Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Novas mídias, velho jornalismo

Ele tem quatro séculos de história. Elegeu e derrubou presidentes em todo o mundo, foi uma importante arma de guerra e fez a cabeça muitas gerações. Conviveu com a instantaneidade do rádio e resistiu à concorrência da televisão. Até meados dos anos 1980 o poder do jornal impresso era indiscutível. Mas as novas tecnologias da informação mudaram radicalmente o panorama. A internet, com sua infinidade de sites, blogs, comunidades de relacionamento e sistemas de transmissão de micromensagens como o Twitter, transformou o leitor em produtor de informação. E levou as empresas de comunicação a repensar o papel do jornal impresso na sociedade. O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (7/7) pela TV Brasil discutiu o a convivência entre o velho e novo jornalismo.


Fatos recentes como a cobertura das eleições presidenciais no Irã e a morte do cantor Michael Jackson são exemplos do poder da transmissão da informação através das novas mídias. Impedida de cobrir as manifestações em Teerã, a imprensa rapidamente publicou milhares de notícias e vídeos enviados pela população. A cobertura da morte de Michael Jackson também foi feita em tempo real. Poucos minutos depois de o cantor chegar ao hospital, sites de todo o mundo reproduziam as notícias que o portal TMZ, dedicado a celebridades, publicava em primeira mão.


No cinema, o filme Intrigas de Estado, de Kevin MacDonald, mostra a inicial disputa e a posterior colaboração entre uma blogueira inexperiente e um repórter maduro na cobertura de um crime envolvendo um político para uma empresa jornalística. O longa-metragem explora o embate entre as duas formas de jornalismo e trata de questões éticas da profissão em um momento de transformação da imprensa escrita.


Revolução informativa


Antes do debate ao vivo, na coluna ‘A Mídia na Semana’, Alberto Dines comentou fatos de destaque dos últimos dias. A relação da mídia com o cantor Michael Jackson foi o primeiro assunto da seção. Em outro tópico, criticou o fato de o jornal Folha de S.Paulo manter entre seus colunistas o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Dines comentou que o jornal não conseguiu ‘desvencilhar-se do ilustre colaborador’ quando o político foi eleito para presidir o Senado [ver abaixo a íntegra das notas].


No editorial sobre as novas tecnologias, Dines disse que uma ‘formidável’ revolução informativa teve início. ‘A internet e as novas tecnologias mudaram drasticamente os hábitos e a maneira de consumir notícias. Mas ninguém consegue responder a esta perguntinha incômoda: as pessoas estão mais e melhor informadas?’, questionou. Comentou que o jornalismo-cidadão ‘mostrou seu potencial’ durante os protestos que se seguiram às eleições presidenciais no Irã. ‘Aumenta o número de blogueiros e de twiteiros, mas não aumenta o número dos bem informados. Este é um dos saldos da revolução informativa que bem resume-se a uma coletânea de factóides.’ [ver íntegra abaixo].


O leitor como colaborador


O debate ao vivo contou com a presença de três jornalistas. No Rio de Janeiro, o convidado foi Arnaldo César. Jornalista desde os 16 anos, passou pelo Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Globo, pelas revistas Veja e Exame, TV Globo e Rádio Jornal do Brasil. Tem vasta experiência em jornalismo popular. Foi editor-executivo do jornal carioca O Dia por oito anos. Atualmente, preside a ACERP, empresa subsidiária da TV Brasil. Paulo Cabral e Maurício Stycer participaram pelo estúdio de São Paulo. Paulo Cabral é repórter especial da BBC na América do Sul. Repórter de Economia, trabalhou no Estado de S.Paulo e na Folha de S.Paulo. É especialista em jornalismo internacional. Na BBC, foi repórter e produtor em Londres e correspondente, no Cairo. Maurício Stycer é repórter especial do iG, onde mantém um blog. Trabalhou no Jornal do Brasil, Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Lance!, Época e CartaCapital. É mestre e doutorando pelo Programa de Sociologia da USP.


A reportagem exibida no programa entrevistou a editora-executiva do site de Globo, Sonia Soares. A jornalista avalia que a mídia impressa tem uma preocupação adicional com a explosão das novas formas de comunicação: ir além da informação que já foi dada. Os jornais sempre concorreram com a TV e o rádio, mas a internet intensificou este fenômeno. Há cerca de dois anos, O Globo criou a seção interativa ‘Eu Repórter’. Por meio dela, leitores enviam vídeos e textos espontaneamente. Quando os editores do jornal avaliam que a colaboração dos leitores é imprescindível, estimulam a participação – como na cobertura de grandes enchentes. Sonia revelou que o jornal chegou a ser criticado pela iniciativa.


O editor de ‘Empresas’ da agência Reuters em língua portuguesa, Cesar Bianconi, comentou que o ‘testemunho ocular’ não é uma novidade na imprensa, já foi usado em coberturas como a Guerra do Golfo. Com os novos recursos, multiplicou-se ‘de maneira absurda’. Para Bianconi, a grande dificuldade da imprensa é fazer a triagem do conteúdo produzido e divulgado pelas novas mídias.


