Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Memória da gestação do Código Brasileiro de Telecomunicações


Este artigo tem como objetivo apresentar um olhar sobre a
gestação do Código Brasileiro de Telecomunicações, promulgado em 1962,
confrontando-o com o mercado nascente e analisando os atores envolvidos em sua
aprovação, seus interesses e o debate acerca do texto da lei. Fez-se uso de
documentos legais, atas de votações, registros em publicações oficiais acerca do
processo legislativo, além de livros e artigos acadêmicos.


Introdução


Em 1962, a radiodifusão e a telefonia brasileiras ganharam seu primeiro
grande marco regulatório, o Código Brasileiro de Telecomunicações. Passados mais
de quarenta anos de sua promulgação, o conteúdo relativo à telefonia foi
revogado e outros artigos foram mutilados, novas tecnologias impuseram uma
lógica de desenvolvimento peculiar ao setor e diversas leis e decretos passaram
a funcionar como apêndice do código, mas esse continua vigente. Este artigo tem
por objetivo analisar o processo que levou à aprovação do Código Brasileiro de
Telecomunicações pelo Congresso Nacional em 1962, correlacionando-o à expansão
da radiodifusão no Brasil.


Metodologia


Este artigo é uma investigação histórica que se baseia na interpretação dos
acontecimentos e na análise das estruturas duradouras, tidas como centrais para
a compreensão do tema ora estudado, sem rígido apego à narrativa linear calcada
na ausência de remissões e inflexões, em consonância com o paradigma da Nova
História (CURADO, 2001). Ainda assim, observações referentes a personagens e a
eventos conjunturais são determinantes, bem como o domínio político, por sua
excelência para as Comunicações no Brasil, é o cerne deste estudo.
Adicionalmente, uma análise documental e bibliográfica é feita em relação à
legislação, às atas das votações que levaram à aprovação do Código Brasileiro de
Telecomunicações e ao Diário do Congresso Nacional, onde foram publicados os
vetos à lei feitos pelo então Presidente da República João Goulart.


Parte desses documentos foram avaliados por meio de técnicas de análise de
conteúdo, com o objetivo de categorizar, de acordo com tipologia específica, os
vetos estabelecidos ao CBT pelo então Presidente da República, João Goulart. As
categorias analisadas baseiam-se em uma interpretação qualitativo-quantitativa
dos vetos. Para defini-las, foram levantadas suas freqüências em valores
absolutos e em percentuais. Como ressaltam Dellagnelo e Silva (2005), admite-se,
neste método, a utilização dessas abordagens quantitativas simples para uma
posterior interpretação qualitativa.


Foram respeitados, na construção da tipologia adotada, os limites impostos
pelo método da análise de conteúdo. Como destacam Bardin (1977) e Vergara
(2005), as categorias devem ser homogêneas, sendo factíveis para o tratamento de
um mesmo assunto; exaustivas, abrangendo por completo o que se propõem a reunir
sem deixar margem a dúvidas; exclusivas, impedindo que uma mesma unidade ou
elemento se encaixe em mais de uma categoria; e pertinentes, adequando-se ao
problema estudado e aos objetivos da pesquisa empreendida.


Apesar de, em parte, publicadas em meios de comunicação oficiais, as
principais fontes utilizadas neste trabalho estiveram distantes de pesquisadores
nas últimas décadas, de acordo com levantamento bibliográfico feito para este
estudo. Trata-se de edições do Diário do Congresso Nacional e de atas de
votação, ou seja, documentos relativos ao processo de aprovação do CBT, do qual
constam votos, vetos, justificativas e discursos do Presidente da República, de
senadores e de deputados.


O mercado de radiodifusão em 1962


Desde 1922, quando foi realizada a primeira transmissão de rádio no Brasil, a
radiodifusão não parou de crescer. Nas primeiras transmissões, ainda não era
possível dimensionar a força que o novo meio ganharia no Brasil, graças a uma
programação centrada em radionovelas, no radioteatro e nos programas de
auditório. Nas décadas de 1940 e 1950, quando o rádio viveu seu auge, foram
revelados cantores e atores que se tornariam referências nacionais.


