Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Nossa justiça é soberana

Será que houve uma boa reflexão por parte do autor do texto editorial ‘Assunto da Itália’ (Folha de S.Paulo, 15/1), ao defender que o julgamento de Cesare Battisti feito no exterior seria melhor que a decisão do nosso ministro Tarso Genro e que não devemos mexer no que a Justiça italiana já julgou?

Não lhe teria passado pela cabeça que isso corresponde a um atestado de sujeição ao mecanismo judiciário de outro país, a um absurdo autoreconhecimento de uma incapacidade de bem julgar, a uma nova formulação de Direito Internacional que mereceria nota zero na Faculdade do Largo de São Francisco?

Na questão do expatriamento ou não de Cesare Battisti, cada um de nós pode ser contra ou a favor, mas a decência deveria impedir que se usasse como argumento denegrir nossa Justiça e se lançar uma nova teoria jurídica – a do entreguismo do Judiciário. Depois da privatização de nossas empresas no governo FHC, cedidas a multinacionais estrangeiras, querem agora nos forçar a adotar, como se fôssemos um subserviente país do quarto mundo, as normas decididas pela Itália ou pela União Européia?

Essa visão pseudo-jurídica do caso Battisti é de envergonhar todos os nossos grandes juristas que foram lá no exterior defender nossa soberania e nossas instituições. Perguntem aos membros da OAB, versados em relações internacionais, o que acham dessa teoria da aceitação passiva de uma intromissão italiana ou européia nas decisões judiciárias nacionais.

Traição nacional

Pode haver divisões políticas dentro de um país, porém, por mais agudas que sejam, os contendores não podem recorrer ao argumento de uma superioridde jurídica de um julgamento estrangeiro. Só aparentemente se poderia comparar com um decisão neutra à moda de Pilatos, extraditar Battisti por já ter sido julgado na Itália, quando na verdade, esse ato de sobrepor as leis italianas às nossas seria uma afronta à nossa soberania.

Com que facilidade se faz referência a uma superior Justiça italiana, onde as leis são feitas ao prazer dos governantes, onde os juízes mani puliti já saíram de cena ou foram assassinados. Com certeza, nosso presidente Lula tem razão ao ter falado em julgamento de Battisti à revelia e, mais, que nisso houve utilização de leis da época de Mussolini e, na época de Cossica usaram-se leis restroativas, ao arrepio do Direito, sem se falar em vícios processuais e numa procuração utilizada indevidamente por seu advogado de ofício.

Mas nada disso interessa; o importante é se fazer côro com a imprensa italiana, quase num ato de traição nacional, para se chumbar o ministro da Justiça Tarso Genro e assim se atingir o presidente Lula.

Um ato de desrespeito

Com que leviandade se passa uma esponja na doutrina Mitterrand, como se devêssemos encampar a vergonhosa maneira como o governo francês de Jacques Chirac ignorou o compromisso de honra de Estado assumido por Mitterrand em relação aos antigos extremistas italianos, reintegrados na sociedade francesa.

Pior ainda, quando se tenta justificar a acolhida no Brasil de ditadores ou traidores como Stroessner, Marcelo Caetano e Georges Bidault, mas excluindo-se desse benefício um ex-extremista que se declara inocente dos crimes de que o acusam.

Na verdade, tudo é pretexto para se atacar o governo, nem que para isso se precise ferir nossa soberania, trair nossas instituições, querer obrigar nosso presidente a rever um ato justo, digno, corajoso do ministro da Justiça, para agradar um governo italiano que altera as leis em seu favor e domina a opinião pública com o controle da informação.

É uma vergonha e quase uma traição querer sujeitar nosso ministro e nosso presidente às exigências de um governo italiano que nada nos tem a ensinar em matéria de Direito e de democracia.

Deixemos espernearem e praguejarem. É um direito deles. Mas não façamos côro com eles porque isso é um ato de desrespeito ao nosso país.

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Jornalista, autor de O Dinheiro sujo da corrupção (Geração Editorial)