Por internet, o jornalista Caio Blinder , que vive em Nova York, comentou a convivência entre o jornalismo tradicional e as novas tecnologias de informação. Para Blinder, a relação é de aprendizado, necessidade, ansiedade e até de desespero. A face mais visível do processo são as revistas semanais, que estão em busca de uma nova identidade. Seus sites estão repletos de blogs e twitters. Blinder contou que recentemente, em uma conferência, o editor-chefe do New York Times enfatizou a ansiedade de o ‘velho jornalismo’ incorporar com muita rapidez as novas tecnologias e orgulhou-se de um blog do jornal que ‘aspira’ notícias de diversas fontes e posta vídeos transmitidos por não-profissionais do jornalismo. A iniciativa era ‘vital, urgente e emocionante nos dias mais dramáticos da crise iraniana’.


Blinder afirmou que, na morte, Michael Jackson, o rei do pop, ‘botou a imprensa tradicional para dançar’. A mídia escrita investiu na cobertura com o mesmo ‘despudor’ da mídia menos pretensiosa. Novas barreiras foram rompidas no frenesi. ‘De repente, a crise do Irã morreu na CNN, sem bala para duelar contra Michael Jackson.’ Blinder comentou ainda que ao ‘abraçar com sofreguidão’ a cultura popular, a imprensa tradicional mostra alguns fatos: ela não é ‘tão elitista assim’, e se conecta com o público jovem, que é indiferente ao noticiário ‘convencional e chato’ e usa ‘com muito gosto’ a internet. ‘Michael Jackson está morto e a imprensa quer sobrevier a todo custo’, avaliou.


Convivência inevitável


Também por internet, o jornalista Carlos Castilho disse que o novo e o velho jornalismo estão condenados a conviver porque a internet criou uma nova realidade informativa ‘mas não mudou a maioria dos valores sociais vigentes’. Mas a convivência nem sempre é tranqüila, pois vive-se a transição de um modelo de cobertura jornalística. ‘Toda transição é uma luta de rupturas e mudanças que nem sempre são bem digeridas pelos tradicionalistas. Da mesma forma, os seguidores das novas tecnologias tendem a transformá-las em mitos, o que cria generalizações tão equivocadas quanto a resistência ao novo’, afirmou.


Um dos sintomas mais impactantes dessa mudança de paradigmas informativos aconteceu recentemente no Irã e também na morte do cantor Michael Jackson. ‘Ficou claro que em grandes eventos noticiosos o público tende a ser mais rápido que a imprensa. Para uns, é um retrocesso informativo, para outros é um sintoma de que os jornalistas perderam o controle da notícia. A boataria vai comer solta até que a imprensa possa confirmar as informações’, disse Castilho. Ele considera que está surgindo um novo paradigma informativo, no qual o jornalista perdeu o monopólio do ‘furo noticioso’. Por outro lado, o profissional de imprensa está ganhando uma responsabilidade ainda maior: a da checagem das informações.


No debate ao vivo, Dines afirmou que as reportagens que Maurício Stycer publica no iG pertencem ao ‘bom e velho’ jornalismo tradicional. Ouvem os dois lados da questão, respeitam o sigilo da fonte, têm extensa pesquisa. Dines perguntou se a grande revolução em curso consiste em publicar a boa matéria tradicional em novas mídias. Stycer explicou que em parte sim, mas o fenômeno é maior. Aos 48 anos, 25 deles vividos em redações de mídia impressa e menos de um ano na internet, Stycer argumentou que ainda está ‘conhecendo as novas mídias’.


Velocidade e interatividade


Uma das características mais marcantes do jornalismo online é a possibilidade de reescrever a matéria logo após a veiculação. A velocidade com que o texto é recebido provoca mudanças permanentemente. ‘Minutos ou segundos depois de publicar um texto, você é avisado de falhas e erros que cometeu. Isto permite que possa revisar e corrigir’, explicou. Outra particularidade é a interatividade, que afeta o tipo de texto produzido. ‘Além de todos os requisitos do jornalismo impresso que são reproduzidos na mídia online, a internet produz novas possibilidades de fazer jornalismo’, disse Stycer.


Arnaldo César comentou que a ‘parafernália tecnológica’ levou os veículos tradicionais a começarem a se preocupar com a qualidade da informação. ‘É ela que vai garantir a sobrevivência dos jornais e dos impressos’, assegurou. Há cerca de um ano e meio, a revista americana Newsweek alterou significativamente seu modelo de negócios e avisou aos leitores que se dedicaria inteiramente à qualificação da informação. A inspiração é a revista britânica The Economist. Arnaldo César avalia que a ‘revolução’ será benéfica para os jornalistas. ‘Nós não podemos pensar em fazer jornalismo como fazíamos há 5 ou 6 anos’, afirmou. O jornalista concorda com Carlos Castilho de que a instantaneidade da informação não deve ser buscada pela mídia impressa. O desafio é fazer um bom jornalismo. ‘A qualificação da informação vai ser a grande disputa entre os veículos tradicionais e os novos’, disse.