Some-se à possibilidade de inovar uma outra, a de investir em mercado
tardiamente regulado, incipiente e promissor. Quase uma década depois de
começarem as transmissões, a regulamentação do setor foi iniciada por dois
decretos, 20.047 de 1931 e 21.111 de 1932, promulgados no governo de Getúlio
Vargas. Com a regulação tardia, o governo via-se obrigado a enfrentar, de saída,
a pressão de empresários em defesa de seus direitos adquiridos. A regulamentação
tardia da radiodifusão, como lembra Godoi (2001), viria a caracterizar o setor
em toda a sua história.


Até o início da década de 1950, a expansão do rádio no Brasil ocorreu
conforme demonstrado no gráfico 1:


Gráfico 1: Emissoras de Rádio no Brasil (1946-1951)


Fonte: Elaboração dos autores, com base no Anuário Estatístico do IBGE.
Não estavam disponíveis os modos de transmissão de duas emissoras em 1948, uma
em 1949 e 28 em 1951.


À época, ainda predominavam as transmissões em ondas médias, sendo poucas as
emissoras que operavam em ondas tropicais. O crescimento percentual do número de
emissoras no Brasil pode ser observado no gráfico 2, abaixo:


Gráfico 2: Crescimento Percentual das Emissoras de Rádio no
Brasil (1946-1951)


Fonte: Elaboração dos autores, com base no Anuário Estatístico do
IBGE


Note-se que, apesar do número de emissoras no Brasil continuar em franca
ascensão (à exceção do total de emissoras em 1951 em relação ao ano anterior,
que ficou estável), esse crescimento tendia a ser cada vez menor.


Na mesma época, aliando som e imagem, um novo meio de comunicação chegava aos
lares de algumas poucas famílias brasileiras. A TV Tupi, responsável pela
primeira transmissão de televisão em 1950, brevemente se estenderia por outras
cidades e estados, formando uma rede e sendo seguida, neste mesmo processo, por
outras emissoras. Entre 1959, ano em que começou a ser divulgado pelo IBGE o
número de emissoras de televisão existentes no Brasil, e 1962, ano de
promulgação do CBT, aumentou de oito para 27 esse número, comportando-se da
seguinte forma:


Gráfico 3: Crescimento Percentual das Emissoras de TV no Brasil
(1959-1962)


Fonte: Elaboração dos autores, com base no Anuário Estatístico do
IBGE


O aumento no número de emissoras ocorria a cada ano, porém também era cada
vez menor. Ao rádio, restou outra estratégia – a interiorização, ocupando a
maior parte do território brasileiro, onde a TV, por questões técnicas, não
chegava ou chegava com dificuldade. Note-se, no gráfico 4, que a interiorização
foi promovida basicamente por meio das emissoras transmitidas em ondas médias:


Gráfico 4: Crescimento das Emissoras de Rádio no Brasil
(1959-1962)


Fonte: Elaboração dos autores, com base no Anuário Estatístico do
IBGE


As transmissões em ondas médias eram preferencialmente adotadas em todo o
Brasil e eram a forma dominante principalmente no interior. Nas capitais,
faziam-se notar, também, as emissoras em ondas curtas. O altíssimo número de
emissoras transmitidas em ondas médias no interior fez com que, em valores
absolutos, viesse de longe das capitais o maior número de emissoras de rádio,
caracterizando o rádio como o meio de comunicação por excelência do interior. O
gráfico 5 possibilita uma comparação entre as taxas de crescimento do rádio na
capital e no interior:


Gráfico 5: Crescimento Percentual das Emissoras de Rádio no
Brasil (1959-1962)


Fonte: Elaboração dos autores, com base no Anuário Estatístico do
IBGE.


