Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Igrejas na televisão, acesso e limites

Nos últimos anos, a televisão tornou-se um instrumento valioso e poderoso para a difusão da fé pelas igrejas. Estabeleceu-se a disputa pela angariação dos fiéis. Será que as igrejas podem acessar os canais de televisão? Entendo que, a princípio, a resposta é positiva. A Constituição tanto respeita a liberdade religiosa quanto garante a liberdade de comunicação social. É garantido o ‘livre exercício dos cultos’, bem como ‘na forma da lei, a proteção dos seus locais de culto e as suas liturgias’. Entendo que está amparada a transmissão ao vivo do culto, da pregação ou da missa quanto qualquer outra manifestação religiosa, ainda que gravada. Por isso há a proteção para que as igrejas tenham acesso à televisão.

Agora, será que as igrejas podem ser proprietárias de emissoras de televisão? A igreja é uma instituição dedicada ao exercício do culto e à propagação da fé. É uma associação privada sem fins lucrativos. Os fiéis fazem doações na expectativa de que o dinheiro seja aplicado no custeio da instituição e em obras de assistência social, por razões de solidariedade, caridade etc. Alguns, a bem da verdade, esperam algo em troca de sua fé. O problema é o desvio dos recursos dos fiéis para o enriquecimento privado dos gestores e controladores da igreja. Se configurada a coação psicológica para forçar a arrecadação de recursos, haverá séria ilegalidade.

Não é admissível que as igrejas possuam emissoras de televisão de natureza comercial, isto é, com finalidades lucrativas. A igreja não é um negócio, nem um instrumento para o enriquecimento privado. Ela não pode servir como plataforma eleitoral para candidatos a cargos públicos. Se uma determinada igreja criar e mantiver uma televisão comercial haverá desvio de finalidade. Os administradores que eventualmente pratiquem abusos na gestão da instituição devem ser punidos. Ora, se a TV é da igreja, então, obviamente, a programação deve ser compatível com a natureza religiosa. Ou seja, a programação deve estar voltada para o ensino da religião, da cultura, da informação e do culto.

Falta de limites

Existem limites para o acesso à televisão pelas igrejas. É que a televisão aberta utiliza-se da radiodifusão. Esta requer o uso das freqüências do espaço eletromagnético. As frequências constituem um bem público e escasso. Por que, ao invés de se conceder um canal de televisão para cada igreja, não se impõe um canal único a ser compartilhado entre todas? Com a tecnologia digital é perfeitamente possível combinar as diversas programações das diferentes organizações religiosas em um único espaço. Todas as religiões têm, a princípio, o direito constitucional de acesso à televisão. Assim, deve ser garantido o acesso aos católicos, protestantes, evangélicos, judeus, islâmicos, espíritas etc. Outros grupos sociais têm igual direito, tais como partidos políticos, sindicatos, empresas de comunicação, associação de cidadãos etc.

É fundamental que o Estado garanta a igualdade de oportunidades de acesso à televisão para todos os grupos sociais, sejam religiosos, sejam não religiosos. É necessário encontrar um ponto de equilíbrio nesta história. Como a atividade de televisão é um serviço público, o poder público tem o dever de regular e fiscalizar a utilização de canais de televisão e a compra de tempo de programação nas emissoras comerciais pelas entidades religiosas.

O Brasil vive uma mistura perigosa entre Estado e religião. Há uma confusão entre poder político e grupos religiosos que não é saudável para democracia. Isto ocorre, em parte, pela falta de clareza quanto aos limites quanto ao acesso pelas igrejas à televisão. É importante discutir estes limites, pois a lei que trata da radiodifusão é do ano de 1962. É um dispositivo totalmente desatualizado e em descompasso com a Constituição. A falta de limites precisos e seguros é prejudicial ao Estado Democrático de Direito. Cabe aos cidadãos a tarefa de cobrar urgentemente do Congresso Nacional o trabalho legislativo de qualidade. A aprovação de uma nova legislação para equacionar este sério problema significará um avanço histórico para a sociedade.

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Advogado, mestre em Direito (UFPR), doutor em Direito (USP), especialista em Regulação da TV Digital, autor do livro TV Digital e Comunicação Social (Fórum, 2008), Joinville, SC