Os jornais fazem uma cobertura irregular e bissexta do caso que envolve a formação de um suposto esquema de propinas que, hipoteticamente, tem atrasado e provocado o encarecimento das obras do sistema de transporte sobre trilhos em São Paulo. Em algumas circunstâncias, o noticiário se refere ao “cartel da Siemens”; em outras, concentra-se em denúncias envolvendo a empresa francesa Alstom – e o leitor vai sendo conduzido em círculos, sem que a imprensa procure o ponto central da questão.
E qual seria esse ponto?
Na quinta-feira (6/4), os jornais informam que as duas principais empresas envolvidas no escândalo usaram firmas de fachada, sediadas no Uruguai, para pagar propinas dissimuladas em contratos de consultoria. No entanto, essa informação é velha, nascida em uma investigação feita pela Polícia Federal em 2008. A novidade é a revelação de que, desde então, o Ministério Público Federal em São Paulo tem dormido em cima do inquérito.
O ponto que deveria estar atiçando a curiosidade dos jornalistas é: quem se beneficia com a negligência de alguns procuradores?
Os dois principais jornais paulistas demonstram maneiras diferentes de interesse em tratar dessa sonolência dos promotores: a Folha de S.Paulo se concentra numa disputa entre a Procuradoria Geral do Estado e o Ministério Público, citando o fato de que a Procuradoria, sob orientação do governador Geraldo Alckmin, processou apenas as empresas acusadas de cartel, deixando de fora da denúncia os servidores e ex-assessores do governo suspeitos de operar o esquema das fraudes.
Já o Estado de S. Paulo foi ouvir autoridades uruguaias responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro e revela que o Ministério Público em São Paulo nunca pediu esclarecimentos sobre a suspeita envolvendo as duas multinacionais instaladas no centro do escândalo. Segundo a fonte citada pelo jornal, bastaria um pedido bem fundamentado para os investigadores brasileiros terem acesso a dados financeiros que comprovariam o uso de firmas de fachada para pagamento de propina. Em alguns casos, a informação poderia ser obtida em questão de horas, o que aumenta as suspeitas sobre os procuradores que engavetaram o caso durante seis longos anos.
Um caso de amnésia seletiva
O noticiário coloca no centro dessa articulação para retardar o inquérito o procurador Rodrigo de Grandis, que demonstra grande disposição para o trabalho, mas tem sido citado pela imprensa como vítima de estranho caso de amnésia: ele já “esqueceu” em suas gavetas pedidos do governo da Suíça para investigar a Alstom, deixou no arquivo morto uma lista de autoridades, empresários e lobistas citados em investigações sobre o setor de energia, e agora aparece como tendo se omitido também na tarefa de apurar as operações financeiras feitas no Uruguai pela suposta quadrilha.
Interessante comparar a cobertura da imprensa sobre a atuação do procurador paulista com o massacre a que foram submetidos o delegado Protógenes Queiroz e o juiz federal Fausto Martin de Sanctis no caso Satiagraha.
Por tudo que a imprensa informa que ele deixou de fazer, há muito o procurador Rodrigo de Grandis deveria ter seu perfil analisado pelos jornalistas. Por que ele é poupado?
Uma resposta grosseira, rude e nascida de pouca reflexão seria: porque ele seria a chave para compreender o esquema que domina o governo paulista há vinte anos, e que tem como uma de suas consequências o sufoco que se impõe diariamente aos usuários do sistema dos trens metropolitanos e do metrô de São Paulo.
Outra resposta poderia ser: o procurador está assoberbado de trabalho, e alguns dos casos que lhe foram atribuídos inevitavelmente sofrem atrasos. Mas essa alternativa exigiria um grau de candura que não combina com o jeito de ser dos jornalistas, treinados na arte da desconfiança – De Grandis precisaria de um apoio poderoso para obstruir um caso dessa envergadura.
Coincidentemente, as informações que faltam supostamente conduziriam à conclusão de que estamos diante de um escândalo de proporções gigantescas, envolvendo personalidades do maior partido de oposição.
Colocados sobre a mesa, os fragmentos do noticiário induzem o leitor mais desconfiado a enxergar o roteiro de um assalto sem precedentes ao Erário, organizado e persistente, com elementos dignos de uma história da máfia. Mas, andando em círculos, a imprensa não parece disposta a chegar ao epílogo.