Numa reunião esvaziada, apenas sete participantes, a maioria representantes das empresas de radiodifusão no Comitê Consultivo do Sistema Brasileiro de TV Digital (CC-SBTVD), estiveram reunidos no último dia 12/12 no Ministério das Comunicações (Minicom). Apesar do quórum reduzido (devido ao confuso agendamento do encontro por parte da assessoria do ministério), os presentes aprovaram um cronograma praticamente inviável para a análise de todos os documentos que orientarão o processo final de definição do modelo de referência para a digitalização da televisão brasileira. Em menos de 20 dias, e em pleno calendário das festas de final de ano, as entidades que representam a sociedade civil na instância que deveria nortear as diretrizes do projeto precisam formular questionamentos à Fundação CPqD, que elaborou os documentos, e aos consórcios de universidades, que conduziram as pesquisas sobre os subsistemas que serão usados pela nova forma de transmitir e receber conteúdo televisivo.
De acordo com o Minicom, ficou agendado para o próximo dia 21/12 a entrega dos relatórios finais das pesquisas ao Comitê Consultivo. No dia seguinte, as entidades deverão apresentar seus comentários, que serão objeto de nova rodada de análise até 10/1. ‘Ou seja, vamos discutir em 15 dias tudo aquilo que deveríamos ter discutido nesses meses em que existe o Comitê, mas que por falta de viabilização do governo, do esvaziamento desse espaço (principalmente após a entrada do ministro Hélio Costa), não conseguiu operar como poderia’, avalia Celso Schröder, coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), uma das 23 entidades que integram o CC-SBTVD. ‘Tudo leva a crer que as discussões não estão acontecendo ali e que os pareceres encaminhados pelas entidades da sociedade civil não irão incidir sobre nada’, diz Schröder.
Prova disso é o fato de um dos documentos mais importantes de todo o processo não ter passado pelo Comitê. Na última semana, o FNDC teve acesso, de forma não oficial, ao relatório Política Regulatória: Panorama brasileiro atual, produzido pelo CPqD em meados deste ano. Ao analisar os impactos que a TV Digital exercerá sobre a legislação da área das comunicações, o centro de pesquisas produziu um mapeamento do quadro regulatório do setor de radiodifusão no Brasil.
Feito o diagnóstico, o CPqD tratou de cogitar os possíveis reflexos e necessidades de adequação do ordenamento jurídico que cada um dos três cenários traçados em um outro documento – Mapeamento da Cadeia de Valor da TV Digital – poderia acarretar. Em linhas gerais, o CPqD considera que não há conflito explícito com a Constituição Federal e a Legislação Brasileira, nem barreira intransponível na implantação do SBTVD. Entretanto, aponta para a necessidade de ‘adequar o quadro regulatório à introdução da TV digital no país’, concomitantemente à sua definição, para que possa ser implementado imediatamente. ‘Se isso não for feito juntamente com o processo de formulação de uma lei de comunicação social corremos o risco de a TV digital determinar a legislação a ser feita’, prevê Schröder. Para ele, o documento pode ser usado para justificar a opção por um cenário de introdução da tecnologia digital conservador, que não altere em nada o status quo da comunicação brasileira, mantendo a concentração da propriedade e a fragmentação na regulamentação. ‘Mas também pode ser usado para promover a revisão do marco regulatório do setor, implementando mudanças que levem à democratização e à reestruturação real do espectro e dos sistemas e mercados de comunicações’, antecipa.
Para Nelson Hoineff, representante dos produtores independentes de TV no Comitê Consultivo, que também teve acesso ao documento pelo FNDC, o estabelecimento do modelo para a TV digital brasileira tem que passar pela Lei de Comunicação, e até sugere que a discussão tem que ser urgente, ‘o que não é novidade nenhuma’. Hoineff considera que o relatório do CPqD está muito bem feito, mas pondera que há contradição no sentido de que daqui a dois meses já teremos a definição de um modelo de TV digital, enquanto as discussões sobre a lei ainda nem começaram. ‘Toda nova tecnologia impõe a elaboração de leis que a viabilizem. Em alguns casos, o atraso no reconhecimento disso causa muitos males’, revelou Hoineff. ‘Tem que haver a legislação para fazer a interface entre o sistema e a sociedade’, analisa o produtor.
No dia 10/2/2006, o governo federal deverá anunciar qual será o modelo de referência da TV Digital brasileira.
Leia a seguir uma síntese do estudo do CPqD produzida pelo FNDC.
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Impactos da Legislação em relação aos cenários da cadeia de valor da TV Digital
Cenário incremental
Características:
a) formato de tela 16:9;
b) alta definição;
c) interatividade local;
d) monoprogramação, com possibilidade de mobilidade/portabilidade respeitado um programa por canal.
As três primeiras características não apresentam impacto regulatório. Dependendo da tecnologia adotada para a monoprogramação, poderá haver uso ineficiente da capacidade de transporte de informações na banda de 6 MHZ do canal de freqüência alocado para TV.
Cenário diferenciação
Características existentes:
a) formato de tela 16:9;
b) interatividade local e com canal de retorno intermitente;
c) mobilidade/portabilidade.
