Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Não temos canais efetivamente públicos no Brasil’

O professor da ECA-USP Laurindo Leal Filho, sociólogo e jornalista, opina sobre a TV pública nacional, relacionando-a com a similar norte-americana a partir das declarações de ativistas daquele país. Ele discorre sobre financiamento, influência política e perspectivas para o futuro da TV pública no Brasil.

A Free Press, organização que luta pela reforma da mídia norte-americana, debateu o futuro da TV Pública, organizando um painel com esse propósito na National Conference for Media Reform, ocorrida em janeiro nos Estados Unidos. Na ocasião, David Broncaccio, responsável pelo programa de TV Democracy Now, do canal público Public Broadcasting Service, reclamou que a emissora dá mais espaço em sua grade de horários a programas de direita, como, por exemplo, a realização de um debate sobre o governo do presidente George W. Bush, no qual os dez convidados tinham posições favoráveis a seu respeito.

Laurindo Lalo Leal Filho, mais conhecido como Lalo, trabalhou nas TVs Bandeirantes, Cultura, Gazeta de São Paulo, Globo, entre outras. Ele considera que, no Brasil, a programação dos canais públicos também é determinada por interesses políticos governamentais. ‘Infelizmente, nós não temos canais efetivamente públicos no Brasil. A maioria das emissoras chamadas educativas é muito dependente dos governos, o que as torna estatais e não públicas’, observa.

Avanço

Em novembro do ano passado, o Ministério da Cultura lançou o Fórum Nacional de TVs Públicas para debater e gerar políticas públicas para o setor. Com a participação da Casa Civil, Gabinete da Presidência da República, Radiobrás, entidades da área e organizações da sociedade civil, foi também lançado um Caderno de Debates para orientar as discussões em torno dos temas propostos. ‘É um grande avanço’, avalia o professor. ‘Pela primeira vez no Brasil se discute de forma ampla e em profundidade o papel da TV Pública na sociedade, a partir de uma iniciativa do governo.’

Sua esperança, diz Lalo, é que dessas discussões resulte uma proposta concreta para a criação de uma Rede Pública de Televisão no Brasil, capaz de competir efetivamente com as redes comerciais. Nos Estados Unidos, Congresso criou a Corporation for Public Broadcasting (CPB), em 1967, para promover o desenvolvimento e assegurar o acesso universal a programações não-comerciais de qualidade. O consenso dos debatedores do painel, entretanto, é que a CPB não cumpre sua função.

Semelhanças

O atropelo no processo de implantação da TV digital no Brasil, comentado por Lalo, também ocorre nos Estados Unidos. ‘O debate do conteúdo ficou para um segundo momento, atrás do debate técnico’, atesta Wick Rowland, da Colorado Public Television. Ele considera fundamental fazer um debate sobre a televisão pública norte-americana. Para Lalo, ‘a decisão brasileira foi tomada às pressas, sem um debate amplo na sociedade e atendeu apenas aos interesses dos concessionários. É preciso mobilização para buscar multiprogramação e inclusão digital’, declarou. O sociólogo aguarda para saber qual será o comportamento do governo daqui para a frente. ‘Pressões da sociedade podem conduzi-lo a uma posição um pouco menos alinhada com a das emissoras de TV’, observa.

Exemplo

Peter Hart, da Fairness & Accuracy in Reporting (FAIR), um observatório de mídia, considera financiamento governamental responsável pela interferência política no sistema público de comunicação. ‘A solução é repensar os mecanismos de financiamento’, afirma. Rowland, assim como Hart, defende o modelo europeu, que utiliza um financiamento formado por diversas fontes.

Na opinião de Lalo, o financiamento originário de várias fontes ‘evita que a TV pública fique na dependência de apenas um financiador’. Entretanto, Lalo enfatiza a importância do Estado ser, em qualquer nível, a principal fonte de recursos. Especialmente no Brasil, onde a maioria absoluta da população só se informa e se diverte pela TV. O controle, porém, deve ser feito pela sociedade. Doações, apoio cultural, venda de programas podem ser fontes complementares de recursos, mas nunca a propaganda. ‘Ela desvirtua o papel da TV pública, nivelando-a aos interesses e práticas das emissoras comerciais, o que vai se refletir diretamente na programação.’

Outra forma de financiamento citada pelo jornalista é o pagamento que as emissoras comerciais deveriam fazer pelo uso do espectro eletromagnétrico, que é público. Como ocorre com o Chanel 4 da Inglaterra, elogiado por Rowland no evento norte-americano.

Proposta

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) formulou uma proposta de sistema público de radiodifusão (veja o documento http://www.fndc.org.br/arquivos/ContribuicaoFNDC.pdf), integrando-se ao debate em curso. Para o financiamento, o FNDC defende o uso de diversas fontes, como patrocínios, apoios culturais e licenciamento de marcas para investimentos em marketing, Também propõe a criação de fundos públicos de fomento para o financiamento da produção audiovisual independente a ser exibida pela rede de emissoras, captação de recursos junto a fundações internacionais e nacionais a doações de pessoas físicas e jurídicas.

Além disso, sugere a cobrança de uma taxa proporcional à renda de cada domicílio. O valor arrecadado também financiaria a oferta de serviços digitais, favorecendo a inclusão digital.

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Da Redação FNDC