Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

No rasto do monstro

Se já é difícil uma imprensa livre no Brasil, imagine em Alagoas: um estado pequeno, tradicionalmente dominado por oligarquias teratológicas, cujos tentáculos se estendem pela economia, a cultura, a segurança, o Ministério Público, o Judiciário, o Legislativo, o Executivo. E imprensa. Um sinistro octopus que, há gerações e gerações, domina a região.

O tentáculo que abarca os meios de comunicação tem sua origem no submundo político. Os três maiores órgãos de imprensa seguem essa máxima. O maior deles pertence ao ex-presidente Fernando Collor de Mello, que praticamente domina a mídia alagoana. Tem concessão de TV (afiliada à Rede Globo), rádios AM e FM e o jornal de maior circulação no estado, Gazeta de Alagoas. Sem contar um instituto de pesquisa de opinião, muito útil ao grupo em períodos eleitorais.

Abraçado também pelo mostrengo está outro periódico, cujo proprietário é o usineiro e deputado federal João Lyra (PTB). Dono de várias empresas, Lyra disputa com o irmão, Carlos Lyra, o título de homem mais rico do estado. João comanda O Jornal; Carlos, a Tribuna de Alagoas, parceira do atual governador Ronaldo Lessa. Com dois megaempresários do setor sucroalcooleiro à frente, não é difícil prever como esses órgãos tratam os temas envolvendo terra, trabalhadores e movimentos sociais.

Em fevereiro, por exemplo, fiscalização da Procuradoria Regional do Trabalho em Alagoas encontrou 143 pessoas em condições degradantes cortando cana para a Usina Uruba. Entre elas, sete menores e uma gestante. A empresa pertence ao grupo João Lyra. Nenhum jornal, nenhuma rádio, nenhuma TV local publicou o fato. Apenas o JB Online veiculou pequena matéria. Isso é especialmente lamentável porque Alagoas tem uma economia voltada basicamente para a cana-de-açúcar. Irregularidades desse tipo são freqüentes, mas raramente são noticiados.

Germe da imprensa livre

O mesmo acontece com as outras áreas por onde passam os demais tentáculos. Nem recente denúncia da existência de um suposto ‘mensalão’ no Tribunal Regional Eleitoral despertou o interesse investigativo na imprensa local. A notícia foi logo abafada; o princípio de incêndio, apagado. A imprensa, silenciada.

Silêncio que atinge os mais recônditos municípios de Alagoas. Nenhum desmando de nenhum coronel truculento e caipira (e eles são muitos: os coronéis e os desmandos) é noticiado, porque coronel faz parte do octopus. Truculências públicas, notórias e impunes. Impunes porque os órgãos públicos (in)competentes jamais praticariam antropofagia, devorando um braço-irmão.

Foi por essas e muitas outras que um grupo de ‘livre pensadores’, cansado de quasímodos e inspirados no Observatório da Imprensa, criou o Observatório Alagoano. A revista eletrônica surgiu há dois meses e conta com o apoio de jornalistas, juízes, procuradores, professores, advogados, sindicalistas, profissionais liberais.

O objetivo é plantar o germe da imprensa livre em Alagoas, com vistas à construção de um espaço democrático e de uma mídia alternativa. Com isso espera-se que, destruindo um dos tentáculos do monstro, os demais definhem.

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Jornalista