‘A Folha noticiou em outubro que a protagonista da série televisiva ´Samantha Who` é psiquiatra. Por e-mail, uma leitora esclareceu: é advogada. Cobrei, e a Redação bateu pé: ´A profissão […] está correta´.
Encaminhei a resposta à leitora, que enviou o link do site oficial do programa nos EUA e reafirmou: advogada. A Redação retrucou: ´A personagem realmente é uma advogada. A leitora está equivocada´.
Se é advogada, o engano foi do jornal. Só após muita insistência, dois meses depois, foi publicado ´Erramos´.
Em agosto, informou-se que um animal chamado opilião é uma aranha. Uma cientista escreveu, ensinando: trata-se de aracnídeo, mas não de aranha.
A Redação bancou: ´Não consideramos erro´. Insisti, e o Programa de Qualidade concluiu, após consultar cinco acadêmicos: a leitora tinha razão. Saiu ´Erramos´.
Que faltou depois da manchete de novembro ´Cisco usou laranja para doar R$ 500 mil ao PT, afirma PF´. Como se comprovou, a polícia não fez tal afirmação. Leitores e eu pedimos retificação. Os fatos derrubaram a versão. Ainda assim, a Folha a manteve.
Como quando alardeou em primeira página de julho que uma adolescente de nome masculino estava grávida. Não estava, exame constatou. Fracassei no esforço para corrigir.
Sobreveio novo insucesso, em reclamação a respeito de reportagem dando conta de que o empresário Paulo Zottolo se ausentara de protesto do movimento Cansei em agosto.
Ele disse que estava lá. A Redação defendeu-se: os repórteres não o viram. A assessoria de Zottolo indicou testemunha. A última carta da Redação concedeu: ´Não descartamos a possibilidade de o empresário ter ido ao ato´. Em vez de apurar com os presentes, ficou por isso, sem correção. Nem verificação rigorosa se produziu.
A resistência em reconhecer erros e corrigi-los é um dos maiores obstáculos à transparência, credibilidade e espírito de prestação de contas do jornalismo.
A despeito do jogo duro, o jornal evoluiu. No ano passado, imprimiu 1.389 correções, 148 a mais que em 2006. A marca e o pulo de 12% são recordes, desde que o levantamento passou a ser feito, em 2004.
Por dia, houve quase quatro correções (3,8). Somam-se erros, não ´Erramos` -às vezes, uma nota retifica duas ou mais informações.
Mais correções podem ou não equivaler a mais erros. Em setembro, um professor da Universidade de Oregon mostrou que, em um universo de dez jornais americanos, insignificantes 2% dos equívocos são admitidos.
Mesmo com a incerteza sobre o total de erros, os novos números sugerem disposição maior para se corrigir. Se os leitores ganham em informação, perdem em espaço: na página A3, a seção ´Erramos` encurta o ´Painel do Leitor´.
O atraso nas correções manteve-se com exagero injustificável. O tempo para veiculação de ´Erramos` foi de sete dias (7,34). Menos que em 2006 (oito) e igual a 2005.
A média sobe para nove dias (8,67) se for considerada a checagem extraordinária sobre reportagem de 2005 de autoria de um ex-colaborador que veio a ser acusado de integrar organização criminosa.
Das editorias diárias, as mais ágeis para se corrigir são a Primeira Página (dois dias) e Mundo (cinco). Dos suplementos, o Guia da Folha (média exemplar de 24 horas). As retificações mais demoradas, nas seções do dia-a-dia, são de Ciência (13) e Brasil (dez; eram cinco dias em 2006).
Se não faz feio no jornalismo brasileiro, a Folha está longe do melhor padrão do exterior. No último fim-de-semana, aqui se corrigiram seis erros de informação. No ´New York Times´, 24, 300% a mais.’
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‘Cartões federais e estaduais’, copyright Folha de S. Paulo, 10/2/08
‘Com boas reportagens, a Folha tem se pautado pelo interesse público ao informar sobre gastos do governo federal com cartões corporativos.
Uma falha da cobertura evidenciou-se anteontem, com a primeira informação sobre o uso de cartões pelo governo do Estado de SP. Por que o jornal passou semanas fiscalizando só um nível da administração, descuidando-se de outros dois (incluo o governo da capital)?
A pedido de leitores, indaguei à Redação se ela tinha a notícia havia mais tempo.
Resposta: ´A reportagem do jornal recebeu uma lista de uma fonte do PT na sexta-feira véspera do feriado. Apenas com o papel, não havia como comprovar nem a autenticidade nem a veracidade dos números. Fizemos desde o primeiro instante o trabalho de apuração necessário, seguindo os procedimentos de checagem que constam do ´Manual da Redação´. O feriado infelizmente dificultou e atrasou esse trabalho, já que nem o governo de São Paulo nem a Assembléia Legislativa trabalharam até quarta-feira´.
´Quando conseguimos fechar a apuração, publicamos o resultado com o destaque que o jornal considerou devido.´
Em minha opinião, o problema não é pontual. Por que a Folha esperou a denúncia partidária para investigar os cartões ´paulistas´? Cabe ao jornalismo monitorar o poder, todos os poderes, sem exceção nem seleção.
E com sobriedade.’