Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Liberdade que aprisiona

De acordo com notícia divulgada no jornal O Popular, de Goiânia, na quinta-feira (25/8), a Associação Nacional de Jornais (ANJ) ‘divulgou nota criticando o dispositivo do projeto de reforma eleitoral, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado na semana passada, que proíbe a divulgação de pesquisas eleitorais 15 dias antes das eleições’. Tal projeto configuraria, na visão da ANJ, uma violação da Constituição Federal no que toca à liberdade de informação jornalística, em outras palavras, feriria a sagrada liberdade de expressão.


Liberdade é uma palavra simples, de significado rapidamente apreendido pela maioria de nós, particularmente aqueles que um dia estiveram privados dela (em ditaduras, por exemplo). Mas, se pararmos para pensar, não é tão simples sua definição. O problema já começa com a palavra ‘definição’, que exige o estabelecimento de limites. Limites para liberdade? Mas não é um contra-senso? Não necessariamente.


Tomando emprestado de Norberto Bobbio (em Igualdade e liberdade, Ediouro) os conceitos ‘liberdade negativa’ e ‘liberdade positiva’, teremos que a primeira seria a ausência de constrangimentos (daí negativa) e a segunda, autodeterminação. Em outras palavras, liberdade negativa seria a ‘situação na qual um sujeito tem a possibilidade de agir sem ser impedido’, enquanto na liberdade positiva ‘o sujeito tem a possibilidade de orientar seu próprio querer no sentido de uma finalidade, de tomar decisão, sem ser determinado pelo querer dos outros’. A liberdade negativa seria uma liberdade individualista, a positiva, cidadã.


Uma formiguinha


Ora, não é preciso ser nenhum Aristóteles para sacar que a virtude estará (quase) sempre no meio termo. Liberdade demais é tão nociva quanto de menos. E o meio termo ideal não precisa estar forçosamente no… meio. Pode estar mais para um lado ou para outro, dependendo das circunstâncias. No caso da liberdade será melhor que se situe pendendo para o lado ‘mais’. O que não significa ‘total’.


É mais do que sabido que a divulgação das pesquisas eleitorais é, por si só, capaz de mover montanhas, determinar vontades. O voto útil é apenas um pequeno exemplo disso. E nem falo das pesquisas manipuladas, falo das honestas mesmo, que são a maioria, acredito eu. Ao induzir (subliminarmente) o eleitor, as pesquisas privam-no de vontade própria e o tornam prisioneiro da vontade alheia. O excesso de liberdade negativa asfixia a liberdade positiva, a autonomia do cidadão-eleitor.


Não se está falando em proibir por completo a divulgação de pesquisas de intenção de voto, mas de se limitar seu uso. É verdade que estamos vivendo uma caça às bruxas do processo eleitoral, e a divulgação das pesquisas é uma formiguinha perto de mamutes escabrosos como o custo absurdo das campanhas e uma Lei Eleitoral que não pune. Ainda assim, considero que a ANJ está equivocada em sua posição. Deveria repensá-la.

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Médico, doutor em Oftalmologia pela UFMG, postdoc fellow pela Universidade de Harvard, mestre (UFGO) e doutorando (UFSCar) em Filosofia