Com base nas estatísticas descritivas de crescimento da radiodifusão nas
décadas de 1940, 50 e 60, pode-se formular hipóteses quanto ao mercado, que
demandam investigação posterior para serem validadas ou refutadas. A diminuição
na taxa de crescimento das emissoras de radiodifusão pode ser reflexo dos
seguintes fatores: inexistência de condições técnicas apropriadas para a
expansão das emissoras e formação de redes, falta de empresários com recursos
suficientes para proceder aos investimentos necessários; e ausência de um marco
regulatório que desse garantias e segurança aos interessados no setor.


Enquanto o rádio se consolidava no interior, a televisão avançava sobre o
bolo publicitário brasileiro, cujas verbas mais fartas tradicionalmente se
concentram nas capitais. Em 1962, pela primeira vez, a TV ultrapassou
percentualmente o rádio nesse quesito, chegando a ocupar 24,7% do bolo
publicitário contra 23,6%, distância que viria a aumentar nos anos seguintes,
conforme demonstrado pelo gráfico 6:


Gráfico 6: Participação Percentual no Bolo Publicitário
Brasileiro (1955-1966)


Fonte: Publicidade Brasileira, 2 (17): 6, jun. 1978, apud
Lattman-Weltman, 2003


Note-se o grande salto na participação das emissoras de TV no bolo
publicitário entre 1960 e 1962: o índice saltou, em dois anos, de 9% para 24,7%.
Em 1966, a TV se tornaria o meio com maior participação no bolo publicitário
(39,5%), superando também a revista, que passou a ter 23,3% da fatia contra
17,5% do rádio.


O mercado da radiodifusão tornava-se ainda mais interessante aos
investidores, graças ao interesse do próprio Estado em participar de operações
no setor. O IBGE reconhecia, em 1956, 28 emissoras de rádio mantidas com
subvenções estatais: uma no Maranhão, uma no Pará, uma em Pernambuco, uma em
Alagoas, oito em Minas Gerais, duas no Espírito Santo, duas no Rio de Janeiro,
sete em São Paulo, duas no Paraná, duas no Rio Grande do Sul e uma em Mato
Grosso.


Ajudados pelas benesses estatais, os empresários donos de meios de
comunicação de massa, independentemente da mídia em que operavam, amparavam-se
nos favores gerados no seio do Estado para consolidarem suas empresas. Já
regulado o rádio, permaneciam sem regulação consolidada as transmissões de
televisão, apesar de obviamente demandarem especificações técnicas próprias. A
ausência de regulação favorecia, em parte, os interessados em investir no setor.
Se, por um lado, a obtenção de uma concessão dependia de critérios mais
subjetivos, tal como apoio político, por outro, não precisavam se preocupar, por
exemplo, com questões relativas a limites para a posse de emissoras, caráter dos
investimentos e tipo de programação a ser veiculada.


A relação de permissividade e de simbiose entre interesses público e privado
não se restringia ao financiamento de atividades por parte dos agentes públicos.
Empresários do setor, aos poucos, alcançaram cargos políticos de destaque e
teriam papel importante na empreitada que levaria à regulação da radiodifusão no
Brasil, por meio da promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações.


Os vetos de João Goulart


Na mensagem nº173, datada de 27 de agosto de 1962 e publicada na seção II do
Diário do Congresso Nacional de 5 de setembro de 1962, o Presidente da República
João Goulart relacionou 52 vetos ao projeto de lei que instituía o Código
Brasileiro de Telecomunicações (CBT) (BRASIL, 1962a). Fruto de nove anos de
negociações, o CBT fora protocolado como Projeto de Lei do Senado nº 36, de
1953, e, depois, na Câmara dos Deputados, com o número 3.549, de 1957 (BRASIL,
1962b).


