Passados cerca de dois meses desde que o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, e a presidente Dilma Rousseff anunciaram uma parceria para levar acesso gratuito à internet para a população de baixa renda do país, por meio do projeto Internet.org da companhia, pouco progresso foi feito nesse sentido. As ressalvas quanto à iniciativa, no entanto, vêm se multiplicando entre entidades da sociedade civil e de defesa do consumidor, que veem nele uma possível infração ao princípio da neutralidade da rede estabelecido pelo Marco Civil da Internet.
Em passagem pelo Brasil para se reunir com representantes da sociedade civil, do governo brasileiro e das operadoras no Rio de Janeiro e em Brasília, o vice-presidente de políticas públicas do Facebook, Kevin Martin, há cerca de um mês no cargo, refuta essas acusações:
– O Facebook é um defensor das proteções aos usuários na internet, tendo advogado que a neutralidade da rede fosse adotada nos EUA e em outros lugares do mundo. Isso porque a empresa reconhece a importância de garantir que os consumidores não sejam bloqueados ao tentar acessar determinados destinos, e que tenham uma experiência completa na internet ao pagar por isso. Não vemos a neutralidade da rede como um obstáculo ao nosso projeto, mas como algo com que temos que trabalhar junto – afirmou o executivo nesta segunda-feira, durante a sua participação na I Conferência Internacional sobre a Elaboração de Neutralidade da Rede, organizada pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio.
Iniciado há cerca de um ano pelo Facebook, o Internet.org é um projeto da empresa que visa introduzir usuários à internet em regiões com baixos índices de conectividade por meio de uma parceria com operadoras de telefonia locais e desenvolvedores. A iniciativa tem como foco um aplicativo móvel criado pelo Facebook que permite pessoas acessarem gratuitamente serviços básicos da internet, como a Wikipédia, por meio de seus celulares.
Muitas das críticas feitas ao projeto dizem respeito justamente ao fato dele limitar e priorizar o acesso de seus usuários somente a serviços parceiros da plataforma – o que, segundo os seus críticos, violaria o princípio da neutralidade da rede, que preza pelo livre acesso da internet por operadoras de telefonia, sem filtros e restrições de velocidade quanto ao tipo de conteúdo.
Por enquanto presente em 12 países – Zâmbia, Tanzânia, Quênia, Colômbia, Gana, Índia, Filipinas, Guatemala, Indonésia, Bangladesh, Malauí e Paquistão –, o projeto já teria levado acesso à internet a cerca de 1 bilhão de pessoas, segundo a companhia.
Em entrevista sobre o projeto, Kevin Martin, que trabalhou por oito anos na Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla original), o órgão regulador do setor nos EUA, rebate as críticas ao Internet.org, que afirma tratar-se de uma plataforma aberta, e reforça a importância do mercado brasileiro para a companhia.
Quais são as suas responsabilidades no Facebook?
Kevin Martin – Muito do meu tempo na empresa é passado cuidando de questões relativas ao Internet.org, mas eu também sou responsável pelas políticas de acesso e mobile do Facebook. Ou seja, também estou envolvido com questões regulamentares relacionadas a telecomunicações.
Qual é a sua percepção sobre os avanços do Internet.org até o momento?
K.M. – O projeto está sendo realizado há pouco tempo, começou há cerca de um ano. A iniciativa de tentar encontrar maneiras de solucionar a questão da grande quantidade de pessoas sem acesso à internet no mundo é algo que me empolga, e foi por causa disso que decidi fazer parte da empresa. Acho que o entendimento e a apreciação do que a empresa está tentando fazer em termos de ampliar este acesso é algo crítico. Um dos enganos frequentes em relação ao Internet.org é de que há cobranças envolvidas, seja ao usuário ou aos aplicativos que são incluídos nela. E isso não é verdade. Ele trata-se apenas de uma tentativa de apresentar aos que não têm acesso à internet alguns dos benefícios desses serviços. Poder demonstrar o que eles podem fazer na rede para que eventualmente se tornem usuários da internet em sua totalidade.
Quais são os critérios para a escolha dos países participantes?
K.M. – A iniciativa se foca em levar conectividade para aqueles que não possuem, então muito do nosso esforço tem sido voltado para os países que possuem uma grande porcentagem da sua população desconectada. Esse é o principal critério, mas há uma variedade de países, grandes e pequenos que nós analisamos.
Quais têm sido as consequências do projeto nos países que o implementaram?
K.M. – Na Índia, por exemplo, se você olhar as pessoas que são novas na internet por causa do projeto, muitas já estão passando 90% do seu tempo on-line fora do Internet.org, e agora já assinam pacotes de dados pelos quais podem ir além do nosso conteúdo. E isso demonstra que as barreiras para as pessoas entrarem na internet são multifacetadas. Obviamente há pessoas que não têm acesso à infraestrutura, e temos falado muito com as operadoras para estender isso, mas o projeto também engloba a ampliação do acesso à rede já existente.
O projeto então vai além de somente levar conectividade às áreas que não têm?
K.M. – Quando o Mark Zuckerberg esteve Panamá com a Dilma, ele anunciou que o Facebook trabalharia em uma iniciativa em Heliópolis, em São Paulo, para prover o acesso à rede a jovens da região, por exemplo. Além disso, também há toda uma gama de tecnologias que a companhia está tentando utilizar para levar acesso a aqueles que não possuem, como o uso de grandes drones. Há muitas pessoas, cerca de 75% da população do mundo, que vivem em áreas que tem cobertura das operadoras de telefonia, mas muitas delas não usam a internet por causa das barreiras de custo, mas também do conhecimento sobre como a vida delas pode ser impactada pela internet. Tentamos solucionar esses dois casos.
