Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Informação para combater a inflação





Pesadelo da população brasileira nos anos 1970 e
1980, a inflação volta às manchetes dos jornais. Na década de 1980, em uma
semana, os produtos podiam subir tanto quanto sobem em um ano nos dias de hoje.
No final daquela década, a hiperinflação chegou a 1973% ao ano. Em março de
1990, a taxa alcançou uma cifra assustadora: 82% em trinta dias. Com o Plano
Real, lançado pelo governo Itamar Franco no final de 1993, a economia do país
foi estabilizada sem congelamento de preços ou outras medidas econômicas
artificiais. A alta de preços ficou para trás e parte dos


consumidores de hoje não se
recorda dos anos em que as máquinas etiquetadoras de preço trabalhavam
freneticamente. Mas, aos poucos, a inflação volta a ser tema das conversas e já
atinge as contas dos trabalhadores, sobretudo dos mais pobres. O Observatório
da Imprensa
exibido ao vivo na terça-feira (5/4) pela TV Brasil discutiu a
cobertura da mídia na volta da inflação e de que forma os meios de comunicação
podem contribuir para que os índices estacionem.

Para debater o papel da imprensa nesta questão, Alberto Dines recebeu no
estúdio do Rio de Janeiro Luiz Roberto Cunha, especialista em análise e
acompanhamento da inflação. Professor do Departamento de Economia e Decano do
Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio, foi responsável pelo controle de preços
no Brasil no período inicial do Plano Cruzado. Em São Paulo, participaram os
jornalistas Vinicius Torres Freire e Pedro Cafardo. Colunista do jornal Folha
de S. Paulo
, onde escreve sobre assuntos econômicos e políticos, Torres
Freire foi secretário de Redação do jornal e editor de Economia, de Opinião, de
Ciência e correspondente em Paris. Pedro Cafardo é editor-executivo do jornal
Valor Econômico desde sua fundação, em 2000. Diariamente, faz um
comentário na Rádio CBN sobre as principais reportagens de economia do
Valor. Foi editor-chefe e editor de Economia do Estado de S.Paulo,
repórter e editor de Economia da Folha de S.Paulo, editor de Nacional da
Gazeta Mercantil.


Antes do debate ao vivo, em editorial, Dines comentou que a mídia pode ser
decisiva nesta conjuntura. ‘Nossa inflação está muito longe de ser classificada
como galopante, no máximo vai num trote. Mas este trote pode desembestar’,
advertiu. Dines destacou que não é suficiente apenas informar o movimento dos
índices porque a elevação dos preços se processa nos planos macroeconômico e
microeconômico. ‘É justamente neste nível cotidiano que a mídia tem um
importantíssimo papel educativo e cívico’, disse.


Para Dines, a imprensa pode chamar a atenção do cidadão para os riscos do
consumo desenfreado e do endividamento, mas entraria em choque com os interesses
dos anunciantes. ‘Em favor da nossa mídia é importante registrar o saudável
ceticismo que os principais veículos do país exibiram nas edições de hoje. Ao
invés de rejubilar-se com a melhoria da nota concedida pela agência de
classificação de riscos Fitch, mostraram-se preocupados com os efeitos perversos
desta, que, em tempos normais, seria uma boa notícia’, avaliou.


Batalha diária


Ainda antes do debate no estúdio, o Observatório exibiu uma reportagem
com diversas opiniões. Para o jornalista e consultor Altamir Tojal, a imprensa
precisa deixar claro quem ganha e quem perde com a alta dos preços. ‘Se trata
isso como se fosse uma questão técnica, de métodos científicos, para acabar com
a inflação. Não está se dando a devida atenção a este jogo e ganhadores e
perdedores’, criticou Tojal. Ele destacou ainda que a mídia deveria focar na
perda moral e não apenas a material, decorrente da inflação, e que o assunto
deveria ser tema de reportagens rotineiramente porque é muito grave. E a
informação deve ser passada sem o receio de que possa levar a uma crise. Maria
Isabel Hammes, editora-executiva de Economia do jornal Zero Hora,
comentou que á obrigação da imprensa levar a questão da inflação para os
leitores. A editora garantiu que o assunto estará nas páginas do jornal
diariamente enquanto a ‘batalha’ não for vencida.


