Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Marcelo Beraba

‘Se a cobertura jornalística da violência urbana é difícil, irregular e superficial, como vimos no domingo passado a propósito da Rocinha, no Rio, imagine o acompanhamento dos conflitos que explodem na Amazônia.

Na manhã do dia 7, uma quarta-feira, índios cintas-largas atacaram garimpeiros que extraíam ilegalmente diamantes em suas reservas, em Rondônia. Mataram três na hora e aprisionaram os que não conseguiram fugir. No dia seguinte, mataram os prisioneiros. O que se sabe até agora é que foram pelo menos 29 mortos. É mais do que o dobro dos 13 que tombaram na Rocinha ao longo das duas últimas semanas.

A notícia da matança foi divulgada na quinta-feira, e a Folha publicou a primeira reportagem sobre o caso na Sexta-Feira Santa, com informações colhidas pelo repórter Rubens Valente, por telefone, de São Paulo. Como a Folha não tem jornalista em Rondônia, na segunda-feira, dia 12, enviou para Porto Velho uma equipe formada pelo correspondente em Campo Grande (MS), Hudson Corrêa, e pelo fotógrafo Antônio Gaudério, de São Paulo.

Os grandes jornais, como a Folha, o ‘Estado’ e ‘O Globo’, por economia ou por razões editoriais que desconheço, não têm estrutura jornalística na Amazônia.

A região é formada por nove Estados, equivale a aproximadamente 60% do território nacional e tinha em 2000 cerca de 21 milhões de habitantes, bem mais do que a região metropolitana de São Paulo, com 17,8 milhões. Para cobri-la, a Folha tem hoje apenas uma jornalista contratada, Kátia Brasil, em Manaus. A Folha tem uma correspondente em Pequim e não tem em Belém. A situação do ‘Estado’ e do ‘Globo’ na Amazônia é igual à da Folha ou pior.

A carência de jornalistas significa que os jornais acompanham mal o que acontece na região, como a ação do narcotráfico nas fronteiras com a Colômbia e a Venezuela, o contrabando de madeira, os desmatamentos, os conflitos em áreas indígenas, as fraudes nos governos estaduais e municipais, a biopirataria e a discussão sobre desenvolvimento e preservação ambiental.

A cobertura não é contínua e os repórteres não têm como se especializar, porque vivem longe e são deslocados apenas quando existe crise.

Os deslocamentos são complicados. A equipe da Folha que saiu na segunda-feira em direção a Rondônia só se aproximou da reserva Roosevelt na noite de terça. Porto Velho fica a 3.000 km de São Paulo e a mais de 2.000 km de Campo Grande. De Porto Velho a uma das três cidades mais próximas da entrada da reserva são mais de 500 km. E dessas cidades até a entrada da reserva levam-se mais três ou quatro horas de estrada de terra.

Na sexta, dia 16, começou uma rebelião no presídio Urso Branco, em Porto Velho. Os jornais só foram noticiá-la na terça, quando já haviam sido mortos e decepados pelo menos oito presos. Neste caso, os três grandes jornais e a TV Globo contaram com a sorte, termo inadequado diante de tanta tragédia. Seus repórteres desembarcaram em Porto Velho no fim de semana porque souberam que a Polícia Federal estava na iminência de desencadear uma nova megaoperação, a Mamoré. Por essa razão, puderam ter uma cobertura local da barbárie que dominou a rebelião.

No caso dos índios, a Folha foi ágil no primeiro momento. Ela não estava desatenta, tanto que já tinha publicado reportagens sobre os conflitos na reserva.

Mas, no final, foi uma cobertura falha porque, até o fechamento desta coluna, não foi possível saber de fato o que aconteceu naquela manhã do dia 7 no garimpo e por quê. A história que está por trás daquelas mortes ainda não foi contada. Pode ser que algum jornal, revista ou TV consiga fazê-lo neste domingo.’

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‘O que faltou’, copyright Folha de S. Paulo, 25/4/04

‘A pedido do ombudsman, a jornalista Inês Zanchetta e a pesquisadora Leila Monteiro da Silva, do Instituto Socioambiental, ONG especializada na questão indígena, fizeram a seguinte avaliação da cobertura da Folha no caso dos cintas-largas:

‘De início, a cobertura foi muito factual. Não analisou profundamente o que está por trás do conflito, como a questão do contrabando de diamantes e suas conexões internacionais, a ausência do Estado na área (quando o Estado age, o faz de forma tópica e, muitas vezes, depois que o conflito se generalizou) e o papel de polícia que os índios exerceram indevidamente ao retirar os garimpeiros da área.

Faltou ouvir ainda outros atores, como o relator nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, Jean-Pierre Leroy (que enviou relatórios e cartas ao governo ao longo do ano passado alertando para o iminente conflito armado), o Ministério Público (especialmente os procuradores da 6ª Câmara), antropólogos e o Cimi (Conselho Indigenista Missionário, da igreja).’

A secretária de Redação Suzana Singer preferiu não comentar as observações do instituto.’

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‘Corrupção no Judiciário’, copyright Folha de S. Paulo, 25/4/04

‘Uma das investigações mais difíceis no jornalismo é a de corrupção. Mais complicada ainda quando se trata de levantar informações sobre o Judiciário. Uma prova dessa dificuldade é o balanço das reportagens que disputaram neste ano o prêmio de melhor trabalho investigativo sobre corrupção na América Latina e Caribe, patrocinado pela Transparência Internacional e pelo Instituto Prensa y Sociedad, do Peru. De 104 trabalhos inscritos vindos de jornalistas de 14 países (18 do Brasil), apenas quatro tratavam da corrupção no Judiciário.

Um deles, do jornalista Arturo Torres, do ‘El Comercio’, do Equador, ganhou o prêmio principal, de US$ 25 mil. A série de reportagens mostrou como vários juízes da Suprema Corte equatoriana enriqueceram ilegalmente. Um está preso e outros foram destituídos.

Dos quatro trabalhos sobre o Judiciário, dois eram do Brasil: uma série do repórter Frederico Vasconcelos, da Folha, sobre a suspeita de enriquecimento ilícito de juízes de São Paulo, e um dos finalistas, e outra do repórter Chico Otávio, de ‘O Globo’, sobre um juiz do Estado do Rio que controlava vários bingos no interior.

Vasconcelos investiga o Judiciário de São Paulo desde 1999. Otávio ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo de 2002 com reportagens sobre juízes do Rio e do Espírito Santo que vendiam sentenças.’