Paulo Cabral considera que há espaço para as duas formas de jornalismo. ‘A internet é uma nova ferramenta que será tão valiosa quanto a competência de quem estiver usando esta ferramenta’, avaliou. A partir do uso maciço das novas mídias, o argumento de que a imprensa é dominada por poucos grupos não é mais válida. ‘Você pode buscar mídias alternativas, até o release que os jornalistas recebem.’. A dificuldade não está mais na falta de informação, mas na falta de edição. ‘Ninguém mais sabe onde encontrar informação confiável’, disse. Em sua opinião, é preciso que o usuário saiba discernir que fontes têm mais credibilidade. A pressa em abastecer em tempo real um veículo de comunicação aumenta o potencial de erro, segundo ele.


Há espaço para todos os modelos?


Cabral observa que há espaço para o desenvolvimento de uma nova linguagem na comunicação. Existe espaço para a publicação de informações fragmentadas. Textos pequenos e instantâneos podem atender às demandas de um determinado público, que não se interessa naquele momento por notícias mais extensas. O jornalista acredita que o veículo pode e deve publicar uma matéria curta se a informação já estiver confirmada mesmo antes de a matéria ser finalizada. ‘As pessoas não querem mais esperar o momento que a imprensa quer que elas recebam aquela informação’, disse.


Em torno de 80% das informações publicadas por jornais impressos já foram veiculadas pela TV, pelo rádio ou pela internet. ‘A concorrência entre os sites é enlouquecedora. Eles brigam pela notícia o tempo todo’, disse Arnaldo César. A proliferação da informação na rede levará a população a ‘ficar na dúvida’ e, neste contexto, passa a ser imprescindível alguém que ‘organize o material’. Quem? O jornalista. ‘Cada vez mais os jornais vão deixar de se preocupar com a instantaneidade da informação. Já é uma batalha perdida’, sublinhou. O foco dos jornais será a reflexão, a busca por outras informações que não foram publicadas pelos veículos eletrônicos. ‘Essa preocupação vai melhorar a qualidade da informação disponibilizada para os leitores’, disse.


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A revolução informativa


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 510, exibido em 7/7/2009


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Todos concordam: está em curso uma formidável revolução informativa. A internet e as novas tecnologias mudaram drasticamente os hábitos e a maneira de consumir notícias. Mas ninguém consegue responder a esta perguntinha incômoda: as pessoas estão mais e melhor informadas?


Aparentemente nada mudou. A simples menção de um fenômeno não confirma a sua existência. Por enquanto, a revolução da informação resume-se a uma expectativa. O usuário do Twitter não é necessariamente um cidadão bem informado, é uma testemunha passiva, mais ou menos consciente do que assiste.


O jornalismo-cidadão ou jornalismo-participativo mostrou o seu potencial nas ruas de Teerã durante os protestos contra a reeleição de Ahmadinejad. Mas a crise no Irã foi logo soterrada pela morte de Michael Jackson que, por sua vez, soterrou o golpe em Honduras, logo atropelado pelas 150 mortes nas manifestações ocorridas na província chinesa de Urumqui. Aumenta o número de blogueiros e de twiteiros mas não aumenta o número dos bem informados. Este é um dos saldos da revolução informativa que bem resume-se a uma coletânea de factóides.


O filme Intrigas de Estado, recentemente estreado no Brasil, reflete a competição entre um repórter investigativo da mídia impressa e uma jovem blogueira da mesma empresa, ambos cobrindo o mesmo assunto. O momento mais verdadeiro do filme talvez seja protagonizado pela diretora de Redação ao berrar que nenhum dos dois tem razão, o melhor da história é o afundamento daquela empresa.


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A mídia na semana


** O show precisa continuar. A vida e a morte de Michael Jackson fazem parte do mesmo espetáculo e do mesmo negócio. O seu velório hoje [7/7] em Los Angeles foi mais um capítulo de uma novela concebida para ficar eternamente em cartaz. Jackson foi ao mesmo tempo negro, branco, homem, mulher, andrógino, criança e adulto. O cantor-dançarino inventou um novo tipo de fama e uma nova forma de celebrar-se – através da imolação. A multidão adora este vale-tudo que converte os anônimos em testemunhas de uma história cuja relevância é duvidosa.


** O presidente do Senado, José Sarney está passando pelo pior momento da sua carreira política e quem parece acompanhá-lo na desgraça é a Folha de S.Paulo, que não soube desvencilhar-se do ilustre colaborador em fevereiro, quando foi eleito. A sucessão de manchetes contra Sarney foi finalmente interrompida hoje quando apareceu uma velha história sobre o mensalão. Nem o Estadão, nem O Globo deram muita importância ao caso, mas para a Folha foi um alivio voltar à batida Operação Satiagraha e aos batidíssimos Daniel Dantas e Marcos Valério.

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Jornalista