Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Mercado publicitário trava regulamentação

No debate para reforma do marco regulatório, o ex-ministro Franklin Martins enfatizou que o faturamento da radiodifusão é ínfimo em relação as telecomunicações. Porém, na Era Lula, o mercado publicitário, principal fonte financeira das emissoras de televisão no Brasil, continuou ávido e capaz de evitar qualquer regulamentação na área, quanto mais qualquer alteração na legislação.

Dados de 2009 (Inter-Meio/Meio & Mensagem) dão conta que a TV aberta no Brasil faturou R$ 13,5 bilhões com publicidade, um crescimento de 7,6% suficiente para manter a dianteira com 60,9% do mercado em relações as outras mídias. A internet, apesar do crescimento de 25%, não ultrapassou 4% do bolo, com R$ 950 milhões de arrecadação.

Dotado de tamanha força, a estratégia do setor empresarial foi seguir na contramão da Constituição Federal e confundir a sociedade sobre papel da publicidade comercial, atrelando a publicidade aos conteúdos e relacionando a liberdade de expressão e artística. O Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) é taxativo ao expor que o país não precisa de mais nenhuma lei para coordenar a área.

Lobby das emissoras é forte

Esta posição enfática se consolidou quando da derrota do Conar, e seus parceiros, na regulação da publicidade do tabaco, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Paula Johns, diretora da Aliança de Controle ao Tabaco (ACT), explica que houve uma reorganização do mercado publicitário que nos últimos anos ficou um pouco mais forte, envolvendo mais indústrias interessadas e agindo conjuntamente, a exemplo de bebidas alcoólicas, produtos infantis e alimentos. Além disso, ela destaca que houve um consenso na sociedade em torno das restrições ao tabaco na época.

Para continuar a aliança empresarial no fim de 2010 foi lançada Frente pela Regulação da Publicidade de Alimentos com diversas organizações da sociedade civil. Ainda assim, Paula enxerga outro obstáculo presente, uma tentativa de partidarizar o debate sob o slogan de cerceamento da mídia: ‘Tratam o tema como se fosse do atual governo. Nós refutamos qualquer tipo de análise nesse sentido. Estamos discutindo uma questão técnica, de forma alguma queremos comparar os governos.’

Agindo em bloco, a ideia de autorregulamentação atuou no Congresso Nacional para paralisar ou rejeitar leis para o setor. Isabella Henriques, coordenadora-geral do projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, explica que foram apresentados vários projetos de lei específicos para proteger o público infantil, mas nenhum foi aprovado: ‘Em algumas comissões eram aprovados, mas nada definitivo.’

Bia Barbosa, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, destaca o projeto de lei 5921/01, que propõe alterar o Código de Defesa do Consumidor ao considerar abusiva a publicidade dirigida a crianças menores de 12 anos. Apesar de aprovado na Comissão de Defesa do Consumidor (CDC), Bia lembra que o texto sofreu pressão dos radiodifusores na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC), e a restrição foi minimizada e poderá sofrer novos recuos na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCTICI), onde o lobby das emissoras é ainda mais forte.

Resolução pune com interdição e multas

Outro projeto merece destaque, o PL 2940/97, do deputado João Pizzolatti (PP-SC), que proíbe a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nos meios de comunicação. A tramitação dos projetos no Congresso, incluindo audiências públicas e debates nas comissões, se apresenta para Bia como demonstrativos de que a ‘a regulação de publicidade não é uma medida antidemocrática, como insistem em afirmar os empresários e proprietários dos meios de comunicação’.

No Executivo Federal, o caso mais emblemático foram as investidas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde. Além da pressão do Conar, a Avisa sofreu seus maiores baques ao receber recomendações da Advocacia Geral da União (AGU) para anular resoluções em 2007, 2009 e 2010.

A última resolução, nº 24/2010, estabelece critérios e exigências informativas para oferta e publicidade de alimentos considerados com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio e de bebidas com baixo teor nutricional, voltada especialmente para proteção do público infantil. A decisão é sustentada pela Organização Mundial da Saúde que desde 2005 destaca que o acesso de alimentos não saudáveis à população infantil influi de forma significativa para a obesidade na fase adulta. As sanções impostas pela resolução aos que a desobedecesse variavam de notificação a interdição e multas de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão.

‘Uma lição a ser apreendida’

Além de críticas da AGU, a resolução 24 foi tratada como inconstitucional pelo Congresso no projeto de decreto 2830/10, do deputado Milton Monti (PR-SP). O Poder Judiciário, por via de liminar concedida pela juíza Gilda Sigmaringa Seixas, da 16ª Vara Federal de Brasília, suspendeu a resolução da Anvisa.

Para enfrentar a letargia do Congresso e Executivo, Edgard Rebouças ressalta ações constantes do Ministério Público no estado de São Paulo contra empresas de fast food: ‘O barulho dessas ações isoladas fez com que o mercado se precavesse mais, até modificarem o código do Conar.’ Apesar dos limites da autorregulamentação, Rebouças considera esse resultado um avanço.

A última grande derrota do mercado publicitário foi ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, desde 1996 a Lei 9.294 já buscava atuar sobre produtos fumígeros, derivados ou não do tabaco, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e de defensivos agrícolas. Em 2000, o então ministro da Saúde José Serra, balizado pelo Instituto Nacional do Câncer, avançou mais sobre a propaganda de tabaco e as retirou de outdoors, espetáculos, eventos esportivos, internet, rádio e TV´s.

Paula Johns, diretora da ACT, lembra que um dos principais argumentos contrário a medida era a possibilidade de crise das emissoras: ‘Temos provas que elas não faliram por isso. A economia é dinâmica. Se deixa de consumir produto nocivo, abre espaço para outro’, defende Paula. Apesar do consumo de tabaco ter diminuído cerca de 18% no Brasil, segundo Paula, o merchandising é poderoso, presente em qualquer bar, padaria, jornaleiro e até na abordagem direta, o que faz Paula enunciar o alerta: ‘Essa é uma lição a ser apreendida. A restrição nos meios de massa pode ser repassada para outros espaços.’

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Da Redação do Observatório do Direito à Comunicação