Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Não gosta da urna antiga? Prepare-se para a fraude

Em 4 de setembro de 2006, a revista americana Forbes Magazine, reconhecida no mundo dos negócios e dos líderes americanos, publicou pequeno artigo de autoria de Aviel Rubin, renomado cientista e professor do Departamento de Ciência da Computação, da Universidade de Johns Hopkins. Rubin tentou, em seu texto, responder aos críticos sobre a seguinte questão: por que ele, usuário da mais sofisticada tecnologia computacional e proprietário de um automóvel ultra-sofisticado mecânica e eletronicamente falando, está defendendo uma tecnologia de votação do século 17 em pleno século 21? É inacreditável. Às vésperas das eleições americanas, uma revista do porte da Forbes leva esta mensagem às grandes lideranças do mundo, enquanto no Brasil, salvo algumas exceções, a imprensa pouco comenta as fragilidades do voto eletrônico.

Rubin inicia dizendo que o Congresso americano destinou cerca de três bilhões de dólares à informatização das eleições americanas utilizando um tipo de tecnologia, similar à usada no Brasil, ou seja, máquinas do tipo DREs, que ele considera não oferecer transparência: ninguém deve confiar nelas para a contagem de votos numa eleição pública. Ele cita o exemplo da contagem de 144 mil votos numa localidade com menos de 6 mil eleitores, em eleição ocorrida em 2003 num dos municípios do estado de Indiana.

Fraude nos chips

Como autor de relatório que apontou a fragilidade de um software usado pela empresa Diebold, Rubin considera que o resultado de uma eleição pode ser facilmente alterado. Aliás, o Relatório da Universidade de Johns Hopkins sobre o software da Diebold, divulgado há três anos, foi noticiado em centenas de jornais, em artigos e em todo tipo de mídia no mundo inteiro. No Brasil, este relatório parece ter sido comentado apenas por alguns críticos da urna eletrônica, embora a Diebold seja a vendedora de urnas eletrônicas ao Brasil.

O autor concluiu seu texto propondo um tipo de votação eletrônica que parece simples, mas é dotado de consistente sistema de auditoria. A urna eletrônica deve apenas registrar o voto, sendo a contagem feita por um mecanismo de código de barras, que pode ser fiscalizado por todos. Se o registro da urna bater com a contagem de votos, a tecnologia é confiável. Alguns estudos na Inglaterra propuseram modelos de sistema de votação em que se poderiam utilizar, conjuntamente, os mecanismos tradicionais e a mais alta tecnologia. Aliás, a Inglaterra investiu vários anos em pesquisas sobre o voto eletrônico, mas parece ter abandonado a idéia.

Os americanos têm muitas razões para não confiar nas urnas eletrônicas, principalmente as da empresa Diebold, responsável por mais de 50% do mercado de urnas eletrônicas nos Estados Unidos. Além das falhas do software detectadas por Rubin, a imprensa americana informou que um dos dirigentes principais da Diebold, na eleição passada, era um dos arrecadadores de fundos da campanha dos republicanos e estava muito interessando em que os votos do estado do Ohio fossem destinados ao presidente Bush. Por conta de tudo isto, Rubin argumenta que os que desejarem as urnas eletrônicas se preparem para as fraudes dos chips.

Fiscalização dificil

O texto de Rubin demonstra muito bem a influência do mercado nas eleições americanas, a começar pelos três bilhões de dólares gastos em equipamentos de votação. Mostra a fragilidade do voto eletrônico e demonstra erros cometidos anteriormente. Mais recentemente, dois outros relatórios detonaram as urnas eletrônicas dos Estados Unidos – um do Centro Brennan, da Faculdade de Direito de Nova York, e outro do Instituto de Ciência Eleitoral, que apontou as discrepâncias entre os diferentes registros das urnas eletrônicas, suficientes para comprometer os resultados de uma eleição.

No Brasil, alguns rebatem as críticas ao voto eletrônico como sendo infundadas, argumentando que não há provas de que as urnas já falharam ou foram fraudadas. Realmente, não há provas, uma vez que nenhum estudo foi feito para esta demonstração. É isto que a comunidade acadêmica está exigindo, ou seja, que o sistema de votação seja aberto a uma auditoria; que seja fiscalizado pelo eleitor, e não guardado sob sete capas, já que há suspeitas de erros ou fraudes. Os que têm criticado as urnas eletrônicas não demonstram ser contra a tecnologia. Defendem princípios democráticos e de justiça social.

Por outro lado, apela-se para o fato de que muita fraude e corrupção foram registradas com as urnas tradicionais e, por esta razão, as urnas eletrônicas parecem mais seguras. Isso não é verdade. Fraude e corrupção podem ser maiores com as urnas eletrônicas. Pior ainda: a diferença é que com as urnas tradicionais é possível identificar facilmente a fraude; com as urnas eletrônicas, dificilmente a fraude é identificada. Esta é a grande questão. Além disso, outros tentam relacionar os resultados da pesquisa eleitoral aos resultados das urnas eletrônicas. Não vamos entrar nesta fragilidade, pois pode haver fraude quando as urnas seguem as pesquisas, assim como quando o contrário acontece. Por se tratar de duas coisas distintas não vamos tentar relacioná-las, embora isso possa até acontecer.

Velhas iniqüidades

Ademais, existe inclinação e interesse no uso da tecnologia. É muito difícil resistir ao seu uso nos tempos de hoje, quando crianças de 6 anos já a utilizam para se comunicar por e-mail. É neste momento que devemos avaliar a tecnologia e algumas questões são necessárias para reflexão: o voto eletrônico aumenta o poder das pessoas ordinárias, quando da escolha de seus dirigentes? O voto eletrônico melhora as oportunidades dos mais pobres e analfabetos para votarem sem nenhuma coerção? O voto eletrônico evita a compra de votos? Se estas questões não forem discutidas pela sociedade é possível que o voto eletrônico esteja trazendo mais poderes às elites, às pessoas de níveis educacionais mais elevados e a atores corporativos que atuam no mercado vendendo urnas eletrônicas.

Além disso, outras questões devem ser respondidas: o voto eletrônico foi introduzido no país após extensa discussão com a sociedade ou foi simplesmente uma decisão de cima para baixo? A nossa democracia se fortaleceu com o voto eletrônico? O voto eletrônico está trazendo melhorias à vida das pessoas ou simplesmente contribuindo para elevar os lucros de empresas multinacionais? O voto eletrônico é uma demanda da sociedade ou está sendo direcionado pelos interesses do mercado? O Brasil tem condições de utilizar este tipo de tecnologia? Por que as democracias tradicionais e os países desenvolvidos não a utilizam, quando são detentores da tecnologia?

Observa-se, portanto, que muitas questões não foram ainda respondidas e todas elas afetam a vida das pessoas e de nossa democracia. As críticas não são feitas com o propósito de destruição, mas com o propósito de se buscar o melhor caminho para o bem-estar da nossa sociedade. Embora Rubin tenha tratado apenas das tecnicalidades e da insegurança do voto eletrônico, o debate deve ser aprofundado, envolvendo questões culturais e sociopolíticas, uma vez que a atual tecnologia está causando alienação dos eleitores e provocando a divisão digital, com a reciclagem de velhas iniqüidades.

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Professor da Universidade Federal da Paraíba e pesquisador na área de governo eletrônico e democracia eletrônica; ex-pesquisador das universidades de Harvard e Johns Hopkins