Antes dos vetos, o documento refletia os entendimentos entre militares,
estudiosos da telefonia e de sistemas de transmissão de dados (PIERANTI, 2005),
e civis, notadamente empresários com interesses no setor. Não era preciso em
relação aos critérios para distribuição de concessões de emissoras de rádio e de
televisão, nem em relação a punições de eventuais infrações. Técnico em sua
essência, não estipulava limites rígidos para as diferentes formas de
preenchimento das freqüências. Os vetos estabelecidos pelo Presidente da
República foram separados em categorias na tabela abaixo:


Vetos de João Goulart ao Código Brasileiro de Telecomunicações
(CBT)








































  Número de Vetos % do Total
Fortalecimento do Presidente da República 13 25
Competências de ministérios e outros órgãos 16 30,77
Conflito com outros marcos legais 8 15,38
Imprecisão do texto do CBT 11 21,15
Outras 4 7,70
Total 52 100%


Fonte: Elaboração dos autores


A primeira categoria, fortalecimento do Presidente da República,
envolve todos os vetos que, de alguma forma, buscavam ampliar a participação
do Poder Executivo nas telecomunicações seja como autoridade concessionária,
seja como ente responsável por supervisionar medidas e ações referentes ao tema
tratado. Como exemplo do primeiro papel, podem-se destacar os exemplos abaixo
(as razões do Presidente da República estão precedidas pelo texto final do
Código Brasileiro de Telecomunicações):




‘Veto: Artigo 33 § 3º


Texto: Os prazos de concessão e autorização serão de 10 (dez) anos para o
serviço de radiodifusão sonora e de 15 (quinze) anos para o de televisão,
podendo ser renovados por períodos sucessivos e iguais, se os concessionários
houverem cumprido todas as obrigações legais e contratuais, mantido a mesma
idoneidade técnica, financeira e moral, e atendido o interesse público (art. 29
X).


Justificativa: O prazo deve obedecer ao interesse público, atendendo a
razões de conveniência e de oportunidade, e não fixado a priori pela lei. Seria
restringir em demasia a faculdade concedida ao Poder Público para atender a
superiores razões de ordem pública e de interesse nacional o alongamento do
prazo da concessão ou autorização, devendo ficar ao prudente arbítrio do poder
concedente a fixação do prazo de que cogita o inciso vetado.


(…)


Veto: Expressão ‘se a respectiva concessionária ou permissionária decair
do direito à renovação’ no Caput do artigo 75


Texto: A perempção da concessão ou autorização será declarada pelo
Presidente da República, precedendo parecer do Conselho Nacional de
Telecomunicações, se a respectiva concessionária ou permissionária decair do
direito à renovação.


Justificativa: Tratando-se de concessão, ou permissão ou autorização, não
se deve construir ou estabelecer nenhum direito da renovação que tolheria o
prudente arbítrio da autoridade concedente.’ (PIERANTI, 2005, p.
121-122)


Como exemplo da pretendida ampliação de poder por parte do Poder Executivo,
pode-se destacar o seguinte veto:




‘Veto: Artigo 33 § 4º


Texto: Havendo a concessionária
requerido, em tempo hábil, a prorrogação da respectiva concessão ter-se-á a
mesma como deferida se o órgão competente não decidir dentro de 120 (cento e
vinte) dias


Justificativa: Não se justifica que,
competindo à União o ato de fiscalizar, de gerir, explorar ou conceder
autorização, ou permissão ou concessão etc., o seu silêncio, muitas vezes
provocado pela necessidade de acurado exame do assunto, constitua motivação para
deferimento automático. Os problemas técnicos surgidos, as exigências
necessárias à verificação do procedimento das concessionárias etc. podem, muitas
vezes, ultrapassar o prazo de 120 dias, sem qualquer culpa da autoridade
concedente.’ (PIERANTI, 2005, p. 121)


A segunda categoria, competências de ministérios e outros órgãos,
abrange os vetos que discutiam a participação nas telecomunicações e na
radiodifusão dos diversos atores ligados ao Estado, exceção feita ao Presidente
da República. Neste âmbito, estão ministérios, poderes Legislativo e Judiciário
e o Conselho Nacional de Telecomunicações, que João Goulart propôs, por exemplo,
ser vinculado ao Ministério da Viação e das Obras Públicas. Um dos vetos
estabelecidos foi:




‘Veto: Parágrafo único do artigo 53


Texto: Se a divulgação das notícias falsas houver resultado de erro de
informação e for objeto de desmentido imediato, a nenhuma penalidade ficará
sujeita a concessionária ou permissionária.


