Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Infoglobo faz acordo e evita condenação

A Folha de S.Paulo publicou na sexta-feira (6/9) a notícia de que a Infoglobo Comunicações S.A – empresa proprietária dos jornais O Globo, Extra e Expresso da Informação, além do Valor Econômico, no qual tem parceria com a própria Folha – foi obrigada a fechar um acordo com o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para evitar uma condenação por concorrência desleal.

Descontando-se o fato de que a Folha omitiu seu interesse no caso, como sócia da Infoglobo no Valor, trata-se de fato raro, nos tempos atuais, em que um jornal brasileiro se refere, ainda que indiretamente, à questão da propriedade cruzada dos meios de comunicação.

A Infoglobo foi levada a assinar um Termo de Compromisso de Cessação de Prática no dia 28 de agosto, para evitar uma condenação por crime contra a ordem econômica (art. 4o., I, da Lei 8137, modificada em 2011).

(Observe-se que, na mesma semana, três dias depois, o Globo publicava seu mea culpa por haver apoiado o golpe militar de 1964; ver aqui.)

A empresa estava na iminência de ver cumprida uma recomendação de condenação feita no ano passado pela extinta Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que foi incorporada ao CADE, autarquia que integra o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

A corporação de jornais do grupo Globo começou a ser investigada em 2005, após queixas do Jornal do Brasil e O Dia. A prática que levou à iminência da condenação da Infoglobo é a velha e boa chantagem contra o anunciante: o departamento comercial se valia da posição privilegiada do grupo no mercado do Rio de Janeiro e oferecia preços que não podiam ser acompanhados pela concorrência.

Além de vincular a concessão de descontos conforme a porcentagem da verba de publicidade dirigida ao Globo, Extra e Expresso, o que levava a acordos de exclusividade, a empresa ainda oferecia vantagens na veiculação de anúncios na Rede Globo de Televisão. Em alguns casos, o anúncio classificado distribuído para os três jornais custava, no total, menos do que o preço de tabela de apenas um deles.

Por conta dessa prática lesiva à concorrência, o grupo Globo conquistou um poder de mercado incompatível com o equilíbrio esperado em condições de livre competição.

Para fugir da condenação, a organização concordou em pagar ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, criado para reparar danos à cidadania por infração contra a ordem econômica, uma indenização no valor de pouco mais de R$ 1,94 milhão. Os termos do acordo podem ser lidos em nota oficial da Infoglobo (ver qui) publicada no site da empresa.

Ainda o tartufismo

Interessante notar que a Folha publica a notícia mais de uma semana depois do fato ocorrido e somente após a própria Infoglobo ter cumprido a exigência de divulgar a íntegra do acordo em dois de seus jornais.

A punição já havia sido noticiada pelo site advivo.com.br, do jornalista Luís Nassif, no mesmo dia da decisão, 28 de agosto; saiu no site especializado em tecnologia da informação telesintese.com.br no dia seguinte e, no dia 2 deste mês, também no portal comuniquese.com.br.

 O corporativismo da mídia tradicional vem produzindo, nos últimos anos, uma circunstância que em muitos aspectos contraria os valores defendidos pela própria imprensa, no que se refere à liberdade dos mercados.

Há cerca de vinte anos, os principais jornais brasileiros, mais o argentino La Nación, começaram a afinar seus interesses e aparar as arestas, compondo o consórcio que veio a se chamar Grupo de Diários América, uma versão mais exclusiva da Sociedade Interamericana de Imprensa, mas dirigida a questões comerciais. Essa associação passou a defender, no Brasil, os interesses específicos do Globo, Folha e o Estado de S.Paulo. A confraria acabou prejudicando outras empresas jornalísticas, como o Jornal do Brasil, nos anos seguintes, e contribuiu para abortar novos empreendimentos no setor.

Com 70% do mercado publicitário do Rio, e tendo apenas a Via Dutra como saída para sua expansão, o grupo Globo entrou no mercado paulista ao adquirir o Diário de S.Paulo e ao se associar à Folha para criar o Valor Econômico.

O caso que levou ao acordo da Infoglobo com o Cade é inédito e pode abrir um precedente para a discussão das verdadeiras condições em que atuam as empresas de comunicação no Brasil.

Na quinta-feira (5/9), observamos como a defesa da livre concorrência e o apego da mídia tradicional aos dogmas do mercado lembram o personagem central da célebre obra de Molière, “O Tartufo, ou o Impostor” (ver “O tartufismo da imprensa“).

Apanhado em práticas pouco honestas, o mais poderoso conglomerado de comunicação da América Latina se revela tão hipócrita quanto um carola de comédia.