JORNALISMO CULTURAL
Contra a morte do cinema e da crítica, 28/08/06
‘O francês Jean-Michel Frodon parece ter o emprego dos sonhos de qualquer crítico: ele é o diretor de redação da ‘Cahiers du Cinéma’, a mais influente revista de cinema da história, chamada com freqüência de ‘a Bíblia da cinefilia’. Mas sua tarefa é mais difícil do que aparenta. Ele precisa se equilibrar cotidianamente entre o passado mítico da revista e o pensamento sobre o futuro do cinema.
Fundada em 1951 por André Bazin, um dos grandes pensadores do cinema, a ‘Cahiers du Cinéma’ teve em seus quadros Jean-Luc Godard, François Truffaut, Roberto Bresson, Eric Rohmer e Jacques Rivette – que, ao trocaram a crítica pela câmera, lançaram o movimento conhecido como ‘nouvelle vague’ e revolucionaram a maneira de pensar e fazer o cinema.
É com esse pesado e maravilhoso legado que Frodon tem que lidar todos os meses. Ex-crítico do jornal ‘Le Monde’ (atual proprietário da ‘Cahiers’) e autor de um livro essencial sobre o cineasta taiwanês Hou Hsiao-hsien, o francês de 53 anos está no Brasil para uma maratona de eventos.
Ele é o curador da mostra ‘O cinema que reinventa a política’, com nove recentes produções francesas, que começa hoje no Rio de Janeiro e depois passa por São Paulo, Belo Horizonte e Brasília (ver a programação completa em www.cinefrance.com.br) Ainda hoje, ele faz palestra na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Amanhã, participa do ciclo de debates ‘O esquecimento da política’, na Maison de France, e inaugura a mostra da diretor francesa Agnès Varda.
Em sua chegada ao Rio, ele encontrou tempo para conversar com o NoMínimo sobre o passado e o futuro da ‘Cahiers du Cinéma’, sobre cinema e política. ‘Às vezes, eu tenho que lutar na revista contra a idéia de que o cinema morreu, de que agora são as séries de TV e os games que importam. Mas eu acho que ainda há muita reflexão a ser feita, de um ponto de vista cinematográfico, sobre o que está acontecendo no mundo das imagens’, afirma Frodon.
Ele revelou que o site da revista terá em breve parte de seu conteúdo traduzido para o português e lamentou que o cinema brasileiro não esteja em grande fase. ‘Na adolescência, eu joguei pingue-pongue com Glauber Rocha. Ele era um semi-Deus para mim. É uma pena que não haja novos nomes de ponta no Brasil.’
Como diretor da ‘Cahiers du Cinéma’, é difícil lidar com o passado mítico da revista?
Nós herdamos um tesouro que deve ser respeitado e fortalecido, mas que não pode nos esmagar. Não me considero o guardião de um templo, nem a ‘Cahiers’ é um museu. Hoje, a maior parte da redação é formada por redatores na faixa dos 30 anos. Mas eu convidei pessoas de outras gerações da revista para colaborar, como Jean Douchet, que trabalhou com Bazin. Todas elas têm algo em comum: seu amor pelo cinema surgiu antes do conhecimento. A tradição da revista é atuar na cena contemporânea. Para ser verdadeiro com o passado da revista, é preciso ser moderno. Nós reconhecemos a grande influência teórica de Bazin, de Truffaut, de Godard. E ela nos ajuda a fazer nosso trabalho. Mas não queremos repeti-la, nem endeusá-la. O mundo mudou, o cinema mudou. Temos que retrabalhar o que ainda é eficiente, o que nos serve de motor, e descartar o que não funciona mais, aquilo que nos freia. Eu me considero um homem de sorte por ser o diretor da revista.
De todas as teorias surgidas dentro da ‘Cahiers’, a mais famosa e a mais discutida é a ‘política dos autores’ (que, grosso modo, defendia a idéia de que certos diretores deixavam marcas pessoais impressas em seus filmes, em contraposição a outros que apenas seguiam regras da indústria). Como vocês se posicionam diante dela hoje?
A política dos autores permanece como uma questão importante dentro da revista. Usamos o conceito como uma maneira de iniciar discussões, mas não como um dogrma. Essa idéia foi questionável desde o princípio. Depois que Truffaut defendeu a política dos autores em uma edição, Bazin criticou-a na seguinte. A idéia do autor no cinema surgiu justamente quando as outras artes estavam questionando esse conceito, que floresceu nos século 18 e 19. Hoje, com as novas tecnologias, a idéia de autoria é ainda mais complexa. Eu concordo com Serge Daney (ex-diretor da revista) quando ele diz que a palavra mais importante nesse conceito é ‘política’ e não ‘autor’. Ou seja, a revista tem a política de escolher quais diretores são relevantes no cinema contemporâneo. E isso nós continuamos fazendo todos os meses.
