Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Mandato e ironia

Duas matérias publicadas pelo Portal Convergência Digital demonstram a pouca importância que alguns políticos atribuem à opinião pública e, pior, àqueles eleitores que os apoiaram para chegarem ao poder. Parecem desconhecer o significado e abrangência da palavra mandato político, na melhor das hipóteses.

Nas vésperas das eleições, o governo do PT editou decreto anunciando a reativação da Telebrás, como instrumento de política pública para garantir utilidade pública à infraestrutura necessária para a universalização da comunicação de dados e para a democratização dos serviços de telecomunicações, que vêm sendo emperradas pela atitude desrespeitosa das concessionárias e Anatel, aliadas no esforço de retardar a concorrência e evitar que as redes públicas estejam a serviço da sociedade brasileira.

Os resultados de pesquisas do IPEA e IBGE são contundentes no sentido de que todos os serviços de telecomunicações estão concentrados nas mãos dos cidadãos de maior renda.

E não me venham com a balela de que o consumidor de baixa renda, que compra um telefone nas Casas Bahia e contrata 5 minutos de tráfego por mês, tem acesso ao serviço de voz. Ninguém mais aceita esta piada de mau gosto.

Atuação frouxa

A despeito da concentração ilegal da infraestrutura necessária para as telecomunicações nas mãos das teles e do atraso na definição de políticas públicas para o setor e apesar dos discursos eleitoreiros, no sentido de instituir um Plano Nacional de Banda Larga – PNBL e de reativar a Telebrás com o objetivo de fazer frente ao poder econômico desmedido das três empresas que dominam os mercados hoje, somos agora estapeados com a notícia de que a Telebrás poderá abrir sua composição acionária para grupos econômicos privados.

Explicou-se, agora, a demissão promovida de forma desrespeitosa de Rogério Santanna da presidência da empresa; desrespeitosa para ele e para a sociedade, já que ele sempre foi um defensor das medidas capazes de trazer de volta ao Estado o papel de condutor das políticas de telecomunicações e gerenciador das redes públicas.

Isso sem falar no pacote de bondades que nosso super ministro das Comunicações – que agora tem quem fale por ele (e muito possivelmente pelas teles) também na Casa Civil, já que os recados devem ser discutidos na intimidade do lar – preparou junto com a Anatel, embrulhado no papel do decreto que editará o próximo Plano Geral de Metas de Universalização – o PGMU III e o aditamento correspondente à primeira revisão quinquenal dos contratos de concessão, quais sejam:

** Repetição de metas de acessos individuais, coletivos e Postos de Serviço de Telecomunicações em áreas rurais descumpridas pelas teles;

** Redução do número de telefones de uso público – TUPs para 4 por 1000 habitantes (no PGMU I ficou estabelecido que a partir de dezembro de 2005 seriam pelo menos 8 por 1000 habitantes; a Anatel reduziu para 6,9, depois para 6);

** A reformulação demagógica e risível do Acesso Individual de Classe Especial – AICE para os cidadãos inscritos no Bolsa Família – o que é o mesmo que nada, pois a família que tem renda familiar per capita de meio salário mínimo não tem renda para contratar acesso individual de R$ 14,00 mensais e os pobres das regiões sul e sudeste não se enquadram nos requisitos do Bolsa Família;

** Redução no pagamento do ônus bienal de 2% sobre a receita líquida devida pela exploração da concessão, pela compensação com os hipotéticos custos de universalização;

** Autorização de exploração do serviço de televisão por assinatura na mesma área de concessão, contra previsão expressa de lei e em prejuízo à concorrência;

** Manutenção da assinatura básica no patamar escorchante e exclusivo de R$ 42,00 mensais, para viabilizar subsídio cruzado vedado expressamente pela Lei Geral de Telecomunicações;

** Atuação frouxa no controle de bens reversíveis;

** Etc…

Perda de tempo

São muitas vantagens para empresas que, segundo a própria Anatel, não cumprem metas de universalização e outros compromissos e que desrespeita, sistematicamente há 13 anos, o consumidor brasileiro, apesar de cobrar tarifas e preços dos mais altos do planeta.

Desanimador é a palavra que revela o sentimento das entidades da sociedade civil que acreditaram no discurso montado para as eleições. A afirmação feita pelo atual presidente da Telebrás – Caio Bonilha na entrevista que concedeu a Reuters no último dia 22 de junho, de que o foco da empresa é o comercial, reforça a justificativa por nosso desânimo e decepção, pois acreditávamos que o foco do governo a partir da edição do decreto era a democratização dos serviços, como ficou expresso no Decreto 7.715?2010, que instituiu o PNBL.

Mas o que mais chama a atenção e certamente não será esquecido nas próximas eleições é a reação que o sucesso do tuitaço levado à efeito pelas entidades que participam da campanha Banda Larga é um Direito Seu, pelo serviço de comunicação em regime público, causou no nosso Ministro.

Informa a reportagem que:

“O tuitaço promovido pela campanha Banda Larga é um Direito Seu! nesta terça-feira, 21/06, mobilizou a rede social brasileira. O tópico #minhainternetcaiu já era o assunto mais ‘tuitado’ do Brasil por volta das 15h30, antes mesmo da hora marcada para a ‘concentração’ de mensagens direcionadas, especialmente, ao Ministério das Comunicações e ao ministro Paulo Bernardo, um notório tuiteiro, que até a publicação desta reportagem permaneceu ‘mudo’ no microblog. Porém, ao deixar o Ministério das Comunicações, por volta das 21hs, manejando um tablet, Paulo Bernardo se limitou a informar ao portal Convergência Digital, que não ‘teve tempo de tuitar’ hoje. Indagado se havia tomado conhecimento da repercussão do ‘tuitaço’, optou pela ironia: ‘Você acha que vou ficar perdendo o meu tempo? Deixe as pessoas se divertirem’, reagiu o ministro, cuja agenda oficial de hoje se limitava apenas aos ‘despachos internos’.”

Paulo Bernardo não se constrange em dizer claramente que estar aberto para considerar a importante manifestação da sociedade civil para ele é perda de tempo.

Coincidentemente, sou assaltada pela mesma sensação do ministro… quando penso em meu voto. Perdi muito tempo – 4 anos pelo menos. Votei num governo que não honra seus discursos, seus programas, seus decretos. O que mais nos espera nesses próximos 3 anos e meio?

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[Flávia Lefèvre é advogada, coordenadora da Frente dos Consumidores de Telecomunicações, consultora da associação Pro Teste e representante das entidades de defesa do consumidor no Conselho Consultivo da Anatel de fevereiro de 2006 a fevereiro de 2009]