Justificativa: A veracidade da informação deve ser objeto de exame antes
da divulgação da notícia, não sendo justo que alguém transmita uma informação
falsa, com todos os danos que daí podem decorrer, inclusive para a segurança
pública, sem sujeição a qualquer penalidade. A apreciação da boa ou má fé da
divulgação ficará a cargo da autoridade competente ou do Poder Judiciário, se
for o caso.’ (PIERANTI, 2005, p. 121)


As duas categorias seguintes, conflito com outros marcos legais e
imprecisão do texto do CBT, que, juntas, englobam 36,53% dos vetos, são
de interesse secundário para esta pesquisa, referindo-se a questões legais e à
inserção deste novo documento no espírito do manancial legal vigente no país. A
quinta categoria, outras, reúne os vetos que não se encaixam nas
categorias anteriores.


As duas primeiras categorias, fortalecimento do Presidente da República
e competências de ministérios e outros órgãos, abrangem, juntas,
55,77% dos vetos. Enfraquecido como Presidente da República, João Goulart seria
deposto menos de dois anos depois da promulgação do Código Brasileiro de
Telecomunicações. Em 1962, ainda tentava dar, no campo das telecomunicações, ao
Estado e a ele próprio a força de que fora daquele campo não dispunha.


O fortalecimento do Estado contrastava com as pretensões de alguns atores,
manifestadas explicitamente nos artigos do Projeto de Lei que instituía o Código
Brasileiro de Telecomunicações. Ao se opor às concessões de emissoras de
radiodifusão por prazos pré-determinados, Goulart usava como justificativa o
‘interesse público’ – neste caso, estatal – ao qual as emissoras e as concessões
públicas deveriam se submeter. Opunha-se, ainda, ao estabelecimento de normas
que restringissem o poder de regulação do Estado, bem como seu papel de
fiscalizador das concessões. Ao rechaçar prazos fixos para as concessões e a
possibilidade de renovação automática das mesmas, na ausência de posicionamento
por parte do agente regulador, ampliava os riscos do investidor, nele
reconhecendo a possibilidade de dissonância em relação ao ‘interesse público’.
Quando confrontado esse interesse com a pretensão pessoal dos empresários,
deveria prevalecer, de forma incontestável, o primeiro, a ser definido e
defendido pelo agente estatal.


Note-se que essas contestações do Presidente da República não se restringiam
ao modelo de concessões públicas, mas também às informações veiculadas pelos
meios de comunicação eletrônicos. Isso fica claro no veto de Goulart ao
parágrafo único do artigo 53 do Projeto de Lei em discussão. Para justificar a
existência de uma censura prévia a esses meios, o Presidente da República fazia
uso de conceitos como ‘justiça’ e ‘má fé’ da divulgação das notícias – conceitos
flexíveis, amplos e passíveis de interpretação diferenciada, dependendo do
ocupante do cargo máximo da hierarquia federal. Defendida a censura prévia,
Goulart não a requisitava para si ou para qualquer órgão a ele diretamente
submetido, ficando essa prática como responsabilidade do Poder Judiciário ou de
outra autoridade competente para a função.


Publicada no Diário do Congresso Nacional, a defesa dos vetos feita por
Goulart e, em sua essência, a defesa do papel do Estado como regulador essencial
das telecomunicações, foi apreciada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado
Federal.