O começo da ‘Cahiers’ foi marcado pelas polêmicas levantadas por seus redatores. Hoje vocês tentam se afastar da controvérsia?
Não, ainda há polêmicas na revista. Mas nós tomamos cuidado para que não se torne algo sistemático. No começo da revista, havia uma necessidade verdadeira de os jovens redatores se rebelarem contra seus ‘pais’ no cinema, de partir para a briga. Nos anos 50, o cinema era a grande forma narrativa dirigida às massas, e a crítica não estava estabelecida como hoje. Agora há muitas outras formas, o mundo ficou mais complexo. E criar polêmicas de forma mecânica, só pelo prazer da polêmica, não faz tanto sentido.
A ‘Cahiers du Cinéma’ permanece como uma referência mundial para os cinéfilos?
Sim. O nome da revista ainda exerce um enorme fascínio para muitas pessoas. Mas ela não é e nunca será o que foi na virada dos anos 50 para os anos 60, porque ela estava intimamente ligada à ‘nouvelle vague’, que foi um grande acontecimento artístico.
Como a ‘Cahiers’ vem lidando com os desafios apresentados ao cinema pelas novas tecnologias?
É necessário reconhecer e escrever sobre o enorme impacto da cultura digital no mundo do cinema. Mas há uma tentação, mesmo dentro da ‘Cahiers’, de dizer: o cinema morreu, vamos falar de séries de TV, de games. Eu luto contra isso. Ainda há muita reflexão a ser feita, de um ponto de vista cinematográfico, sobre o que está acontecendo no mundo das imagens. Mas, claro, quero deixar claro que não sou contra as novas tecnologias. Pelo contrário.
E, dentro da revista, quais as mudanças trazidas pela cultura digital?
Nós estamos investindo em novas ferramentas e novos conteúdos para o site da revista. Se tudo der certo, em janeiro vamos ter no site o conteúdo integral da revista em inglês. Também iremos oferecer parte do conteúdo em português, assim que conseguirmos o dinheiro para isso.
Nos Estados Unidos, fala-se muito em crise da crítica de cinema, de sua perda da importância, de sua desconexão com o gosto do público. A crise da crítica é real?
Nos EUA, a crítica da grande imprensa foi destruída e substituída por guias de consumo. Hoje, o jornalista americano tenta adivinhar se o público vai gostar ou não de um filme, recomenda ou não comprar o ingresso, como se estivesse falando de comida. Se há distorções entre o gosto da crítica e o do público, os estúdios preferem não mostrar o filme aos críticos e investir em publicidade. Isso aconteceu com ‘O Código Da Vinci’, que é realmente um filme péssimo. Mas eu achei ‘Piratas do Caribe 2’, que é o maior sucesso do ano, um filme bastante agradável. Existe hoje uma pressão do mercado contra pontos de vista originais. O marketing se tornou mais importante que o produto. Mas o crítico deve olhar para a arte, não para o marketing. Nem todos os filmes são uma forma de arte. Mas o cinema continua sendo a promessa da possibilidade de um acontecimento artístico. Isso pode acontecer até mesmo em Hollywood.
Na França, a situação também é grave?
Não, acho que estamos melhor que muitos países. Ainda é possível encontrar boa crítica nos grandes jornais e no rádio, mas não na TV.
E na internet?
Não muito na França. A crítica impressa ainda tem muito mais importância e repercussão. A maioria dos bons artigos que vejo na internet é escrita em inglês.
Existe uma idéia generalizada de que o cinema perdeu a relevância cultural que teve nos anos 60 e 70. É verdade ou pessimismo?
As duas coisas. Naquela época, o cinema estava na moda como produto cultural. Havia mais intensidade na relação com os filmes, mas também um certo deslumbramento. Eu sei porque cresci naquela época. Hoje, o cinema, como produto cultural, saiu de moda. Mas há um enorme espaço para ele nas escolas e universidades. Existem milhares, talvez dezenas de milhares, de professores de cinema na França, espalhando pensamentos sobre essa arte, tratando de suas especificidades. O que mostra que ainda há muito interesse pelo cinema em um meio intelectual.
Nos anos 60, parecia mais fácil apontar quais eram os grandes cineastas do mundo. Hoje essa tarefa está mais difícil, não?
