‘O assunto que mais provocou cartas de leitores para o ombudsman na primeira semana do ano foi a cobertura que a Folha fez do Réveillon do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu na casa do escritor Paulo Coelho, no sul da França. Foram duas reportagens da colunista Mônica Bergamo, uma no dia 1º, com foto e chamada na capa do jornal, e outra no dia 3, uma página inteira de sua coluna na Ilustrada, com seis fotos e o título ‘O bruxo e o feiticeiro’.
Achei o minucioso relato da página de terça bem feito, mas a cobertura me pareceu excessiva e fiz um curto comentário na Crítica Interna: ‘O ex-deputado José Dirceu não tem mais do que reclamar, pelo menos não da Folha. Foi tratado, na coluna ‘Mônica Bergamo’, mais uma vez, como celebridade, e não como político cassado’.
O ‘Painel do Leitor’ publicou uma carta na quarta-feira e outras quatro na quinta. Apenas uma defendia o ex-deputado. As demais criticavam o político e a cobertura do jornal. Também recebi muitas mensagens de leitores, todas com críticas ao jornal.
A professora de dança Lilian Moreira escreveu de Nova York: ‘Acho errado o jornal se prestar a esse papel de assessor de imprensa de José Dirceu e passar a fazer essa bajulação sem sentido. Lamentável para os leitores’. Adonias Cruzes, engenheiro de São Paulo, escreveu que ‘gostaria muito de saber o que motivou a ida da Mônica Bergamo à França’.
Márcia Monteiro, de Aracaju, protestou contra o destaque dado: ‘José Dirceu não é colunável nem celebridade. Não interessa o que ele faz. Tenham dó!’. Eliana de Morais, de Salvador, achou a cobertura ‘ridícula’. O promotor Jorge Alberto Marum, de Sorocaba, achou o destaque dado pela Folha ‘muito estranho’ e disse não entender o esforço do jornal para transformar Dirceu em ‘celebridade pop’.
Um leitor que não quis ser identificado enviou uma relação de notas e reportagens feitas por Mônica Bergamo sobre o ex-deputado: foram publicadas notícias ou frases nos dias 10, 13, 17, 20, 25, 26 de dezembro e 1º, 3 e 5 de janeiro. Ele achou uma exposição ‘abusiva’.
O colunismo social tem suas particularidades e nem sempre é bem compreendido. Por esta razão, pedi a Mônica Bergamo um comentário sobre as críticas que chegaram. Seu relato:
‘No começo de dezembro, quando Paulo Coelho, de forma espetacular, mudou de editora, tomei a iniciativa de fazer uma reportagem com ele. Por telefone, Coelho sugeriu que marcássemos um encontro no Réveillon. Ele estaria em sua casa, no sul da França, e poderia nos receber. Achei a idéia muito boa: eu poderia produzir material social para a coluna e uma entrevista para a Ilustrada [capa deste domingo]. O jornal aprovou a pauta e os custos financeiros integrais da viagem. Perto da data de meu embarque, soubemos que José Dirceu seria também recebido pelo escritor, fato que, de tão inusitado, enriquecia a reportagem. Viajei, presenciei o encontro entre os dois e procurei fazer um relato isento do que ocorreu.
Do ponto de vista da relevância dos dois personagens, a reportagem, creio, se justifica plenamente. José Dirceu foi cassado, mas até mesmo por isso é uma pessoa emblemática, e como vive hoje é matéria de interesse público. Do ponto de vista do relato, acho que consegui atingir o objetivo sempre perseguido pela coluna: contar ao leitor, com objetividade e riqueza de detalhes, tudo o que vi e ouvi. Para que o leitor, com essas informações, faça ele mesmo seu julgamento’.
Não há dúvida de que o ex-deputado, personagem da crise que dominou 2005, é notícia, mas a forma como o jornal o vem tratando, como celebridade, acaba por esmaecer as acusações que pesam contra ele e que levaram o Congresso a cassá-lo. Não acho que seja um problema específico da jornalista, mas de (falta de) balanceamento do jornal.’