A apreciação do Congresso Nacional


Quando o Congresso Nacional reuniu-se, no dia 26 de novembro, para apreciar
os vetos de João Goulart ao Projeto de Lei que instituía o Código Brasileiro de
Telecomunicações, já era evidente a força de empresários (e futuros empresários)
de mídia no parlamento brasileiro. De reuniões anteriores haviam participado,
por exemplo, Carlos Lacerda, dono da Tribuna da Imprensa, e
Antônio Carlos Magalhães, que, com o tempo, viria a se tornar um dos
principais nomes da radiodifusão nacional. Convocado o Congresso Nacional para a
votação às 21h30, foi encerrada a discussão e constatada a falta de quorum para
a votação (BRASIL, 1962c).


Nova sessão seria iniciada, no dia seguinte, com uma novidade. Na manhã
daquele dia (Abert, 2006), foi fundada a Associação Brasileira de Emissoras de
Rádio e de Televisão – Abert. Até então, os empresários de mídia reuniam-se em
associações estaduais e em um sindicato das empresas proprietárias de meios de
comunicação de massa. A criação da Abert refletia a mobilização dos empresários
do setor, que haviam se organizado em função dos debates acerca do Código
Brasileiro de Telecomunicações e, posteriormente, em oposição aos vetos de João
Goulart. Posicionavam-se, assim, contrariamente ao fortalecimento da presença do
Estado na radiodifusão brasileira.


Entre os que se dedicaram à formação de um grupo de pressão contrário aos
vetos de Jango estavam personagens de destaque no cenário político (ou que
viriam a tê-lo), radialistas e especialistas em radiodifusão. Nos dois últimos
grupos, estavam, por exemplo, José de Almeida Castro, Mário Ferraz Sampaio e
Enéas Machado de Assis (que, por sua vez, já participara das discussões no
Congresso Nacional como especialista em radiodifusão). No primeiro grupo a lista
é extensa. Antônio Abelin já exercera mandato de vereador em Santa Maria, Rio
Grande do Sul. João Calmon, representante dos Diários Associados,
voltaria a freqüentar os mesmos corredores do Congresso Nacional em que, no
fim de 1962, liderou o movimento dos empresários. Em 1963, ele se elegeria
deputado federal e, na década seguinte, senador da República. Clóvis Ramalhete
se tornaria ministro do Supremo Tribunal Federal. Nagib Chede conquistaria vaga
de deputado. Todos esses são reconhecidos pela própria Abert (2006) como
peças-chave na luta contra os vetos de João Goulart.


A aprovação do Código Brasileiro de Telecomunicações dar-se-ia em duas
reuniões do Congresso Nacional – a segunda, no dia seguinte à primeira, em 28 de
novembro. Nelas, cada um dos vetos de João Goulart seria derrubado, um a um, em
votação nominal, o que sugere a despreocupação dos votantes com a impressão que
a sociedade e seus eleitores poderiam ter de suas manifestações. Entre os vetos
citados na seção anterior, os prazos das concessões (Artigo 33 § 3º) seriam
mantidos por 181 votos contra 50 e 7 em branco; a possibilidade de deferência
automática da renovação às concessões seria mantida por 187 votos contra 49 e 2
em branco; a impossibilidade de punição a empresas que desmentissem eventuais
notícias falsas rapidamente foi mantida por 235 votos contra 11 e sete em
branco; e as restrições à perempção da concessão constantes do artigo 75 foram
mantidas por 243 votos contra 3 e 7 em branco.


Curiosamente, nem o Presidente da República, nem os congressistas que
aprovaram o Código Brasileiro de Telecomunicações consignaram qualquer objeção
ao parágrafo único do artigo 38 do documento. Determina o dispositivo: ‘Não
poderá exercer a função de diretor ou gerente de empresa concessionária de rádio
ou televisão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial.’
(BRASIL, 1962d)


Em 1988, a nova Constituição Federal passaria a proibir, em seu artigo 54,
que parlamentares firmassem ou mantivessem contrato com empresas concessionárias
de serviço público, como é o caso das emissoras de rádio e de televisão, ou que
aceitassem ou exercessem cargos ou funções nelas (PIERANTI, 2005). Juntos,
Código Brasileiro de Telecomunicações e Constituição Federal poderiam ter
restringido sobremaneira a influência de parlamentares no setor. Na prática,
porém, as restrições não surtiriam efeito.