O mundo do cinema cresceu e ficou mais complexo desde os anos 50. Antes, conhecia-se apenas o cinema dos Estados Unidos e da Europa. O cinema japonês dos anos 50, a obra do indiano Satyajit Ray e Cinema Novo brasileiro foram passos fundamentais para ampliar essas fronteiras. Hoje, há grandes filmes produzidos no Irã, na Argentina, na China, em todo o Extremo Oriente. Dá mais trabalho conhecer o cinema contemporâneo, saber falar o nome de um cineasta como o tailandês Apichatpong Weerasethakul, que eu considero fundamental. Mas eu acredito que ainda é possível apontar outros nomes essenciais hoje, como o taiwanês Hou Hsiao-hsien, que eu considero o Antonioni do nosso tempo. Nos Estados Unidos, temos David Lynch e Gus Van Sant. Na Espanha, Pedro Almodóvar. Na Itália, Nanni Moretti. No Irã, Abbas Kiarostami. A França não tem apenas um ou dois nomes de destaque. Correndo o risco de parecer nacionalista, acho que é o país que tem mais cineastas interessantes hoje.
Os filmes da Argentina também vêm chamando atenção nos festivais internacionais. Por que o cinema brasileiro não consegue o mesmo destaque?
Não sei. Só posso julgar pelas minhas referências pessoais, mas confesso que não vi grandes filmes brasileiros nos últimos anos, com a exceção de ‘Lavoura arcaica’ (2001). O Brasil tem um enorme potencial cultural para fazer um grande cinema, mas não existe lá fora a sensação de um movimento vindo daqui, como em Taiwan, China, Tailândia e Argentina. Quando eu era adolescente, eu joguei pingue-pongue com Glauber Rocha. Ele era um semi-Deus para mim. É uma pena que não tenham surgido recentemente nomes de ponta no cinema brasileiro.
Você veio ao Brasil participar de um seminário sobre cinema e política. Qual sua opinião sobre os documentários de Michael Moore? Quem faz o grande cinema político do nosso tempo?
Moore usa o cinema como meio de expressão porque não há espaço e equilíbrio na mídia tradicional americana para tratar de certas questões. Se houvesse esse espaço, ele deveria ser candidato a presidente, não cineasta. Seus filmes são peças de propaganda, não têm interesse cinematográfico. Hoje, o grande cinema político é feito na Ásia, por diretores como o chinês Jia Zhang-ke. Nos EUA, o melhor não está em filmes como ‘Syriana’ ou ‘Munique’, mas em ‘Marcas da violência’, de David Cronenberg, e nos filmes de horror de George Romero, que oferecem excelentes metáforas políticas.’
SEXO NAS BANCAS
Vôo cego rumo à fama, 21/08/06
‘A gaúcha Sabrina Knop, 27 anos, passou a última sexta-feira correndo de um lado ao outro do Rio de Janeiro para resolver questões de seu processo demissional, baixa na carteira e outras burocracias desgastantes – ainda mais para alguém que ficou os últimos cinco meses de trabalho sem receber salários.
Agora, no final da tarde, Sabrina posa para fotos no Forte de Copacabana com a desenvoltura de uma modelo profissional – ao lado das ex-colegas Patrícia Kreusburg, gaúcha de 30 anos, e Juliana Neves, carioca de 26. Ela solta o coque, inclina a cabeça para que os cabelos não caiam no rosto e abre um sorriso lânguido para a câmera – como se o vento tivesse levado embora os problemas do dia.
Em geral, revistas masculinas convidam mulheres a se desnudar por causa de suas atividades profissionais: atriz de novela, participante do BBB, dançarina de grupo de axé, campeã de bodyboard. Sabrina, Patrícia e Juliana protagonizam um fato inédito no país: elas viraram modelos porque ficaram desempregadas.
As três são as ex-comissárias da Varig que posaram nuas para a capa da ‘Playboy’ de setembro. Há pouco mais de um mês, elas choravam de indignação – literalmente – por causa da demissão dos 5.500 funcionários da companhia aérea. Hoje, sorriem para os fotógrafos, participam de uma maratona de entrevistas, freqüentam as festas promovidas pela revista – em um vôo cego rumo à fama, até aqui sem grandes turbulências.
Essa mistura de desemprego e desibinição, de dificuldade econômica e celebridade instantânea, poderia fazer das três moças uma metáfora perfeita desse Brasil moreno e contraditório. Não fossem elas loiras, fluentes em várias línguas e com alta quilometragem (de vôos nacionais e internacionais, bem entendido).
As três posaram nuas pela grana e não se envergonham disso (embora, por questões contratuais, não possam revelar o cachê); a vaidade, dizem, veio em segundo lugar. Mas agora, com o ensaio já feito, elas querem também quebrar estereótipos – das coelhinhas da ‘Playboy’, não das comissárias de bordo.
Sabrina, Patrícia e Juliana não querem ser vistas como modelos quaisquer. ‘Nós sempre tentamos desenvolver nosso intelecto: chegamos à faculdade, aprendemos vários idiomas, fizemos cursos de treinamento na Varig’, diz Patricia. ‘Somos representantes de uma classe e temos uma imagem a zelar.’
