Pela segunda vez em menos de uma semana, um tribunal argentino declarou serem inconstitucionais artigos da Lei de Mídia, com a qual a presidente Cristina Kirchner e seu marido, o ex-presidente e atual deputado Néstor Kirchner, pretendiam limitar a atuação dos principais meios de comunicação críticos ao governo.
Segundo o juiz federal Miguel Antonio Medina, da Província de Salta, seis artigos dessa lei não estão de acordo com a Constituição argentina. A decisão foi emitida em um processo aberto pelo Comitê de Defesa do Consumidor (Codelco) da Província de Salta e bloqueia a aplicação de vários pontos da lei que – segundo a oposição e as empresas de mídia – limita a liberdade de imprensa no país.
Até membros do governo admitem que o principal alvo da Lei de Mídia é o Clarín, a maior holding multimídia da Argentina. Por causa da decisão de Medina, entre os artigos dessa lei que não poderão ser aplicados está o que determinava que uma empresa de mídia não poderia ter um canal de TV a cabo e um de TV aberta na mesma cidade – caso do Grupo Clarín.
Será suspenso ainda o artigo que obrigava empresa nessa situação a vender todas as suas emissoras, menos uma. E também os que impediam emissoras de rádio que fazem parte de uma rede de transmitir mais de 30% de seus conteúdos comuns.
Na semana passada, o juiz federal Edmundo Carbone, em um processo aberto pelo Grupo Clarín, também havia declarado inconstitucional dois artigos da Lei de Mídia: um que limitava os direitos adquiridos pelos donos das licenças de meios de comunicação e outro que complicava a venda dessas licenças.
Além disso, na sexta-feira (18/12) a Câmara de Apelação Cível e Comercial Federal argentina anulou a suspensão da fusão das duas empresas de TV a cabo do Grupo Clarín, a Cablevisión e a Multicanal. A fusão havia sido suspensa na semana anterior por ordens de Cristina. Autoridades do governo dos Kirchners dizem que os juízes argentinos estão sendo pressionados por grupos de ‘grande poder econômicos’.
Mídia estatal
De acordo com o jornal La Nación, que diz ter tido acesso a um relatório confidencial, o governo argentino pretende lançar um ‘grupo multimídia kirchnerista’, abrindo dez TVs estatais até junho. O governo também teria planos para montar 40 antenas retransmissoras em todo o país para que as TVs cheguem a todo o território nacional. Um dos canais seria a Télam TV, ligada à agência estatal de notícias Télam.
O casal Kirchner está em pé de guerra com o Clarín desde o ano passado. Em diversas ocasiões, Cristina disse ser vítima de um ‘fuzilamento midiático’ por parte do jornal do grupo, que tornou-se a principal fonte de denúncias de casos de corrupção no governo. Nos últimos meses, o casal Kirchner implementou diversas medidas para limitar o poder do grupo, entre elas a aprovação da Lei de Mídia e ações fiscais e administrativas contra a empresa.
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Kirchners voltam à carga contra Clarín
Ariel Palacios # reproduzido do Estado de S.Paulo, 17/12/2009
Em mais um golpe contra o Grupo Clarín, o governo da presidente argentina, Cristina Kirchner, declarou a suspensão da fusão entre as empresas de TV a cabo Cablevisión e Multicanal. A fusão das empresas – com a aquisição da Multicanal pelo Clarín – tinha sido autorizada em 9 de dezembro de 2007, nos últimos dias do governo do marido de Cristina, o ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007).
Na ocasião, Kirchner permitiu que o Grupo Clarín obtivesse o controle de 50% do mercado de TV a cabo na Argentina. A suspensão da fusão decretada pela comissão terá duração de 60 dias. Nesse período o organismo analisará quais serão os passos a seguir: o cancelamento formal de uma fusão que, na prática, funciona há dois anos ou manter a situação anterior ao decreto. No primeiro caso, abriria-se a incerteza jurídica sobre a propriedade da empresa comprada pelo Clarín.
Os Kirchners estão em pé de guerra com o Clarín desde o início do ano passado, quando o grupo se afastou do casal presidencial – com o qual tinha boas relações – e transformou-se na principal fonte de denúncias de casos de corrupção no governo.
Ao longo dos últimos meses, e especialmente desde a derrota nas eleições parlamentares de junho, o governo acusou a imprensa de realizar uma ‘campanha’ contra o casal Kirchner. Recentemente, o governo conseguiu que o Parlamento aprovasse a polêmica Lei de Mídia, que impõe sérias restrições à atuação dos grupos de mídia.