Considerações finais


O processo de discussão, de elaboração e de aprovação do Código Brasileiro de
Telecomunicações exemplifica de forma precisa a conjuntura de forças no cenário
da radiodifusão na década de 1960 e que, de certa forma, tem eco até o
presente.


Cabe apontar, como observado, que, à época da promulgação do Código
Brasileiro de Telecomunicações, a radiodifusão já despertava grandes interesses
por pelo menos dois motivos. Um deles era inequívoco: emissoras de rádio e de
televisão já apareciam como excelente veículo político, sendo arma importante em
qualquer campanha eleitoral. O segundo estava se consolidando: crescia o mercado
de radiodifusão e, com ele, crescia a participação dos meios de comunicação
eletrônicos no bolo publicitário. Enquanto o rádio firmava-se como o meio de
comunicação, por excelência, do interior do país, sendo, não raro, o único que
realmente chegava às áreas mais afastadas, a televisão conquistava as cidades e
antevia a possibilidade de ampliar sua área de recepção. A radiodifusão
tornava-se, então, negócio lucrativo e com bom potencial de crescimento, porém,
no raiar da década de 1960, já diminuía a taxa de crescimento da radiodifusão,
conforme constatado.


Revelava-se, já na década de 1960, a formação de um grupo de pressão ligado à
radiodifusão comercial. Os membros desse grupo não se restringem ao próprio
empresariado, estendendo-se a representantes políticos, que, muitas vezes, se
confundem com os primeiros. A presença de empresários do setor entre os
parlamentares, embora em flagrante dissonância com os dispositivos do Código
Brasileiro de Telecomunicações e da Constituição Federal, permite a ampliação da
força desse grupo de pressão. A simbiose entre público e privado, com parte do
Congresso Nacional legislando em causa própria (e, portanto, defendendo seus
interesses de forma ferrenha), fica caracterizada neste caso. Some-se a isso o
acesso facilitado à sociedade que os empresários têm por intermédio dos seus
meios de comunicação, possibilitando a difusão de suas idéias com vistas à
influência da opinião pública.


Juntos, empresariado e parte do Congresso Nacional (seja os primeiros
representados no segundo, seja o inverso) constituem entrave considerável à
possível (e nem sempre freqüente) oposição do Poder Executivo. Decisões, em
contextos democráticos, do Presidente da República que contrariem esses
interesses dificilmente encontram respaldo e apoio decisivo no Congresso
Nacional. Vale lembrar que, historicamente, a ação dos meios de comunicação tem
se mostrado, no Brasil, decisiva para a condução de governos, sugerindo que o
enfrentamento entre Poder Executivo e mídia dificilmente se mostraria proveitoso
para o primeiro. O eficiente grupo de pressão deixa espaço diminuto para o
atendimento de demandas nascentes no âmbito de movimentos sociais ligados às
Comunicações. Há de se questionar, portanto, a possibilidade de mudanças no
setor, dada a eficiência histórica da atuação do empresariado.


Em 1962, essa relação de forças era menos clara. Por meio de seus vetos ao
CBT, João Goulart opôs-se a interesses dos empresários, aparentemente reunidos
de forma pulverizada em associações regionais, e apostou em sua própria força no
Congresso Nacional. O resultado desse choque demonstra que, apesar da
descentralização organizacional, já eram claros os interesses coletivos, sendo
grande a capacidade de aglutinação em torno deles. A criação da Abert, portanto,
mais que criação de um grupo de pressão, configura-se como consolidação da
predisposição para a defesa de interesses coletivos existentes anteriormente. Ao
darem origem à associação justamente no dia em que seria revelado o resultado da
pressão coletiva dos meses anteriores, os empresários mostraram que já era
grande sua organização.


Referências


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Respectivamente, jornalista e doutorando em Administração na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV) e professor titular da EBAPE/FGV, coordenador do Programa de Pesquisa em Administração Brasileira