exército e membros da CIA e do FBI visitavam a prisão regularmente, que teria, segundo ele, 900 prisioneiros guardados por cinco soldados e dois civis. Ele disse só ter tido acesso à Convenção de Genebra, que trata dos direitos de prisioneiros, após ter sido afastado.
O programa foi pontuado por constantes comentários do general Mark Kimmitt, vice-chefe de operações dos EUA no Iraque. Ele disse estar chocado e pediu aos iraquianos e americanos que não julgassem o Exército a partir daquelas imagens: ‘Trata-se da ação de uma minoria muito pequena’.
Rather disse que o governo dos EUA havia pedido à emissora que, por conta do atual momento da Guerra do Iraque, adiasse o programa. O canal teria concordado, mas como imagens e notícias sobre o programa vazaram, decidiu mostrá-lo.
Durante a Guerra do Vietnã (1965-75), os movimentos de protesto contra o conflito tiveram um crescimento decisivo depois que a imprensa começou a mostrar imagens de violência e morte.
No mês passado, a Anistia Internacional denunciou que muitos ex-prisioneiros iraquianos acusaram as forças americanas de torturá-los durante interrogatórios. Segundo a Anistia, os iraquianos afirmaram que eram surrados, impedidos de dormir e expostos a música em alto volume.
Além dos programas da CBS e da ABC, o ‘Seattle Times’ publicou na semana passada fotos de caixões, cobertos com a bandeira dos EUA, de soldados mortos.
Esses eventos -e outros semelhantes, como a decisão cada vez mais comum de jornais publicaram fotos fortes- indicam que parte da mídia americana está mudando sua forma de cobrir a ocupação do Iraque.
‘Acho que foi alcançado um momento de virada, um momento estranho, quando, de repente, sem razões claras, nota-se que a opinião pública parece ter mudado. Parte da mídia está ficando mais agressiva [contra o presidente George W. Bush]. Há perguntas sendo feitas sobre as armas de destruição em massa, há o trabalho da comissão do 11 de Setembro’, disse Andie Tucher, ex-produtora da rede ABC e professora de jornalismo da Universidade Columbia.
Charles Eisendrath, diretor do programa de extensão para jornalistas Knight-Wallace Fellows, da Universidade Michigan, concorda com Tucher. ‘A percepção era que estava tudo indo bem. Agora, todos estão em um certo estado de choque. Há um crescente sentimento de que não estamos fazendo o serviço muito bem. Há ainda uma imensa impaciência em relação à idéia do governo de que não se deve mostrar os caixões dos soldados mortos que voltam para casa. E tenho certeza de que a mídia vai insistir na exibição das imagens’, afirma.
Hubert Brown, da Universidade Syracuse, acredita que a imprensa não tenha questionado devidamente os motivos apresentados por Bush para ir à guerra e, agora que as coisas não estão indo muito bem, procura distanciar-se do governo: ‘A mídia está começando a fazer as perguntas que devia ter feito há um ano: ‘Esse governo tem um plano para o pós-guerra? Para a entrega da soberania?’ Está ficando finalmente claro que eles parecem não ter plano nenhum’.
Pesquisas do instituto Gallup mostram que vem caindo a aprovação dos americanos à maneira como Bush lida com a situação no Iraque. Em pesquisa realizada há cerca de dez dias, o presidente teve uma aprovação de 48%. No começo de janeiro, estava em 61%. Há um ano, era de 76%. Agências internacionais’