Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Na luta pelas rádios comunitárias

A comunicação é o elo de convergência de diversas lutas no que diz respeito à democracia, ao acesso da sociedade às discussões políticas, sociais, culturais e econômicas. Contudo, como aponta José Luiz do Nascimento Sóter, esse poder se concentra na mão de pequenos grupos, que se convertem, em sua maioria, a um modelo comercial.

José Luiz do Nascimento Sóter, eleito diretor-executivo da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) durante o sexto Congresso da entidade realizado no final do ano passado, ratifica a importância das rádios comunitárias (Radicom) como ‘uma das mais significativas formas práticas de se fazer comunicação pública no país’. Apesar da formação em Técnicas Agrícolas, desde sua adolescência Sóter esteve ligado ao processo de ações pela democratização da informação, em especial, no trabalho junto à Abraço, ‘na conquista por espaço de comunidades que vivem afastadas e sem acesso aos meios de comunicação’.

Na entrevista concedia a este e-fórum, Sóter assinala os próximos passos por um caminho que atenda os preceitos estipulados na lei que criou as Radicom. O dirigente fala também sobre a nova gestão da entidade.

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Quais são os maiores problemas enfrentados pela Radicom? Como contornar os mesmos?

José Luiz Sóter – Continuamos com a mesma pauta requentada a cada semana, a cada mês, que é a perseguição pela Polícia Federal e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Nós tivemos o fechamento de diversas emissoras em Minas, Belém e também na Paraíba. E isso faz com que essa seja uma pauta constante. Sentamos com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos – do Ministério da Justiça – para discutir como mudar essa política. Nesse encontro ficou acertado que iremos fazer um seminário jurídico com a participação da Secretaria, da Abraço, do Ministério Público, com a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República e os parlamentares que tenham atuação na área comunitária. Esse evento visa a tratar essa questão com a finalidade de ver quais são os nós na legislação que propiciam a existência dessa ação repressora do Estado com as Radicom.

Atualmente há um grande número de rádios em mãos de Igreja e políticos, como a Abraço vê isso?

J. L. S. – A Abraço faz um mea culpa. Na verdade, quem participou ativamente da conceituação de radiofonia comunitária/pública – que, inclusive, resultou num código de ética – desde a criação e regulamentação desse serviço, não teve forças e competência para poder também capacitar as comunidades para que elas pudessem ocupar e se apropriar desse espaço. Resultou na falta de estrutura para estarmos fazendo essa capacitação e consultoria às comunidades, orientando qual o melhor processo e caminho para chegar a uma concessão/autorização perante o Ministério das Comunicações (Minicom).

Assim, abriu-se um espaço para que comunidades ‘bem assessoradas’ saíssem à frente e obtivessem permissão para ‘trabalhar’ em detrimento do nosso pessoal. Grande parte dos lugares onde existe uma emissora de baixa potência nas mãos de um ‘picareta’, seja ele, religioso, político ou econômico, existe uma comunitária que não conseguiu sua autorização.

A nossa proposta é dar luz para a questão da entidade sem fins lucrativos, aberta à participação de toda comunidade, o que foi sacramentado na norma complementar nº 01/2004, que especifica que todos os cidadãos residentes na área de abrangência de uma determinada emissora tenham o direito de se filiar à mesma. Tendo o direito de voz e voto. Esse é um elemento que nós vamos utilizar, a partir de agora, em relação às emissoras que já foram autorizadas. E vamos capacitar as comunidades. Para isso, estamos elaborando projetos como um programa de capacitação das comunidades para que, utilizando a legislação, elas possam se apropriar dessas emissoras que foram usurpadas por esses segmentos.

Como tornar mais viável a existência das radicom perante as barreiras perante as concessões?

J. L. S. – Para contornar essa questão conceitual e de princípios, o caminho mais fácil e educativo é o de capacitar as comunidades. Atuar em várias frentes, como na Secretaria dos Diretos Humanos, do Ministério da Justiça, para que ajudem, dando apoio político para uma mudança na legislação. Também há outra ação conjunta com as forças organizadas da sociedade, para que se faça uma pressão e se convoque a Conferência Nacional de Comunicação, onde, com certeza, todos esses imbróglios na comunicação serão tratados e apontadas soluções a curto, médio e longo prazo.

