Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Legislação atual já regula comunicação no Brasil’

Uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio vai discutir a criação de um conselho de comunicação social para ‘orientar e fiscalizar’ os órgãos de imprensa. Em outros sete estados brasileiros tramitam projetos de lei semelhantes, que sinalizam a censura do conteúdo produzido por jornais, revistas, e emissoras de TV e rádio. Desencadeadas nos últimos três meses, as iniciativas coincidem com o plano do governo federal de criar um marco regulatório para as empresas de radiodifusão e telecomunicação. Responsável pela elaboração do documento, o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, sustenta que as leis sobre o assunto são insuficientes. Já as entidades contrárias à criação de uma agência reguladora enfatizam que já existe uma ampla rede de normas em vigor.

Em todo território nacional, os veículos de comunicação estão sujeitos às regras ditadas por Ministério das Comunicações, Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Ministério da Justiça, Ancine (Agência Nacional do Cinema) e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A legislação relacionada ao tema está presente ainda na Constituição Federal, no Código Brasileiro de Telecomunicações, na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), nos códigos Civil e Penal, e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Um projeto de lei (o PL29) foi encaminhado ao Senado Federal criando novas diretrizes para as operadoras de TV por assinatura. E, na propaganda, o mercado segue as normas de uma agência não governamental, o Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária).

‘Censura sofisticada’

As eventuais infrações cometidas pelos veículos de comunicação são contestadas pelo Ministério Público em suas instâncias estaduais e federais. E o Juizado de Menores também costuma desempenhar função fiscalizadora semelhante, em assuntos relacionados a crianças e adolescentes.

– Querem passar a ideia de que não existem regras no setor. Essa tentativa de restringir a atuação dos veículos de comunicação é, na verdade, uma forma sofisticada de censura – avalia o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), ex-ministro das Comunicações do governo Lula.

Para justificar a opção pela centralização, Franklin Martins definiu a atual legislação como um ‘cipoal de gambiarras’. A observação do ministro é contestada por Miro Teixeira, que considera um risco concentrar em um mesmo órgão todas as ações relacionadas à mídia.

– É inaceitável ter uma só entidade criando o regulamento, promovendo o julgamento e aplicando a sanção. Isso é a negação do estado moderno – acrescenta Miro.

Há duas semanas, em Brasília, Franklin Martins promoveu um seminário internacional para apresentar os modelos de regulação de mídia existentes na Europa e nos Estados Unidos. Na ocasião, ele citou o Código Brasileiro de Telecomunicações, criado em 1962, como um exemplo do atraso que vigora no setor. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) questiona a crítica do ministro.

– A legislação de 62 passou por constantes adaptações ao longo dos anos. Por isso, nossa regulação não pode ser taxada de obsoleta. Isso não é verdade – ressalta Luís Roberto Antonik, diretor geral da Abert, que declara apoio a reformas de normas atuais.

– É claro que a atual legislação pode melhorar. Mas nós defendemos ajustes pontuais para adaptá-la, principalmente, às novas tecnologias que estão surgindo.

O presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Ricardo Pedreira, também é a favor de mudanças na legislação. Desde que as regras vigentes não sejam desprezadas.

– É importante haver uma atualização da legislação. Mas não cabe a nenhuma instância governamental ditar, controlar, monitorar ou fiscalizar a produção jornalística porque já existem parâmetros bem definidos nos termos da lei – diz o representante da ANJ.

Durante a 66 Assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, em espanhol), realizada no México no início de novembro, o governo do Brasil foi criticado pela postura em relação aos veículos de comunicação. A organização expressou ‘sua mais profunda preocupação’ com ‘os mecanismos de controle governamental sobre as liberdades dos meios de comunicação’ no país.

Nas palestras realizadas no seminário organizado pelo governo em Brasília, os representantes de agências de regulação internacionais citavam com frequência as ações que visavam proteger os direitos dos menores de idade. A Abert cita o mesmo tema para ilustrar o rigor da legislação brasileira.

– O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece uma série de regramentos que são seguidos pelas emissoras. E, quando isso não acontece, as denúncias são encaminhadas à Justiça pelo Ministério Público ou pelos próprios cidadãos – lembra Luís Roberto Antonik, da Abert.

Mudanças em programas de TV

Em outubro de 2009, o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro notificou a Rede Globo por apresentar uma criança no papel de vilã na novela ‘Viver a vida’, de Manoel Carlos. O MPT contestou a participação da atriz mirim Klara Castanho, de oito anos, que fazia o papel de Rafaela, a filha de Dora (personagem de Giovanna Antonelli). Na avaliação do MPT, o trabalho infantil artístico deveria ‘ser comedido, observando não só os aspectos legais, mas principalmente eventuais reflexos que determinado personagem pode provocar no desenvolvimento da criança’. No decorrer da trama, a personagem mirim ganhou contornos de vilã em alguns capítulos da novela. O MPT marcou então uma audiência com representantes da Globo, que recuou e promoveu as mudanças no perfil de Rafaela.

Já o SBT foi alvo do Ministério Público Federal, que instaurou um inquérito para analisar a exposição da apresentadora mirim Maísa Silva no Programa Sílvio Santos. Em 2009, ao participar do show conduzido pelo dono da emissora, a menina (com seis anos, na época) chegou a chorar no palco em duas situações.

Na primeira vez, ela ficou assustada com a presença de um menino fantasiado de monstro. Uma semana depois, Silvio Santos fez piada sobre o episódio na frente de Maísa, que saiu correndo em direção aos bastidores e bateu a cabeça em uma câmera. Uma notificação enviada ao SBT destacou: ‘submeter uma criança ou adolescente a constrangimento ou humilhação configura crime.’ Em seguida, as aparições de Maísa no programa foram canceladas.

A intenção do ministro Franklin Martins é concluir até dezembro o projeto do marco regulatório da mídia no Brasil. O documento será encaminhado à presidente eleita Dilma Rousseff, que vai definir se pretende prosseguir com a iniciativa tomada pelo atual governo. Paralelamente, nas esferas estaduais estão em andamento, nos mais diversos formatos, as criações de conselhos sociais para monitorar as ações da mídia.

No Rio de Janeiro, a audiência pública sobre o assunto está marcada para o dia 6 de dezembro na Alerj. Em pauta, o projeto de lei de autoria do deputado estadual Paulo Ramos (PDT-RJ). Seguindo o tom de seus similares em outros estados, o texto ressalta que o conselho vai exercer funções ‘consultivas, normativas, fiscalizadoras e deliberativas’.