As três se esforçam para não se deslumbrar com a celebridade incipiente. Sabrina – que foi miss Varig e é dona de uma beleza clássica, de pele clara e olhos verdes, que lembra a da jovem Michelle Pfeiffer – já foi contratada pela agência Mega, mas quer terminar a faculdade de relações internacionais, com o sonho de se tornar um dia embaixadora.
Juliana – que já havia posado de biquíni para o site da revista ‘Fluir’ e faz o tipo gatinha de praia, com pele morena e cabelo tingido (além de aparelho nos dentes, só na arcada inferior) – gostaria de ser convidada para apresentar um programa de TV. Porém já acertou uma parceria com o cirurgião Roberto Azevedo (o mesmo que ‘turbinou’ seus seios com silicone) para trabalhar como fisioterapeuta em sua clínica no Rio.
Patrícia – sem experiência anterior como modelo, de beleza germânica delicada, mesmo do alto de seus 1,73m – é a mais cética das três em relação a um futuro na nova profissão. Ela pretende usar o dinheiro ganho da ‘Playboy’ para comprar um carro e fazer mestrado em planejamento estratégico para turismo.
‘Daqui a dois ou três meses, os 15 minutos de fama acabam. Eu preciso me garantir’, afirma. Ela também é a única do grupo a admitir a possibilidade de voltar a trabalhar como comissária de bordo, na Varig ou em outras companhias. ‘Why not?’, pergunta em inglês com sotaque gaúcho.
O convite para a ‘Playboy’ pegou as três de surpresa. Elas não tiveram que passar por um longo processo de seleção, como se poderia imaginar. O diretor de casting da revista pediu indicações de comissárias bonitas a amigos ligados à Varig.
Um deles recomendou Sabrina, que sugeriu Patrícia – elas são amigas desde que começaram a trabalhar na companhia nove anos atrás. Outro indicou Juliana, que estava há seis anos na empresa. A ‘Playboy’ aprovou a formosura das moças e, pouco tempo depois, elas estavam peladas diante de desconhecidos.
Casadas, Sabrina e Patrícia afirmam que foram apoiadas desde o princípio por seus maridos, ambos comissários de bordo também demitidos da Varig. Juliana, a única solteira, conta que teve problemas com a família. ‘Meu irmão mais novo está inconformado. Ele tem medo do que os amigos vão falar. Meu pai não reclamou, mas sei que ele está chateado. Ele anda meio caladão.’ Sabrina lembra, então, que também teve problemas com o irmão. ‘Ele disse que vai mudar para a Lua.’
Elas garantem não ter sofrido nenhum tipo de reprovação ou preconceito da parte de ex-colegas de trabalho por causa do ensaio. ‘Pelo contrário. Vários escreveram recados na minha página do Orkut me dando os parabéns’, conta Patrícia.
Para não ofender ninguém, as três pediram à ‘Playboy’ um ensaio comportado, sem vulgaridade, e dizem que foram atendidas pela revista. As imagens foram feitas pelo fotógrafo Fábio Heinzereder em um hangar e um avião no aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
Primeiro, elas posaram com versões ousadas do uniforme de trabalho. Depois, com a ajuda de algumas doses de prosecco para combater o nervosismo, tiraram aos poucos todas as peças da roupa. ‘É como se a gente deixasse a comissária para trás e se revelasse como mulher’, explica, didaticamente, Sabrina. ‘A equipe foi muito profissional’, completa Juliana com uma frase padrão.
Em várias imagens, as três aparecem juntas. Mas elas afirmam que as fotos não trazem qualquer tipo de sugesão de lesbianismo ou sexo em grupo. ‘A ‘Playboy’ achou que explorar o fetiche da comissária já seria o suficiente. E nós, claro, concordamos’, diz Sabrina.
Por experiência própria, elas têm perfeita noção das fantasias despertadas nos homens pelas aeromoças – termo mais romântico (ou, dependendo da opinião, mais machista), que caiu em desuso por causa da correção política. Tanto é que a Varig as ensinou a reagir às insinuações dos passageiros com uma atitude de distanciada polidez. ‘Se isso não funcionasse, a gente poderia avisar o comandante, e o sujeito seria preso’, diz Juliana.
Elas nunca precisaram chegar a esse extremo. Mas têm um longo histórico de cantadas a bordo. ‘Em geral, eles puxam papo, perguntam o que vamos fazer mais tarde e deixam um cartão no final. Mas alguns preferem aquelas frases batidas: ‘Puxa, não sabia que boneca andava.’ E ainda acham que vão pegar alguém assim’, ironiza Sabrina. Mas elas dão pelo menos um crédito aos passageiros: por mais que merecessem o título, as três nunca foram chamadas de avião.’
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