A grande mídia entrou definitivamente na agenda pública de discussão: está nas escolas, nos sindicatos, nas associações de bairro, no movimento social, nas igrejas, no teatro. Está inclusive, na própria mídia. Entrou ‘na roda’, como se diz popularmente.
Depois do debate sobre a divulgação das fotos do dinheiro no chamado ‘escândalo do dossiê’, que envolveu, sobretudo, a CartaCapital e a Rede Globo, com incontáveis repercussões em sites e blogs, e depois da disputa judicial entre a CartaCapital/Mino Carta e a Veja/Diogo Mainardi, uma controvertida matéria de capa da Folha de S.Paulo, titulada em desacordo com o texto (‘Publicidade oficial ajuda a bancar TV de filho de Lula, 28/11/2006’), trouxe também a público uma disputa entre a Bandeirantes e a revista Veja (ver ‘Folha adota `padrão Veja´ de jornalismo‘).
O novo embate judicial retoma, entre outras, a questão sobre a importância dos recursos públicos para o financiamento da mídia privada – assunto de que tratamos, neste Observatório, no artigo ‘Quem financia a mídia privada?‘ – e alcança agora outra dimensão, a partir da afirmação do jornalista Fernando Rodrigues de que ‘metade dos jornais, rádios e TVs no país iriam à falência no dia seguinte se fosse proibido aceitar propaganda estatal – seja federal, estadual ou municipal’ (cf. ‘Publicidade estatal’, Folha de S.Paulo, 29/11/2006).
A Rede Bandeirantes respondeu em duro editorial no Jornal da Band (quinta, 28/11) afirmando que…
‘…trata-se de uma campanha de natureza concorrencial movida pela Editora Abril, sócia de um canal internacional de TV, a MTV, diretamente atingida pela concorrência da nova programação da Play TV’.
E, mais importante…
‘…propõe que o país aprofunde o debate para esclarecer de vez por todas as relações dos governos com os veículos de comunicação todos, eletrônicos e impressos. Vamos apurar sem limite e sem medo, de peito aberto’.
A resposta da Band insinua que há algo que o público não sabe e deveria saber ou há muito o que apurar nas relações dos governos com a grande mídia. A apuração serviria ao interesse público, mas talvez não seja do interesse de alguns atores importantes do setor de comunicações. Uma vez lançada, todavia, espera-se que a idéia não venha a cair no vazio. Quem assumirá a responsabilidade de levar à frente a proposta de apurar ‘sem limite e sem medo’?
De acordo com o Jornal da Band de sexta-feira (1/12), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça e a Justiça Criminal de São Paulo estão agindo. Noticia-se que o Grupo Abril tem 30 dias para apresentar os documentos dos negócios feitos com sócios estrangeiros que ainda estão pendentes.
‘O primeiro diz respeito à transferência de ações entre duas empresas que pertencem ao Grupo Abril, a Tevecap, que controla as empresas de TV a cabo, e a AbrilCom. E o segundo processo diz respeito à venda de 30% das ações da Editora Abril para o grupo sul-africano Naspers.’
Serviço público
Além dessas disputas na grande mídia privada, o gesto rotineiro – e de praxe – de o presidente da Radiobrás ter colocado seu cargo à disposição do presidente da República, ao final do primeiro mandato, acabou provocando também um debate sobre essa empresa pública de comunicação.
Iniciado em matérias com declarações sem fonte e repletas de alegações sobre a existência de pressões – cujo suposto pressionado não cansa de desmentir –, os editoriais e matérias da grande mídia retomam o surrado arsenal contra o papel que o Estado deve desempenhar no que se refere à comunicação pública (ver, neste OI, ‘A mídia e a mulher de César‘) e ‘Nunca fui pressionado a entregar o cargo‘.
Editorial do Estado de S.Paulo (‘A razão de ser da Radiobrás’, 30/11//2006) chega até mesmo a chamar de ‘noção convencional’ um princípio que está estabelecido no artigo 223 da Constituição da República, isto é, a separação da mídia em privada, pública e estatal. Aliás, a nossa Lei Maior não só faz a distinção entre os três sistemas como determina a complementaridade entre eles, no que se refere ao ‘serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens’ (sic).
Uma das curiosas características do debate sobre a Radiobrás é a total ausência de qualquer posição oficial sobre o assunto por parte do governo – exceto da própria empresa – ou do seu partido, o PT.
De qualquer maneira, o que fica a cada dia mais claro é que a sociedade brasileira está a merecer um debate sério que torne transparentes os meios de comunicação, prestadores que são de um serviço público fundamental. Um debate que leve ao encaminhamento concreto de propostas para a formulação e execução de políticas públicas que aprofundem a democracia no setor. Por tudo isso essa discussão é muito bem-vinda.
Rumo certo
Não há mais como duvidar da centralidade da mídia na vida brasileira, inclusive como importante setor de atividade econômica. A divulgação pelo IBGE, na quarta-feira (29/11), do Sistema de Informações e Indicadores Culturais, revela os primeiros números que dimensionam o peso da chamada ‘economia da cultura’ em nossa sociedade: 10% da riqueza gerada no país, ou cerca de 66,5 bilhões de reais em 2003; quarto lugar entre os gastos familiares e cerca de 3,7 milhões de trabalhadores envolvidos.
O I Fórum Nacional de TVs Públicas, que está sendo organizado pela Casa Civil, pelos ministérios da Cultura e da Educação e pela Radiobras, previsto para acontecer em fevereiro de 2007, deverá constituir-se num marco fundamental para a consolidação definitiva de um sistema alternativo de comunicação de qualidade no país.
Estamos caminhando no rumo certo. Vamos avançar no debate, como propõe a Band, ‘sem limite e sem medo’. Todos já sabemos quem ganha com isso.
******
Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)