O Centro Cultural Luiz Freire, de Recife (PE), vem monitorando os três maiores jornais pernambucanos (Folha de Pernambuco, Jornal do Comércio e Diário de Pernambuco) para alertá-los sobre erros e desrespeito aos direitos humanos em seus noticiários. Além de publicar críticas ao conteúdo dos impressos, o Ombuds PE, como é chamado o projeto, envia mensagens para as redações quando percebe que algo pode ser melhorado, tanto nos textos quanto no tratamento das fotos. O projeto faz parte do programa de comunicação do Centro.
O monitoramento começou a ser posto em prática no começo do ano. Desde então, dois jornalistas e duas estagiárias lêem atentamente todas as páginas dos jornais e procuram deslizes. Antes mandavam mensagens eletrônicas para os jornalistas ou ligavam para as redações alertando sobre os erros, mas o volume de mensagens começou a ficar grande demais à medida que se aprofundavam nas questões. ‘O diálogo ficou muito grande, por isso decidimos abri-lo a todos’, conta Ivan Moraes, um dos jornalistas responsáveis pelo monitoramento.
Decidiram, então, escrever suas análises em um blog (ferramenta que torna possível publicar com rapidez textos e fotos na Internet e abrir espaço para comentários de leitores. O link está ao lado). A escolha do formato, segundo Moraes, foi feita pela ausência de custo de manutenção da página e pela possibilidade de interação com o público leitor. ‘Temos poucos recursos e, com o blog, qualquer um pode dar pitaco’, afirma.
A maior parte das críticas é destinada à presunção de culpa de envolvidos em assassinatos, a manchetes equivocadas, atraso em cobertura de casos importantes, parcialidade exagerada, manipulação de fotos, confusão de nomes e cobertura enviesada de problemas como moradia e racismo. Um exemplo é o texto datado de 21 de junho. Ele critica o uso da palavra ‘menor’ em uma série de reportagens do Jornal do Comércio sobre unidades de internação para adolescentes e crianças: ‘A galera das redações pode até achar que é picuinha, bobagem. Mas a gente insiste em pedir uma reflexão. Vejam o que o termo ‘menor’ representa. Adolescentes da classe média nunca são tratados por esse nome. Nem crianças que não estão envolvidas com violência e contravenção. A gente nunca ouve falar de ‘menores se divertindo e jogando futebol na escola tal’. Chamar um menino de ‘menor’, embora não tire o brilho da reportagem, coloca-lhe um rótulo na testa que é muito difícil de ser retirado. Como sugestão, ‘menor infrator’ pode virar ‘criança ou adolescente em conflito com a lei’ sem nenhum prejuízo ao texto’.
Consolidar e divulgar
Como se pode perceber, as críticas são, em geral, acompanhadas por sugestões. Até porque, como ex-empregados dos próprios jornais, tanto Ivan Moraes quanto Rosário de Pompéia, a outra responsável pela página, conhecem o dia-a-dia da profissão. ‘Já trabalhei na grande imprensa e sei que é tudo muito corrido e competitivo’, diz o jornalista. Como exemplo dessas características, ele cita o episódio no qual um amigo fotógrafo entrou na casa de uma família e tirou foto de um de seus integrantes, que havia sido morto com um tiro na cabeça. ‘Perguntei por que tinha feito aquilo, se a família havia pedido várias vezes para que não entrasse’. A resposta, conta, foi simples: ‘Também não gostei de ter feito aquilo, mas precisava voltar à redação com meu trabalho feito’. O questionamento feito por Moraes é se seu colega teria entrado na residência de algum morador de classe média ou alta de Recife.
A amizade, ressaltam, é importante para que as críticas sejam bem aceitas. ‘No começo ficamos um pouco receosos, pois é típico do jornalista ser um pouco arrogante’, diz Moraes, que se alegra ao ver a receptividade de seus colegas em relação a suas críticas. ‘Ninguém entra para atacar o trabalho de ninguém, mas para tentar melhorar. Estamos na rede há duas semanas e ainda não temos o número de acessos, mas já há um burburinho’. Ele se refere às mensagens recebidas por jornalistas e leitores comentando seus textos. De acordo com suas contas, são de cinco a dez por semana.
Os ombudsmen recifenses gostam quando os alvos de suas críticas respondem os comentários, pois assim um debate é gerado. Segundo eles, o fomento de discussões nas redações é seu principal objetivo. Tanto que já se ofereceram diversas vezes para dar palestras para os funcionários dos três jornais, mas até agora nenhum convite foi feito. Isso dificultaria a melhoria da formação dos jornalistas, que, segundo Moraes, é deficiente desde a faculdade. ‘Não tivemos nenhuma cadeira que abordasse direitos humanos’, reclama, para depois dizer que as redações pecam ao não discutirem o próprio noticiário. Sua equipe já se ofereceu para dar palestras e oficinas, mas até o momento não houve nenhuma resposta formal.
O objetivo do Centro Cultural Luiz Freire, agora, é consolidar o trabalho e divulgá-lo em escolas e faculdades da capital pernambucana, além de envolver outras equipes no monitoramento dos meios de comunicação. Ao todo, são mais de 50 pessoas envolvidas nos programas ligados à defesa da democratização dos meios de comunicação. ‘Queremos fazer um boletim impresso, pois a Internet ainda é muito restrita’, diz Moraes.
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Da equipe da Rets