Os diretores da Cablevisión emitiram um comunicado no qual qualificam a suspensão de ‘abusiva e arbitrária’. O Grupo Clarín pedirá a anulação da resolução que suspende a fusão.
O grupo argumenta que fez investimentos nas duas empresas mais além dos planejados. De um total de US$ 182 milhões previstos inicialmente, o Grupo Clarín investiu US$ 632 milhões nos dois últimos anos.
As duas empresas – também provedoras de internet – são responsáveis por 62% do faturamento do grupo.
Suspensão de artigos
Em um revés para os Kirchners, o juiz Eduardo Carbone determinou ontem a suspensão de dois artigos da Lei de Mídia por considerá-los ‘inconstitucionais’. A pedido do Grupo Clarín, o juiz suspendeu a aplicação dos artigos 41 e 161.
O 161 é o artigo que obriga as empresas de rádio e TV a cabo a se desprender das licenças dos meios de comunicação adicionais que possuam em um prazo de um ano. Isto é, aqueles grupos de mídia que tinham um canal de TV aberta e um de TV a cabo e pela lei teriam que vender um deles no prazo de um ano. O artigo 41, é aquele que declara que as licenças e ações de uma empresa de mídia só podem ser vendidas com a autorização de um controvertido organismo que será criado. O governo ainda pode entrar com um recurso contra a suspensão.
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Oposição vai à Justiça contra Lei de Mídia argentina
Os principais partidos de oposição na Argentina anunciaram ontem que nos próximos meses irão à Justiça para pedir a anulação de diversos artigos da polêmica Lei de Mídia, aprovada em outubro no Parlamento. A Lei de Mídia – que estipula duras restrições à atuação das empresas de comunicação da área de rádio, TV aberta e TV a cabo – é considerada por empresas do setor de mídia e pela oposição como uma ferramenta da presidente Cristina Kirchner e seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, para limitar a liberdade de imprensa e favorecer grupos de mídia aliados do governo.
O Grupo Clarín, a maior holding multimídia da Argentina, é o principal alvo do casal Kirchner, que está em pé de guerra com o grupo desde o início do ano passado. O Grupo Clarín tornou-se o principal denunciante dos casos de corrupção do governo Kirchner.
A ofensiva jurídica contra a Lei de Mídia começou na quarta-feira, quando o juiz federal Edmundo Carbone, a pedido do Grupo Clarín, determinou que os artigos 41 e 161 da Lei de Mídia eram ‘inconstitucionais’. Um dos artigos atingia os direitos adquiridos pelos donos das licenças de meios de comunicação. O outro artigo complicava a venda das licenças.
‘Essa decisão na Justiça será a primeira de uma série de resoluções similares que começarão a aparecer daqui para a frente’, declarou a deputada Silvana Giudici, uma das líderes da União Cívica Radical (UCR), de oposição. A UCR também pretende levar vários artigos da polêmica lei a debate no plenário no ano que vem. A expectativa é que o governo, que está em minoria desde a recente renovação da Câmara de Deputados e do Senado, terá dificuldade para impedir eventuais modificações à lei.
O ministro da Justiça argentino, Julio Alak, considerou que a declaração de inconstitucionalidade dos artigos é ‘surpreendente’. Alak afirmou que ‘com certeza será revogada por uma instância judicial superior’. O ministro relativizou o revés para o governo e ressaltou que a medida do juiz Carbone é apenas ‘provisória’.
O constitucionalista Daniel Sabsay declarou ao Estado que a decisão do juiz suspende a aplicação da lei de forma temporária, até que uma sentença seja ditada. ‘É possível que o caso seja levado à Corte Suprema. Tudo isso levará tempo’, afirmou.
Segundo Sabsay, ‘com certeza esse caso levará a outras decisões similares por parte de outros juízes. E a proliferação dessas decisões terá um efeito jurídico-constitucional’.
A Lei de Mídia determinava que uma empresa de mídia que tivesse um canal de TV aberta e outro de TV a cabo – ou mais canais – poderia ficar com apenas um e teria de vender os outros. O artigo 161 – um dos mais polêmicos – estabelecia que a empresa deveria vender os canais dentro de um ano. O outro artigo suspenso é o 41, que determinava que uma uma licença de rádio ou TV só poderia ser vendida com a aprovação do governo, violando o direito de propriedade. (A.P.)