Durante a ocupação do sul do Líbano na década de 1980, um padrão foi identificado por Noam Chomsky na cobertura do uso da violência pelo exército israelense:
‘A questão relevante no contexto atual é que inventaram uma história conveniente e uma forma apropriada de discurso, nas quais terrorismo é coisa típica de palestinos, enquanto israelenses fazem apenas ‘retaliações’ ou, às vezes, realizam ‘ações preventivas’ legítimas, reagindo ocasionalmente com dureza deplorável, tal como qualquer país faria em situações muito penosas, segundo eles. O sistema ideológico visa a garantir o reconhecimento de que essas conclusões são teoricamente legítimas, independentemente dos fatos, que ou não são noticiados, ou são noticiados de forma que se adaptem às necessidades ideológicas ou – às vezes – honestamente, mas depois relegados ao esquecimento.’ (Piratas e Imperadores Antigos e Modernos, Bertrand Brasil, 2006).
O mesmo padrão parece estar se repetindo no Brasil em relação ao combate ao banditismo no Rio de Janeiro. Logo após a operação no Complexo do Alemão, o secretário de Segurança do Rio de Janeiro deu uma entrevista dizendo que todas as vítimas eram bandidos. O Jornal Nacional reproduziu e repercutiu suas declarações.
Para o cidadão comum, a violência no Rio é um truísmo. A violência policial também. O que está deixando de ser um truísmo é a isenção como a imprensa faz a cobertura de ambas. Afinal, a violência policial passou a ser justificada pelos jornalistas.
‘Terror contra Terror’
Os adjetivos aplicados à operação pelo jornalismo televisivo não deixam dúvidas. A operação no Complexo do Alemão foi de ‘retaliação’ às quadrilhas de traficantes. Todas as ‘ações preventivas’ da polícia têm sido consideradas legítimas pela mídia. A Rede Globo nem chegou a deplorar os excessos cometidos pelos policiais. Parece ter deixado para fazer isto quando ficar claro que algumas das vítimas eram inocentes. Isto indica que a Globo passou a adotar o princípio de que todos os favelados são culpados até prova em sentido contrário. Um caso grave de influência comunista, já que o temido Vichinsky, procurador predileto de Stalin, foi o inventor dessa máxima jurídica.
Chomsky também fez uma interessante comparação entre as ‘retaliações’ israelenses no sul do Líbano e a brutalidade nazista nos territórios ocupados:
‘O chefe da unidade de ligação das FDI no Líbano, general Sholomo Ilya, disse que ‘a única arma contra o terrorismo é o terrorismo’ e que Israel tem, além dos já usados, recursos para ‘falar a linguagem que os terroristas entendem’. O conceito não é novo. As operações da Gestapo na Europa ocupada também foram justificadas pelo combate ao ‘terrorismo’ e uma das vítimas de Klaus Barbie foi encontrada morta com uma mensagem presa ao tórax que dizia ‘Terror contra o Terror’ – coincidentemente, a expressão usada pelo grupo terrorista israelense e o título de reportagem de capa da Der Spiegel sobre o bombardeio terrorista norte-americano na Líbia, em abril de 1986.’ (Piratas e Imperadores Antigos e Modernos, Bertrand Brasil, 2006).
Incentivar a execução de suspeitos
O nazismo foi derrotado na Europa! Não foi? Tem sido muito ativo no Oriente Médio. E agora a imprensa brasileira está sendo nazista ao permitir que a polícia carioca puna toda uma população em razão da secular incompetência governamental de prefeitos, governadores e presidentes. Ninguém é favelado por opção. Foram as condições históricas, sociais e econômicas que produziram o monstrengo que assusta o dileto e minúsculo grupo dos ricos do Rio de Janeiro. Nenhum favelado é criminoso só porque nasceu e cresceu numa favela. Não é, mas está sendo tratado como tal, e com a cumplicidade da mídia. Se o padrão de cobertura das operações policiais nos morros vier a se transformar num lugar-comum realmente ocorrerá um genocídio. Bem debaixo de nossos narizes.
Os agentes do Estado devem agir sempre observando o princípio da legalidade. Criminosos são aqueles que o Poder Judiciário declara culpados em regular processo com a garantia de direito de defesa. As execuções de criminosos são absolutamente ilegais porque a pena de morte é proibida. Sendo assim, tratar suspeitos como criminosos e incentivar a execução de suspeitos deveria ser considerado um crime pela mídia. Mas não é! Esse nazismo à carioca ainda vai dar o que falar.
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Advogado, Osasco, SP