Muitas críticas têm sido feitas ao projeto relacionadas ao fato de ele supostamente infringir a neutralidade da rede. Como você vê essas críticas?
K.M. – Antes, é preciso entender as posições e políticas do Facebook em relação a esse tema. O Facebook é um defensor das proteções aos usuários na internet, tendo advogado que a neutralidade da rede fosse adotada nos EUA e em outros lugares do mundo. Isso porque a empresa reconhece a importância de garantir que os consumidores não sejam bloqueados ao tentar acessar determinados destinos, e que tenham uma experiência completa na internet ao pagar por isso. Assim, não vemos a neutralidade da rede como um obstáculo ao nosso projeto, mas como algo com que temos que trabalhar junto.
Do ponto de vista de políticas públicas, é preciso encontrar um jeito de oferecer serviços básicos de internet às pessoas. E isso precisa ser compatível com a neutralidade de rede, porque, do contrário, as limitações que podem ser impostas às pessoas não fazem sentido. Se você olhar para as metas das regras da neutralidade de rede, pode ver que elas visam garantir que operadoras não estejam limitando artificialmente onde as pessoas podem ir. E a nossa meta não é criar rotas alternativas de tráfico de dados, mas sim encorajar as pessoas a chegarem na internet e expandirem o seu acesso a ela. Então, não vejo como não podemos fazer essas duas metas compatíveis do ponto de vista legal.
Já quanto à legislação brasileira, acredito que o governo está passando por um processo próprio para determinar as suas regulamentações quanto à neutralidade da rede, o que seria permitido, o que seria proibido, complementando o Marco Civil da Internet.
Muitos alegam que o Facebook teria interesses por trás da iniciativa…
K.M. – Em um dos painéis do evento da FGV, um dos palestrantes disse que não existe “almoço grátis”. Mas, nesse caso, é exatamente isso que acontece. Trata-se de tentar convencer as operadoras a dar um almoço grátis a alguém, e esperar que essa pessoa volte para pagar pelo jantar. A meta da iniciativa é levar as pessoas a uma experiência inicial da internet para que elas passem a integrá-la às suas vidas. O Facebook não está pagando às operadoras pelo serviço, nenhum desenvolvedor que está participando da iniciativa é cobrado, e não há custos para os usuários.
O projeto então não quer substituir o acesso à internet por uma “internet do Facebook”?
K.M. – A maioria das limitações impostas a serviços do Internet.org são técnicas, definidas para garantir que elas não sejam pesadas em relação ao uso de dados, de modo que possamos fazer o serviço chegar às pessoas de graça. Só queremos abrir uma janela para as pessoas descobrirem a internet. Se o projeto se tornar um substituto para a internet, ele vai fracassar. As pessoas devem se tornar usuárias integrais da rede
O projeto também é criticado por restringir o acesso apenas a parceiros da empresa…
K.M. – Outro equívoco comum quanto ao projeto é de que há um componente de exclusidade nos parceiros dele. O Facebook está animado para realizar parcerias com o maior número de operadoras possível, para que mais pessoas possam experimentar o serviço e se tornarem usuários da internet. Em adição a isso, também mudamos a forma como a plataforma do projeto está sendo oferecida aos desenvolvedores, de modo que seja mais fácil para qualquer um desenvolver um aplicativo para ela.
E quais são os parâmetros para a escolha desses aplicativos?
K.M. – A plataforma foi idealizada para lidar com aplicativos que não tenham tenham um consumo muito pesado de dados, e que estimulem os usuários a fazer um uso total da internet, e essa é uma das características pelas quais conseguimos convencer as operadoras a participar do projeto gratuitamente. Inicialmente, estávamos trabalhando com diversos parceiros para ter certeza que esses padrões fossem atendidos, mas agora padronizamos esse processo em uma plataforma aberta na qual os desenvolvedores podem inscrever os seus aplicativos para fazerem parte da iniciativa. A ideia é que não tenhamos um número limitado de aplicativos, e que as pessoas possam escolher aqueles que querem usar. Estamos tentando trabalhar com o máximo de desenvolvedores que podemos.
No ano passado, o Facebook passou por alguns episódios polêmicos envolvendo a privacidade dos dados dos usuários. O que garante que eles não se repetirão com esta iniciativa?
K.M. – Diferentemente do que acontece no Facebook, o Internet.org não possui anúncios e propagandas. Mesmo quando você utiliza a versão do Facebook do Internet.org, não há anúncios. Da mesma forma, não guardamos dados individuais dos usuários, e as informações que reunimos não são compartilhadas com outros desenvolvedores e empresas.. E, por último, não há a obrigação de você ser um usuário do Facebook para utilizar o Internet.org.
E que mudanças a empresa vem implementando em seu serviço desde as polêmicas do ano passado quanto à privacidade dos usuários?
K.M. – Privacidade é um tema sempre em discussão na companhia, porque a segurança das informações dos usuários é essencial ao que fazemos. Nosso pensamento é: “se o usuário não confiar em nós, ele não usará o nosso serviço”. Por isso investimos muitos recursos, tempo e profissionais para construir uma relação com os usuários em que eles se sintam confortáveis com ela. Uma das principais mudanças que fizemos em relação a isso foi a criação de uma central de privacidade, para que os usuários tenham acesso a informações de uma forma bastante simples sobre como podem usar as ferramentas do Facebook para configurar a sua privacidade.
Dois meses se passaram desde o anúncio do Internet.org no Brasil, mas o projeto ainda não foi iniciado. Há previsão para isso?
K.M. – Por enquanto, não há novidades quanto ao projeto no país, mas é importante entender que, da perspectiva do Facebook, aumentar a conexão à internet no Brasil é uma prioridade para nós.
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Thiago Jansen, do Globo