Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Muito barulho e pouca informação

Falta um esforço maior de conscientização por parte de muitos internautas na mobilização contra o Projeto de Lei 84/1999, destinado a combater crimes praticados pela internet, mas que possui dispositivos extremamente preocupantes em relação ao direito de expressão assegurado pela Constituição Federal. Muitos dos blogs e sites envolvidos nessa campanha de ciberativismo limitam-se a repetir o que terceiros dizem, sem dar referências das informações que veiculam. Muito se fala desse projeto de lei, mas poucos são aqueles que transcrevem os seus pontos polêmicos ou que fornecem links para onde estão as informações primárias sobre o assunto e análises acerca da questão.

Um dos pontos mais estranhos do PL foi proposto pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) por meio de seu substitutivo, aprovado pelo Senado em julho.

Aberração conflitante

Seu artigo 2º prevê os seguintes acréscimos ao Código Penal (Decreto-lei 2.848, de 07/12/1940):

‘Art. 285-B. Obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Se o dado ou informação obtida desautorizadamente é fornecida a terceiros, a pena é aumentada de um terço.’

Os grifos acima são meus. Não é preciso ser especialista em Direito Constitucional para ver que essa aberração conflita explicitamente com o inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece:

‘É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.’

Circulação de idéias e opiniões

Vale a pena ressaltar também o que dispõem a esse respeito dois acordos internacionais ratificados pelo Brasil, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, e a Convenção Americana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos:

‘Declaração Universal dos Direitos Humanos

Artigo XIX

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.’

‘Convenção Americana de Direitos Humanos

Artigo 13

Liberdade de Pensamento e de Expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.’

Interesses de bancos

Na quinta-feira (13/11), o substitutivo de Azeredo foi duramente criticado em audiência pública na Câmara dos Deputados, que está documentada em vídeo na web. Mesmo quando se trata de proteger informações pessoais, a proposta o faz por meio de dispositivos genéricos e completamente cerceadores, como o seguinte:

‘Art. 154-A. Divulgar, utilizar, comercializar ou disponibilizar dados e informações pessoais contidas em sistema informatizado com finalidade distinta da que motivou seu registro, salvo nos casos previstos em lei ou mediante expressa anuência da pessoa a que se referem, ou de seu representante legal:

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros para a prática do crime, a pena é aumentada de sexta parte.’

Do modo como está redigido esse artigo, ele prevê a completa impossibilidade dos mais responsáveis trabalhos de jornalismo investigativo. Uma coisa é proteger bancos de dados confidenciais; outra coisa é essa proibição ampla, geral e irrestrita.

Além dessa iniciativa de violação de direitos, o substitutivo de Azeredo prevê também outros dispositivos, sobre os quais tenho algumas dúvidas quanto a serem lesivos ou não ao interesse público. Preciso entendê-los melhor. É o caso, por exemplo, de seu artigo 22, que obriga ‘o responsável pelo provimento de acesso a rede de computadores mundial, comercial ou do setor público’ a:

‘manter em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 3 (três) anos, com o objetivo de provimento de investigação pública formalizada, os dados de endereçamento eletrônico da origem, hora, data e a referência GMT da conexão efetuada por meio de rede de computadores e fornecê-los exclusivamente à autoridade investigatória mediante prévia requisição judicial;’

Muitos dos críticos do substitutivo de Azeredo o apontam como sendo, na verdade, uma iniciativa dos bancos. Com base no que registrou a Folha de S.Paulo com a reportagem ‘Nova lei para fraudes pode beneficiar banco‘, de 16/08/2008, foi inspirada a postagem ‘Bancos, saiam do armário e assumam a Lei Azeredo‘ (17/08/2008), do blog Não Zero. Naquela matéria, diz a Folha:

‘Oficialmente, a Febraban [Federação Brasileira de Bancos] não comenta o assunto. Entre os congressistas, é consenso que a instituição foi a mais ativa nas discussões. Os bancos pagam por ano cerca de R$ 500 milhões às vítimas de fraudes na rede, clonagem de cartões e golpes em caixas automáticos (…)

A Scopus, que cuida da infra-estrutura de `internet banking´ do Bradesco, incluindo a certificação, seria uma das beneficiadas. Nas eleições de 2002, a empresa – que pertence ao Bradesco – doou R$ 150 mil à campanha de Azeredo. O senador nega qualquer favorecimento aos bancos na nova lei.’

Marcação cerrada

Vários aspectos lesivos dessa proposta já haviam sido apontados no ano passado, como na nota ‘O Projeto de Lei do Senador Eduardo Azeredo e seus custos para o Brasil – Internet brasileira precisa de marco regulatório civil‘, de 22/05/2007, de projeto Acesso ao Conhecimento do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RJ, que afirma:

‘Dessa forma, o projeto em questão afeta a vida da maioria dos brasileiros, sejam aqueles que possuem telefones celulares, sejam aqueles que acessam a Internet por computadores, ou aqueles que serão futuros espectadores da televisão digital. Por essa razão, é inconcebível que um projeto como esse não seja debatido de forma mais ampla com a sociedade civil e com os representantes dos interesses diretamente afetados. O rol destes é grande e inclui: provedores de acesso, empresas de tecnologia de modo geral, consumidores, universidades, organizações não-governamentais, empresas de telecomunicação, apenas para elencar alguns.’

Em julho, com a aprovação do substitutivo no Senado, foram feitas outras boas análises, como ‘Senado aprova projeto nocivo à Internet. Agora é a vez da Câmara‘, do jornalista Pedro Dória, em seu blog No Mínimo, e ‘Senador insiste no controle da Web indo na contramão do processo de inovação tecnológica‘, (08/07/2008), do jornalista Carlos Castilho em seu blog Código Aberto, hospedado neste Observatório.

Na contramão do ciberativismo que faz pouco aproveitamento dos recursos da web, há bons exemplos, como o combativo blog Xô Censura!, que ontem, dia 15 de novembro, publicou ‘Hoje é dia da blogagem politica – Não ao vigilantismo‘. Podem colocar este blog na lista dos que aderiram à campanha contra essa aberração. O assunto é de interesse público e, espero, suprapartidário. Bem que nossos ciberativistas poderiam fazer marcação cerrada sobre os deputados que votarem a favor do substitutivo de Azeredo. Aliás, os banners dessa campanha já deveriam ter mensagens com teor mais direto, do tipo: ‘Abaixo a censura na internet! Não reeleja quem apóia a Lei Azeredo.’

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Jornalista especializado em ciência e meio ambiente, editor do blog Laudas Críticas