Carlos Alberto Sardenberg, jornalista da rádio CBN, do jornal O Globo
e da Globonews, disse que a imprensa deve oferecer as informações corretas e de
forma responsável, sem apelar para o sensacionalismo, e evitando o viés
partidário. ‘Eu acho que dando a informação boa, de um lado, aumenta a
preocupação das pessoas que se informam sobre uma situação mas, por outro lado,
ajuda a alertar’, disse o jornalista.


Para Marco Antônio Reis, editor de Economia do jornal O Dia, a mídia
precisa, de início, esclarecer a população sobre a inflação. ‘Muita gente que
circula no mercado, que compra e vende, não tem a memória da inflação, não sabe
do que se trata’, comentou. Em um segundo momento, a mídia deve acompanhar a
movimentação dos índices e mostrar quais produtos ou serviços estão contribuindo
para a alta dos preços.


No debate ao vivo, Dines perguntou a Pedro Cafardo o que a imprensa pode
fazer para mostrar à classe média como este setor da sociedade pode agir para
diminuir a pressão inflacionária. Cafardo avaliou que a imprensa brasileira tem
uma visão conservadora sobre as questões monetárias e ponderou que há ‘uma certa
histeria’ da mídia sobre a inflação. ‘Eu não acho que nós estamos caminhando
para nenhum desastre inflacionário. Eu acho que às vezes isso tem sido
‘pintado’. O que está acontecendo é o impacto de uma inflação internacional’,
sublinhou Cafardo. A previsão de inflação de 6,2% este ano para o Brasil, se
comparada com outros países, não é uma ‘aberração’ e está seguindo uma tendência
mundial. Na opinião do jornalista, o panorama dos anos 1980 não irá se repetir
porque naquele momento havia outros fatores, como a indexação, que contribuíram
para a hiperinflação. A imprensa tem se mostrado alinhada ao que pensa o mercado
financeiro – aos economistas dos grandes bancos que são entrevistados
diariamente pelos jornais –, mas uma cobertura alarmista, na avaliação de
Cafardo, poderia desaquecer a economia do país e levar a problemas graves.


Novo panorama


O professor Luiz Roberto Cunha sublinhou que não existe o risco de uma volta
ao passado. Em outras ocasiões após o Plano Real houve uma grande aceleração
inflacionária e desvalorização cambial, como em 1999 e 2003, mas o Banco Central
atuou de maneira rígida. ‘O que me parece que hoje está criando um pouco de
ruído na comunicação e, obviamente a imprensa participa deste ruído, é que de
certa forma está havendo uma mudança na atitude do Banco Central, e do governo
de uma forma geral, em relação à forma de ação. Esperava-se, eventualmente, que
o Banco Central fosse repetir aquela dose de dureza em termos de política
monetária’, explicou Luiz Roberto Cunha. O professor acredita que, desta vez, o
Banco Central irá trabalhar com um horizonte mais longo para voltar à meta de
4,5% ao ano. ‘Isso é o que tem acirrado algumas críticas e a imprensa,
obviamente, acaba acolhendo e concordando’, disse. Para o professor, a situação
brasileira é reflexo do panorama internacional, fruto de uma política monetária
‘frouxa’ adotada pelos Estados Unidos e pela Europa para sair da crise
financeira desencadeada em 2008.


Dines perguntou a Vinicius Torres Freire o que a imprensa pode fazer no
sentido de preparar o cidadão médio para encarar a possibilidade da volta da
inflação. ‘A gente não têm muito o que fazer, não. Eu acho que se a gente
insistir muito na tecla de que vai haver uma inflação grande a gente pode até
passar uma idéia errada do que está acontecendo. Obviamente, a inflação está
alta, mas está alta no padrão do Brasil novo e não dos tempos da hiperinflação.
Então, se você começar a dizer que a inflação está descontrolada, vai dar a
impressão de que está acontecendo um descontrole e não está acontecendo
exatamente um descontrole’, destacou o jornalista. Uma inflação de 6% é
preocupante porque pode gerar indexação, mas não é grave como em outros países
como Argentina e Venezuela. ‘A gente têm que acompanhar isso, debater as
políticas econômicas, avisar às pessoas que têm problemas no controle da
inflação, que tem um debate sobre o que fazer a respeito dela, mas falar de
inflação no modo como se falava há 15 anos é até um pouco de alarmismo’,
avaliou.


