Para o bem ou para o mal, pode-se dizer que o Brasil é um país onde ninguém morre de tédio, assertiva facilmente constatável por quem se der ao trabalho de fazer uma retrospectiva do noticiário político, policial – estes dois não raro associados –, e geral. Até recentemente, o grande tema que suscitava fortes emoções era a economia, cujos malfeitos passados parecem ter agora inspirado a Grande Nação do Norte e outras.
Vinte anos após a promulgação da Constituição Cidadã, no entanto, a censura é uma assombração recorrente, resistente aos mais renhidos exorcistas.
Tentativas de calar a mídia que partiram de certos setores da sociedade, como a Igreja Universal, naquela inacreditável avalanche de processos movidos contra a Folha de S.Paulo, ou a investida do Conselho Regional de Medicina (Cremesp) contra o Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde, que resultou na literal censura antecipada daqueles veículos, em que pese o ineditismo de tais deploráveis empreitadas, não chegam a surpreender.
O risco de cair no ridículo
Há bem poucos dias, o presidente Lula, numa indigesta intromissão em outro poder, manifestou desagrado com a transmissão na íntegra das sessões do STF através da TV Justiça, chegando ao requinte de sugerir que passassem a ser editadas.
Não bastassem esta e tantas outras diatribes presidenciais contra a mídia, vem agora o Ministério da Justiça, a pedido de Lula, apresentar ao Congresso um projeto de lei que altera o artigo 151 do Código Penal, introduzindo a punição de jornalistas que divulgarem o conteúdo de informações protegidas por decreto de sigilo eventualmente ‘vazadas’, numa escandalosa violação das garantias constitucionais.
Ainda assim, tudo o que foi dito acima são ninharias em comparação à surpreendente sugestão de ninguém menos que Nelson Jobim, ex-ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), de ‘relativizar’ (leia-se restringir) a imprensa em seu direito de resguardar o sigilo de suas fontes e, como se isso fosse pouco, proibir a imprensa de divulgar informações oriundas de escutas.
Autoridades que defendem tais absurdos correm o risco de cair no ridículo. Tal foi o caso do juiz espanhol que tentou censurar o diário El País, o qual divulgara em sua edição eletrônica o vídeo do avião que se acidentou no aeroporto de Barajas, na cidade de Madri, em 20 de agosto.
Direito à informação
Numa decisão ingênua na qual demonstrou desconhecer o funcionamento da internet, o juiz Juan Javier Pérez Pérez, do 11º Juizado de Instrução de Madri, mandou que o diário cessasse a veiculação do filme, que mostra o jato MD 82 da empresa Spanair, filmado a razoável distância, se estatelando num barranco, segundos após a decolagem, e entregasse ao Juizado todas as cópias do filme em seu poder.
Em enérgico editorial intitulado ‘Al juez, su tarea’, que pode ser traduzido livremente para ‘Que o juiz atenha-se às suas atribuições’, El País se defende dizendo que não se pode impedir aos cidadãos o acesso a imagens que já foram vistas por diversas autoridades e pelo rei da Espanha, antes do juiz. E prossegue lembrando que um decreto judicial não se sobrepõe à liberdade de imprensa, garantida pela Constituição.
A falta de conhecimento do magistrado acerca do funcionamento da rede mundial de computadores foi desnudada pelos editores, ao lembrarem que o vídeo, àquela altura, já havia sido reproduzido por inúmeros jornais estrangeiros editados em língua espanhola, blogs e outros sites mundo afora.
Além de tudo isso, o filmete, que nada tem de sensacionalista, não mostra cenas de corpos despedaçados nem os destroços do avião. Exibe, apenas, a aeronave decolando e imediatamente caindo na pista, percorrendo-a e, afinal, explodindo, à distância de centenas de metros.
O editorial termina dizendo que o juiz deve dedicar-se à sua obrigação; investigar as causas do acidente que causou a morte de 154 pessoas e ao estabelecimento das responsabilidades, e não interferir no trabalho de um jornal e no direito da sociedade à informação.
Graças à tecnologia, restringir o acesso das pessoas à informação vai-se tornando uma empreitada cada vez mais espinhosa.
É conveniente lembrar que nada disso impede os órgãos policiais de investigar e identificar os autores de crimes cibernéticos, sempre passíveis de ser rastreados.
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Administrador de empresas