Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Não vai faltar cana para produzir álcool

A queda de braço entre o governo e os usineiros, por conta do aumento exagerado do preço do álcool, é filme antigo. Em meados da década de 1990, o desabastecimento levou os consumidores a abandonarem seus carros movidos a álcool, condenando o Proálcool, programa lançado pelo governo nos anos 1970, a mais de dez anos de ostracismo. Desta vez, porém, há uma grande diferença: os novos carros flex-fuel podem ser abastecidos com álcool, gasolina ou a mistura dos dois combustíveis. Ou seja, se o preço do álcool não for vantajoso para o consumidor, ele pode optar pela gasolina. Segundo os especialistas, para valer a pena, o álcool deve custar no máximo 70% do preço da gasolina.

Seja qual for o acordo entre o governo e os usineiros nas negociações marcadas para esta semana, o certo é que essa crise será passageira. A cana-de-açúcar está em plena entressafra, enquanto o consumo de álcool continua em ascensão, devido principalmente ao sucesso do flex-fuel. Em março próximo, quando se inicia a colheita da cana e as destilarias voltarem a produzir álcool, o abastecimento deve se normalizar e os preços tendem a cair.

Boa parte da mídia, porém, tratou o tema de forma superficial, explorando apenas o lado político da briga entre os usineiros e o governo. Como sempre, a questão técnica ficou de fora.

Pelas contas do agrônomo Luiz Antonio Pinazza, assessor da Associação Brasileira de Agribusiness (ABAG) e editor da revista Agroanalsyis, o Brasil consome mensalmente em torno de 1,1 bilhão de litros. ‘Como os estoques para o consumo de quatro meses estão projetados em 4 bilhões de litros, há um déficit na oferta’, diz Pinazza. ‘A colheita de cana-de-açúcar na safra 2004/05 ficou abaixo do esperado em algumas regiões do Paraná e do Mato Grosso do Sul devido à seca. A produção foi de 14,4 bilhões de litros, dos quais 1,8 bilhão de litros foram destinados à exportação e 13,4 milhões de litros ao abastecimento interno. Resultado: faltaram 800 milhões de litros e os preços subiram.’

Cana vs. milho

Nesta polêmica do preço do álcool, a imprensa também deixou de analisar as tendências do setor sucroalcooleiro, atendo-se apenas à conjuntura atual. A chamada agricultura energética traz grandes oportunidades para o Brasil, especialmente para a cana-de-açúcar, seja na forma de combustível (álcool hidratado e anidro) ou subprodutos como o bagaço, que também produzem energia limpa. A queima do bagaço da cana gera energia que torna auto-suficientes unidades industriais, além de excedentes vendidos às concessionárias.

Os números comprovam a vocação brasileira para a produção de energia renovável. Nos últimos cinco anos, as exportações brasileiras de álcool saltaram de 227.258 metros cúbicos para 2,4 milhões de metros cúbicos, e a receita de US$ 34 milhões para US$ 497 milhões. Em 2010, segundo projeções da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única), o país estará exportando 5 bilhões de litros.

Não estamos sozinhos nesta corrida. No mercado de etanol combustível, os EUA estão encostando. Eles pretendem não só abastecer o seu próprio mercado, como também se tornarem um grande fornecedor internacional do produto. Mas, por enquanto, os EUA não são nossos competidores. O álcool deles é feito a partir de milho e custa o dobro do que o nosso. Hoje, 13% do milho colhido nos EUA são destinados à produção de álcool. Se eles fossem misturar 10% de álcool à gasolina, precisariam produzir 50 bilhões de litros de álcool e, para fazer isto, teriam que usar todo o milho para álcool.

Mercado interno

O principal destino do álcool brasileiro, porém, é o mercado interno. A demanda doméstica está em plena expansão, impulsionada pelo sucesso dos veículos flex-fluel.

Em 2010, a frota brasileira deverá utilizar 11,4 bilhões de litros de álcool hidratado, quando 95% dos carros novos comercializados do Brasil serão flex-fluel.

A produção de cana deverá se expandir nos próximos anos. Para 2010/11, a Unica projeta 560 milhões de toneladas. O crescimento se dá basicamente no Centro-Sul do país. A produção de álcool tem o mesmo comportamento. No final dos anos 1990, havíamos alcançado 14 milhões de litros, e na safra 2004/2005, voltamos à marca de 14 milhões de litros. Nos próximos anos, segundo as previsões da Unica, o mercado interno será o principal destino dos produtos do setor.

No oeste do estado de São Paulo, cerca de R$ 12,5 bilhões estão sendo investidos na construção de 27 usinas. Para atender as novas usinas serão necessários mais 800 mil hectares de cana. Os canaviais estão mudando a paisagem do oeste e noroeste paulista, onde predominavam as pastagens. Em cidades como Araçatuba e Assis, a cana está roubando espaço do boi.

Depois das derrapadas do Proálcool na década de 1990, o Brasil parece ter finalmente acertado a rota, apesar dos problemas conjunturais como a explosão dos preços do álcool verificada nos últimos meses. É só os usineiros não repetirem os erros do passado, que prejudicaram a sociedade e o próprio negócio.

O grande desafio do setor é provar sua sustentabilidade não apenas para os consumidores brasileiros, como para os importadores.

******

Jornalista, editor do site AgroPauta