Nosso objetivo é que todos os municípios tenham os seus avisos de habilitação editados. Também queremos que sejam atendidos aqueles que estão excluídos do meio de comunicação, por exemplo, povoados, aldeias indígenas, quilombolas, totalmente desassistidos de meios de comunicação. Queremos que seja ampliado o espectro de aviso de habilitações para atender a esses nichos.

Quais os principais pontos e desdobramentos resultantes do 6º Congresso?

J. L. S. – Nós tivemos, logo após o congresso, um período de recesso, mas mesmo durante ele a nova diretoria começou a se mobilizar para atender a agenda que foi defendida no encontro, que é a reorganização da entidade. Para isso, estamos revendo as secretarias junto com a coordenação executiva. Estamos também elaborando um seminário de planejamento para o início de março no Rio de Janeiro.

Os coordenadores regionais estão criando seus planos de luta para esse planejamento. A secretaria de comunicação está construindo um portal para a Abraço e estamos discutimos algumas ações políticas, como a questão do Conselho Consultivo da Anatel, a Comissão pró-Conferência e a participação efetiva das Abraços estaduais e radicoms nessa convocação.

Quais os rumos para os próximos anos da Abraço?

J. L. S. – A meta principal é criar uma estrutura forte em todas as pontas do sistema –regional, estadual e municipal. Para isso, fizemos uma reforma estatutária, na qual se enxugou a diretoria para uma executiva com oito pessoas. Criamos cinco regionais que não fazem parte dessa executiva e instituirão quatro órgãos vinculados, que atuarão na prestação de serviços para liberar a entidade enquanto representação política. Esses órgãos serão constituídos em uma rede que lincará todas as rádios comunitárias filiadas à instituição, uma agência de notícias para produzir os conteúdos que alimentarão nossas emissoras, uma agência de publicidade e propaganda para captar os recursos, visando a garantir a sustentabilidade, e a escola de formação de comunicação voluntária para capacitar o nosso pessoal e a comunidade.

Diante das transformações do modelo radiofônico, com a convergência de sinais e surgimento de espectros públicos, quais as considerações a se fazer em relação à Radicom?

J. L. S. – Para nós, as rádios comunitárias constituem a essência de uma radiodifusão pública, são a expressão desse segmento e estaremos trabalhando na defesa da mesma, buscando a união daqueles que se colocam no campo de defesa desse modelo de radiodifusão. Temos que construir uma interface que vincule os integrantes da luta para fazer uma comunicação séria no Brasil.

A respeito da radiodifusão digital, conseguimos barrar a implantação do serviço pelo Ministério das Comunicações, para dar mais prazo ao debate. É essencial que tenhamos um padrão digital aberto e que a tecnologia adotada seja de fácil assimilação, pois se for nos moldes que estavam sendo trilhados, iríamos ficar totalmente excluídos – pelo custo dos equipamentos e demais gastos que inviabilizariam a rádio pública e comunitária.

Outra questão é que se há novos produtos tem de haver a abertura de novos processos, não se pode simplesmente transferir um canal digital para os que são detentores de um analógico. Sem isso, você vai agregar mais canais para aqueles que já possuem o monopólio da comunicação.

A possibilidade de você democratizar é justamente abrir esses canais para atender todos os segmentos da sociedade. E essa democratização no espectro poderia solucionar uma parte dos problemas das radicom, visto que elas são invadidas por outros que não têm serviço destinado ao seu segmento e se apropriam do nome usando o serviço que deveria ser comunitário.

Como e quando você iniciou a luta pelas radcom?

J. L. S. – Comecei atuando em outras áreas de democratização na adolescência. Participei do movimento estudantil, de movimentos culturais e ecológicos. Sempre lutando pela democratização de alguma coisa no país. E a comunicação veio no bojo dessa discussão, da regionalização da produção cultural, artística e jornalística. Constituindo a ponte entre esses movimentos para a obtenção de espaço, uma vez que os meios de comunicação se centralizam em pequenos e fechados grupos. Um processo que começou em outras batalhas e que foi se transformando até chegar à democratização da comunicação e, dentro dela, a definição de uma radiodifusão pública e de rádio comunitária.

Destaque desses 11 anos de atuação da Abraço?

J. L. S. – O principal destaque é que a Abraço conseguiu que o movimento chegasse a diversos os municípios em pouco tempo. Em todas as regiões do Brasil que tomaram conhecimento da possibilidade de construir um meio comunitário esteve ou está a Abraço.