***
‘Três sugestões para 2006’, copyright Folha de S. Paulo, São Paulo (SP), 8/1/06
‘A Folha já anunciou que fará neste ano uma nova reforma gráfica. A última mudança ocorreu em maio de 2000.
Em entrevista para o informativo eletrônico ‘Jornalistas & Cia’, em novembro, o diretor de Redação, Otavio Frias Filho, confirmou que o jornal já trabalha no novo projeto e assim definiu alguns de seus objetivos: ‘Queremos dar maior maleabilidade e diversidade ao padrão gráfico da Folha. Deliberadamente, o nosso padrão gráfico, desde os anos 90, é rígido e nós estamos interessados, agora, em imprimir maior diversidade à feição plástica dos cadernos e na paginação. Estamos também interessados em valorizar o espaço de interpretação, de opinião e de análise. Há um certo consenso de que o jornalismo de qualidade deve cada vez mais reforçar esses aspectos, buscando o aprofundamento da notícia, o contexto interpretativo’.
Aproveito a deixa para fazer três sugestões ao jornal, todas inspiradas nos contatos com os leitores.
Sugestões
‘Painel do Leitor’ – O jornal deveria aproveitar a reforma gráfica para ampliar o espaço de participação e influência do leitor. A pressão por participação é cada vez maior, uma exigência do nosso tempo estimulada por uma grande oferta de informações e facilitada pela internet.
Os números de mensagens para o ombudsman mostram isso com clareza. Em 1996, o jornal tinha uma circulação média diária de 519 mil exemplares e o ombudsman recebeu 6.201 mensagens, 19,32% delas por e-mail. Agora, deve ter fechado 2005 com uma média diária de 308 mil jornais e o ombudsman recebeu 10.688 mensagens, 95% por e-mail.
O aproveitamento de cartas no ‘Painel do Leitor’ é pequeno. Em 2005, o jornal recebeu 33.005 cartas (9% a mais do que em 2004) e publicou 2.722 (6% a menos). Em 2004, foram aproveitados 9,1% das cartas enviadas; em 2005, 8,25%.
A seção publica aos domingos um índice de cartas recebidas por assunto. Por ali fica claro como os temas de maior interesse dos leitores têm pouco espaço. Fiz um levantamento de cinco semanas, de 28 de novembro a 1º de janeiro. Neste período, o jornal recebeu 2.775 cartas, publicou 254 (9,2%), sendo que 49 (19% das cartas publicadas) referiam-se aos assuntos de maior interesse dos leitores e 60 (24%) eram assinadas por assessores de imprensa ou por pessoas exercendo o legítimo direito de resposta.
O ideal seria o jornal encontrar espaços distintos para os dois tipos de manifestações, de tal forma que o leitor tivesse um espaço maior para opinar. O jornal ‘Washington Post’, por exemplo, reserva, além da seção diária de cartas, uma página inteira aos sábados (‘Free for all’) exclusivamente para os leitores comentarem os temas da semana.
Artigos – O mesmo raciocínio das cartas vale para os artigos publicados na página A3, na seção ‘Tendências/Debates’. É outro ponto de participação dos leitores represado.
O jornal recebeu em 2005 cerca de 2.700 artigos e publicou 724. Apenas uns 200 foram encomendados pelo jornal, os demais chegaram por iniciativa de leitores. A Folha tem como critérios para a publicação a oportunidade e relevância do tema, a clareza do artigo, o domínio que o articulista tem do assunto e sua representatividade. Imagino que muitos artigos não aproveitados preenchem esses requisitos e poderiam ser editados se houvesse mais espaço.
Correções – Dois dados positivos do jornal: ele corrigiu, em 2005, 1.183 erros de informação, um aumento de 4,7% em relação a 2004; e as correções levaram em média sete dias para serem publicadas, um índice ainda alto, mas melhor do que o do ano anterior, que foi de oito dias.
A Folha adotou em 1991 um espaço fixo para retificações, a seção ‘Erramos’, na pág. A3, o que contribuiu para a sua credibilidade. Ainda é o jornal que diariamente mais reconhece erros de informação. Está na hora de dar um passo adiante com correções mais rápidas e mais visíveis.’