Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Identidade polêmica e choque de versões

Bem sei que o tema já ocupou inúmeros espaços nas mais diferentes mídias. Todavia, nunca é demais contribuir com alguma recarga para aquilo que se apresenta com perfil polêmico. Refiro-me ao projeto do governo voltado para a implantação de uma nova emissora de TV. A proposta, vaga na sua intenção e na sua forma de divulgação, criou, nos mais distintos setores, reações tanto favoráveis quanto taxativamente contrárias. Confesso que, retirando excessos de ambas as partes, a discussão pode sobreviver em bases produtivas.

O primeiro ponto a causar incômodo para as hostes midiáticas da rede comercial foi a atmosfera dúbia que deixou no ar a incerteza quanto à identidade real que teria a emissora: pública ou estatal. A retórica em torno desse aspecto dual efetivamente não me oferece nenhum atrativo especial. Creio que o tema deva trilhar outros caminhos. O primeiro ponto seria indagar se, ante vicissitudes nacionais evidentes em todas as áreas de prestação de serviço, o gasto com a nova frente se justifica, no tocante a elenco de prioridades.

Superado o ponto das prioridades, o que fica, para o público, é a promessa de nova emissora de TV aberta, à altura de respeitar o público, oferecendo-lhe programação de efetivo teor cultural. Sob esse aspecto, cabe, por ora, ‘pagar para ver’. Não parece atitude sensata, a priori, condenar ou louvar. Aguardemos.

Uma coisa, porém, já serve para somar. A divulgação do fato gerou certo mal-estar na rede comercial. Por outro lado, afirmar que uma nova emissora pública, com subvenção estatal, é indispensável também não é o caso. Considerá-la como projeto desprezível é igualmente desaconselhável. O caminho que se apresenta, portanto, é o de permitir-se ‘passe livre’ e, depois, se for o caso, promover acirrada crítica ou registrar merecidos elogios.

Estranhos critérios

A considerar as experiências de TVs públicas existentes no país, quase se chega a uma avaliação pouco além de melancólica. A TV Cultura (SP), embora pudesse e devesse ir além do que vai, ainda confere ao telespectador razoável programação. Igual avaliação não se consolida quando, por exemplo, se constatam estranhas distorções numa TVE (RJ).

Alguém pode explicar por que um programa diário como [Re]corte Cultural ocupa horário nobre, com direito a reprise, às 00:10, para, somente após as 00:30, entrar no ar um programa como Espaço Público? Alguém pode justificar por que um programa como Observatório da Imprensa vai ao ar às 22h30 de terça-feira (23h40 na TV Cultura de São Paulo), com reprise na madrugada de quarta-feira? Alguém, em sã consciência, pode argumentar por que a TV Cultura exibe o programa Roda Viva, às segundas-feiras, a partir das 22h30, e o reprisa na madrugada da outra segunda-feira?

Algo está errado na elaboração dessas ‘grades de programação’. Será concebível, numa TV educativa, um programa como Cadernos de Cinema, que exibe filmografia nacional, seguida de comentários, vá ao ar nas altas madrugadas de sábado e domingo? Qual o critério? Em havendo algum, que razão obscura o sustenta? Na condição de cidadão, gostaria muito de receber explicações de suas respectivas direções, tanto da TV Cultura quanto da TVE.

Retomando, pois, o projeto de o governo federal instituir uma emissora (estatal ou pública), vale, ainda, pontuar que o nome do jornalista Franklin Martins, à frente do projeto, pode servir de alguma credencial. Não imagino, por ora, que o conhecido e competente jornalista seja capaz de emprestar seu nome (com sua trajetória) a algo que venha embaçar sua biografia com práticas delituosas. [Ver ‘Fala de Franklin vale pela atitude‘]

Enfim, por princípio, quanto mais ofertas de TVs públicas surgirem no país, tanto melhor para combater a indigência estética e conteudística que reina no nefasto leque das TVs comerciais abertas. Resta a aposta no escuro, sem descartar as respostas que, como cidadão-contribuinte, gostaria de receber dos responsáveis pelas direções das atuais TVs públicas, com relação aos critérios para a montagem de suas grades de programação.

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Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha, Rio de Janeiro)