Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Igreja Universal aumenta seu espaço

Em breve os ouvintes da emissora-líder entre as estações de amplitude modulada (AM) na Baixada Santista, a Cultura (930 kHz), ficarão parcialmente órfãos de sua programação costumeira. Radialistas e jornalistas que atuam nessa rádio dizem abertamente que, possivelmente ao fim da Copa do Mundo, 12 horas de sua programação diária, das 18h às 6h, serão arrendadas a um crescente império midiático. Aliás, a um reino: a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), pela não-oficial quantia de 60 mil reais mensais.

A Cultura tem sido líder de audiência há décadas, nas pesquisas de opinião, pela falta de concorrência. Das oito AM da região de Santos (SP), as rádios Universal (hoje, Nova), Clube, Anchieta e Cacique foram quase que completamente engolidas por denominações evangélicas – seja com o arrendamento ou o aluguel de horários na programação. Boa parcela dos programas da Atlântica sai do ABC paulista; a Tupi (do Grupo Comunicações Brasil Sat, CBS, dono de várias rádios também na capital) praticamente nada tem de atrações locais; a Guarujá, última do dial, ainda se mostra distante de igrejas, mas o que resta não é o melhor que poderia ser.

A reação aparentemente pouco surpresa de quem está dentro e fora da Cultura é sintomática: rádio AM, na Baixada, está a um passo de virar história, somente. Cai o número de ouvintes dessa faixa; o público mais jovem prefere o som limpo das FM e seus programas, mais sintonizados com eles; uma das emissoras de freqüência modulada tem sido há cerca de seis anos ocupada pela Rádio Bandeirantes de São Paulo, predominantemente informativa e de boa audiência (basta passar perto de um taxista, uma padaria ou uma oficina para escutá-la). O papel das AM está acabando: o espaço que lhes resta vem sendo tomado por cidadãos desqualificados e sem talento (expressam-se mal e falam incorretamente), mas com um mínimo de dinheiro para satisfazer seu próprio ego e bajular empresários e políticos, dos quais esperam ganhar alguma coisa. Se alguém os ouve, não é o mais importante.

Fui testemunha, em 1994, do que se poderia classificar como o fim da quarta emissora mais antiga do Brasil: a Rádio Clube de Santos, fundada em 26 de dezembro de 1924 (e desde 1926 com o mesmo diretor, Hermenegildo da Rocha Brito, que desempenhou o cargo por 67 anos). Até 1993, a Clube pertenceu ao ex-jogador de futebol Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Era a última das AM em audiência.

Uso antiprofissional

Entre maio e junho daquele ano, com nova proprietária (Maria Alice Antunes Álvares Affonso, cunhada do ex-senador paulista Almino Affonso), teve sua grade reformulada. A partir daí, manteve um departamento de jornalismo com equipes em três turnos. Alugavam-se, sim, alguns horários da madrugada, mas praticamente todos os que lá trabalhavam não pagavam para isso – um deles era eu, que atuei como radioescuta por cinco meses, em minha primeira atividade jornalística. Em seis meses, ficou atrás apenas da Cultura.

Às vésperas da campanha eleitoral de 1994, o radialista Hudson Marcondes me disse, em tom sarcástico: ‘Você está demitido’. Ri. ‘A Igreja Universal vai levar tudo’. Uma semana depois, em 6 de outubro de 1994, 50 pessoas éramos postas no olho da rua. Houve quem chorasse. Foi o fim do meu primeiro emprego. E não sei se Marcondes reagirá da mesma forma agora: coincidentemente, seu programa na Cultura está na faixa de horário a ser entregue à IURD.

O sobrado da Clube, na Rua José Cabalero, 60, no Gonzaga, em Santos, deu lugar a um flat. Os arquivos sonoros da Clube estariam no Museu da Imagem e do Som de Santos (Miss) e, se de fato existem, são os poucos registros de sete décadas de um trabalho pioneiro e reconhecido pelo poder público, ao menos, de duas formas: Rádio Clube é um bairro santista, e Jovino de Melo, o primeiro disc-jockey da emissora, foi homenageado ao se tornar nome de uma das mais importantes avenidas da Zona Noroeste da cidade.

Nada de saudosismo. O degringolar de emissoras que já foram o principal meio de informação para o povo é um sinal de que o fim de sua utilidade original, ao menos na Baixada, está próximo. É lastimável, porém, que não se respeitem os últimos tempos dessa velha senhora, outrora importante e agora relegada a algo talvez pior do que o esquecimento: o uso antiprofissional por quem quer brincar de locutor e não sabe quantos gostariam de estar em seu lugar para praticar nele um exercício diário de utilidade pública e apoio à população.

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Repórter do jornal Diário do Litoral, de Santos (SP), e do telejornal Band Cidade, da TV Bandeirantes