Pedro Cafardo destacou que a imprensa pode ter um papel importante no
esclarecimento sobre o risco da indexação indiscriminada. Nos anos 1980, a
correção monetária foi a grande vilã. ‘O combate importante que a gente pode ter
é explicar para a população que a indexação não é um caminho bom para a economia
brasileira. Os sindicatos começam a pedir a indexação dos salários. Seria muito
legal reajustar os salários sempre de acordo com a inflação, mas não dá’,
explicou Cafardo. O professor Luiz Roberto Cunha relembrou uma frase do
economista Roberto Campos, que trouxe a correção monetária para o Brasil: ‘‘Eu
criei um carneiro que se virou um bode’’. Cunha ponderou que não existe no
momento uma indexação ampla, mas a sociedade brasileira – mesmo quem não tem a
memória da hiperinflação – está habituada a ela. ‘O conjunto tem que ser
observado porque você não pode ficar repassando [a inflação] para tarifas
públicas, para salários, para preços em geral’, alertou.


O fantasma da indexação


O Observatório discutiu até que ponto a imprensa determina o
comportamento do consumidor. Para Vinicius Torres Freire, os jornalistas podem
observar e comentar o problema da indexação, mas, na prática, o empresário vai
aumentar o preço dos produtos, independente do noticiário, se houver condições
econômicas para isso. ‘Se tem gente podendo pagar e escassez [de produtos e
serviços], o empresário vai cobrar mais, independente da mídia’. Na avaliação de
Cafardo é a demanda, e não a imprensa, que vai determinar os preços. Para o
representante do Valor Econômico, a imprensa pode vigiar setores
oligopolistas para que não façam reajustes indevidos. O professor Luiz Roberto
Cunha destacou que o Brasil já controlou preços, como na década de 1980, mas não
resolveu o problema da inflação com esta medida.


Um telespectador perguntou como a mídia, sobretudo a televisiva, pode tornar
transparente o fantasma inflacionário se há financeiras – que cobram juros
extorsivos – pagando anúncios em horários nobres. Pedro Cafardo destacou que o
Banco Central está mudando a sua atuação, não sendo tão ortodoxo quanto no
governo anterior. Agora, o governo não está subindo os juros, já exorbitantes,
na proporção que o mercado gostaria. ‘A imprensa é um pouco conivente com isso
porque as principais fontes da imprensa são do mercado financeiro, são os
economistas de bancos, ouvidos preferencialmente pelos jornalistas, e que fazem
a análise do contexto monetário brasileiro’, criticou o jornalista. Vinicius
Torres Freire concordou. ‘A gente podia fazer uma forcinha para ouvir menos os
‘amigos’ dos bancos – a gente não precisa ouvir necessariamente sempre eles – e
criticar o que ele dizem porque a gente têm condição de fazer’.


 


 


***


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº
587, no ar em 5/4/2011


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Ela já foi chamada de hidra, dragão, fantasma, pesadelo. A inflação é tudo
isso e muito mais. Quando o dinheiro se desvaloriza, tudo se desvaloriza e a
mídia pode ser decisiva para evitar que o espiral nos conduza ao ralo.


Dezesseis anos depois, ei-la de volta às manchetes. Nossa inflação está muito
longe de ser classificada como galopante, no máximo vai num trote. Mas este
trote pode desembestar.


Nossa mídia está muito atenta às ameaças inflacionárias, os mecanismos de
acompanhamento criados pelo governo são muito precisos, confiáveis e sobretudo
transparentes – ao contrário da Argentina –, mas não adianta noticiar apenas o
movimento dos índices e taxas. A inflação se processa no plano macroeconômico
mas também no microeconômico. É justamente neste nível cotidiano que a mídia tem
um importantíssimo papel educativo e cívico.


Governos, em geral, gostam do consumismo desenfreado, os bancos também, a
inflação mais ainda. A imprensa tem condições de alertar o cidadão para os
perigos de gastar mais do que ganha, apostar no crédito fácil e torrar
poupanças. Mas para botar a boca no trombone a mídia fatalmente colidirá com os
interesses da indústria, do comércio e dos serviços. ‘Pense antes de gastar’
seria o mote de uma campanha que os anunciantes detestariam.


Em favor da nossa mídia é importante registrar o saudável ceticismo que os
principais veículos do país exibiram nas edições de hoje. Ao invés de
rejubilar-se com a melhoria da nota concedida pela agência de classificação de
riscos fitch, mostraram-se preocupados com os efeitos perversos desta, que, em
tempos normais, seria uma boa notícia.


Se a mídia americana tivesse sido mais sensível à exuberância do mercado
imobiliário, o mundo não teria passado por tantos sobressaltos desde 2008.