Há 15 anos, em Praia Grande (SP), surgia a primeira organização nacional de rádios comunitárias. A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) nascia, em 25 de agosto de 1996, num cenário em que inexistia previsão legal dessa modalidade de serviço radiofônico. Mas milhares de emissoras abriam e fechavam constantemente reclamando o inalienável direito de liberdade de expressão. As decisões judiciais, a repressão policial, a fiscalização governamental e a aprovação de uma legislação eram as maiores preocupações da Abraço.
A lei 9.612 de radiodifusão comunitária foi aprovada dois anos depois, fruto do lobby de radiodifusores que, conseguindo restringir a potência, os canais e as formas de arrecadação dos recursos, inviabilizaram quase totalmente o serviço. Somente três anos depois começaram a ser licenciadas as primeiras emissoras. Os canais, além de terem a sobrevivência comprometida, se tornaram, segundo pesquisa de Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes para o Instituto Projor, moeda de trocas políticas no Ministério das Comunicações, sendo denominado de o “novo coronelismo eletrônico” (ver, neste Observatório, “Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)”.
Novo tratamento
Para gerenciar os inúmeros pedidos de parlamentares federais aliados, que demoravam, em média, três anos para ser atendidos, e até de adversários, que passavam mais de cinco anos tramitando, foi instalado um programa de computador responsável por tal engenharia.
Nesse momento, ganham a cena deputados e senadores como intermediários, enfraquecendo a organização das rádios comunitárias. A corrida pelas autorizações tornou o movimento um “salve-se quem puder”. Em meio à maratona desesperada, muitas emissoras com origem em movimentos sociais históricos perderam seu espaço no dial, tornando-se tão-somente memória. A conjuntura trouxe dificuldade de articulação e mobilização ao movimento.
Depois de conquistadas suas autorizações, as rádios comunitárias notaram que a vitória não estava garantida. Dificuldades de financiamento, fiscalizações arbitrárias, tratamentos injustos, sobreposição de canais e ausência de apoio governamental reacenderam o espírito da luta pela radiodifusão comunitária que, aliada à efervescência dos movimentos pela democratização da comunicação, culminou com a reivindicação pela Conferência Nacional da Comunicação (Confecom), espaço para debater e planejar as políticas públicas para área.
A Abraço se refortalece no movimento Pró-Conferência, tornando-se não só referência para as emissoras que querem divulgar suas demandas, mas como interlocutor indispensável na construção do evento.
Com a maior bancada da sociedade civil na Confecom, as rádios comunitárias, lideradas pela Abraço, expressaram seu clamor ao então presidente Lula por um novo tratamento, resultando um termo de compromisso assinado por representantes da Secretaria de Comunicação Social, Casa Civil e Ministério das Comunicações. O documento que previa alternância de canais, aumento de potência e financiamento público para as rádios comunitárias tornou-se um indicativo de luta e cobranças ao governo.
Inclusão social
Um ano após a Confecom, as rádios comunitárias reuniram-se no histórico VII Congresso Nacional, que contou com mais 300 delegados de emissoras das cinco regiões brasileiras. A anistia e reparação aos comunicadores condenados, o fundo de desenvolvimento para radiodifusão comunitária, a qualificação dos radialistas comunitários, a participação popular na gestão das emissoras e a reorganização das Abraços estaduais compuseram os principais pontos de debates.
Nesses 15 anos de existência, a Abraço avança como o único movimento de base das rádios comunitárias com abrangência nacional. É uma organização que reflete as dificuldades, contradições e êxitos da coletividade de emissoras que buscam aprofundar seus mecanismos de gestão democrática – por meio de constantes assembleias e fóruns de discussão – para consolidar as rádios comunitárias como canais de acesso público. Para isso, o Selo Abraço, que será concedido às emissoras que já cumprem esse papel social, criará referências de promoção da cidadania e participação social.
A interlocução com o governo, sempre acuado pela pressão dos grandes empresários da comunicação, e com o movimento social, nem sempre priorizando a discussão, é outro desafio que tem a Abraço não só como reflexo dos interesses das rádios comunitárias, mas dos apelos da democratização da comunicação, passo imprescindível para a inclusão social e erradicação da miséria cultural.
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[Ismar Capistrano Costa Filho é jornalista, mestre em Comunicação pela UFPE, professor universitário, assessor de comunicação e coordenador executivo da Abraço Ceará]