Características adicionais possíveis:
a) alta definição;
b) interatividade com canal de retorno permanente;
c) monoprogramação;
d) multiprogramação.
Não são previstos impactos regulatórios em relação ao formato de tela, interatividade local e alta definição. Outras características podem produzir os seguintes impactos: Monoprogramação, Multiprogramação, Interatividade, Mobilidade/portabilidade.
Estratégias para evitar conflitos com os instrumentos de regulação do setor:
Permitir a introdução de novas facilidades e características no serviço de radiodifusão;
Estabelecer obrigações de transporte de sinais em benefício da população;
Permitir a consignação de uma segunda freqüência a cada concessionária para mobilidade/portabilidade ou o compartilhamento, com outras concessionárias, de capacidade de transporte em freqüência diferente.
Cenário convergência
Características existentes:
a) formato de tela 16:9;
b) interatividade local e com canal de retorno;
c) mobilidade/portabilidade;
d) ambiente multisserviço.
Características adicionais possíveis:
a) alta definição,
b) monoprogramação;
c) multiprogramação.
O cenário pode exigir as estratégias:
Permitir a introdução da novas facilidades e características no serviço de radiodifusão;
Desvincular a consignação de uma freqüência a cada concessão do serviço de radiodifusão de sons e imagens;
Permitir a consignação de uma segunda freqüência a cada concessionária para mobilidade / portabilidade;
Estabelecer obrigações de transporte de sinais em benefício da população; permitir o transporte de novos serviços;
Regulamentar o uso das freqüências das faixas VHF e UHF e novas obrigações para as prestadoras de serviços de telecomunicações;
Regulamentar a interação das prestadoras de serviços de telecomunicações com as concessionárias de radiodifusão e com os usuários.
Impactos da legislação em relação aos cinco principais serviços prestados pela TV digital
Monoprogramação
Permitir a introdução de novas facilidades e características no serviço de radiodifusão (multiprogramação, interatividade, mobilidade, etc.); desvincular consignação de uma freqüência a cada concessão do serviço de radiodifusão de sons e imagens, outorgando, por outro lado, capacidade de transporte de sinais digitais; estabelecer obrigações de transporte de sinais em benefício da população, como ‘triplecasting‘, educação a distância e serviços de governo pela TV; permitir o transporte de novos serviços.
Multiprogramação
Alteração no conceito do serviço de radiodifusão de sons e imagens, com a definição de novas facilidades e características; transporte de programações diferentes em um mesmo canal de freqüência e cada programação vinculada a uma concessionária diferente; concentração da questão regulatória na consignação da freqüência; emprego de estratégias propostas para a monoprogramação.
Interatividade – Local
Sem restrições regulatórias; canal de retorno intermitente ou permanente provido pelo concessionário de radiodifusão. Não poderia descaraterizar o serviço de radiodifusão, exigiria vincular todas as interações do usuário à programação transmitida e poderia ser provido de duas maneiras:
a) concessionária contrata prestador de serviço de telecomunicações para prover o canal de retorno e administra o serviço de interatividade bem como o pagamento da empresa contratada;
b) concessionária é a responsável pelo aprovisionamento do canal de retorno.
Em qualquer caso, será necessário prever instrumentos de regulação que permitam à concessionária executar os serviços interativos. O CPqD sugere restringir o uso da interatividade à programação assistida, classificando-o como um serviço auxiliar de radiodifusão, como uma nova opção de serviço ancilar ou como um serviço especial secundário.
Mobilidade/Portabilidade
Quanto à programação:
a) se a programação recebida pelos terminais de acesso móveis e/ou portáteis for a mesma dos terminais fixos (TV convencional) não há conflito com a regulamentação existente;
b) se houver diferença na programação recebida por um tipo de terminal e outro, vale a análise referida para a multiprogramação;
Quanto à freqüência consignada:
a) transporte da programação no mesmo feixe de dados em uma banda de 6 Mhz (canal atual) não há conflito com as regras atuais se a aplicação for definida como uma nova facilidade ou característica do serviço;
b) uso de uma freqüência adicional para oferta da mobilidade/portabilidade existem duas estratégias possíveis – consignar à concessionária uma segunda freqüência ou outorgar capacidade de transporte em uma outra freqüência compartilhada com diversas concessionárias.
Multisserviços
Prevê a permanência da diferenciação existente, inserida pela Constituição Federal de 1988, entre serviços de radiodifusão de sons e imagens e serviços de telecomunicações. Preserva os conceitos definidos mas permite a convergência com duas implicações: emprego da plataforma da TV Digital como uma rede de telecomunicações (permitindo que canais VHF e UHF também sejam explorados pelas operadoras de telecom).
Novo uso das freqüências exigiria adoção de uma das seguintes estratégias:
a) desvincular a consignação de uma freqüência a cada concessão do serviço de radiodifusão;
b) regulamentar o uso das freqüências das faixas de VHF e UHF e novas obrigações para as prestadoras de serviços de telecomunicações;
c) regulamentar a interação das prestadoras de serviços de telecomunicações com as concessionárias de radiodifusão e com os usuários.
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Jornalista