Depois de quatro anos de tramitação – que se traduz por enrolação e muitas negociações com lobistas – foi finalmente aprovado no Senado Federal o projeto de lei que abre o mercado de TV a cabo para empresas de telecomunicações.
O novo marco regulatório permite que as operadoras de telefonia nacionais e estrangeiras controlem empresas de televisão por assinatura, unificando a regulamentação da distribuição paga de sinais de TV por cabo, satélite ou micro-ondas, substituindo a antiga norma específica para TV a cabo.
A medida ainda vai a sanção da presidente da República, mas representantes da oposição prometem recorrer ao Supremo Tribunal Federal para impedir sua aplicação.
Mercado restrito
O assunto é manchete na edição de quarta-feira (17/8) da Folha de S.Paulo, ganhou destaque na primeira página do Estado de S.Paulo e apenas uma pequena chamada no Globo, o jornal que, teoricamente, teria mais interesse no assunto, por causa da importante participação do grupo ao qual pertence no negócio de televisão.
Internamente, tanto a Folha quanto o Estadão oferecem a seus leitores muito mais informações do que o concorrente carioca, abrindo espaço para análises diversificadas.
Especialistas consultados pelos jornais paulistas discutem se realmente a mudança irá baratear os serviços de teledifusão ou se vai facilitar a expansão da oferta para as cidades do interior, consideradas pouco atraentes para as atuais concessionárias por causa do custo de construção das redes versus a baixa densidade e pequena escala.
Supostamente, dizem analistas consultados pela imprensa, como as empresas de telecomunicações passam a atuar diretamente, sem necessidade das empresas do setor de distribuição, elas poderão oferecer amplamente os chamados combos – pacotes que combinam telefone, TV paga e internet – cobrados numa conta só. Esse ganho de eficiência poderá baratear os serviços e ampliar sua oferta, abrindo caminho para a expansão do acesso à internet em banda larga, objetivo perseguido pelo governo federal.
Por outro lado, essa combinação permite aumentar a margem de lucro das operadoras, supostamente potencializando o investimento em melhorias.
A restrição apresentada por alguns especialistas se refere ao fato de que as novas regras restringiriam o mercado de distribuição de conteúdos às empresas de telecomunicações.
Quem vai controlar
Outra questão discutida pelos jornais, e que representantes da oposição prometem combater, é a definição de cotas para a produção nacional de conteúdo – de três horas e meia semanais, no horário das 18h às 22h. Além disso, o projeto aprovado determina que metade dessa cota nacional seja feita por produtoras independentes das empresas de radiodifusão. Haverá um fundo de incentivo à produção independente, calculado em R$ 300 milhões por ano.
Senadores da oposição não querem que o controle dessa norma seja dado à Ancine – Agência Nacional do Cinema. No entanto, não se manifestaram contra a mudança na participação do capital estrangeiro na distribuição de conteúdos.
As empresas estrangeiras, que tinham um limite de participação de 49% no mercado de TV a cabo, agora ficam sem restrição, o que estimula especulações sobre mudanças no comando das distribuidoras. Afirma-se que a TVA deverá passar para o controle da Telefonica, e a Net, atualmente controlada pelas Organizações Globo, passará para as mãos do investidor mexicano Carlos Slim, dono da Embratel, que é sócio da Net.
Por causa do maior interesse das Organizações Globo na mudança, fica estranho que justamente o Globo tenha dado menos espaço à questão do que os outros jornais. Além de apresentar apenas uma pequena nota na primeira página, o jornal carioca não avançou na análise do assunto, limitando-se praticamente a registrar a votação e destacando as manifestações de senadores oposicionistas ao papel concedido à Ancine.
O diretor jurídico das Organizações Globo é citado, tratando justamente da regulação do conteúdo nacional, mas não há referência explícita à obrigatoriedade de uma cota para produtores independentes.
A preocupação da Globo com relação à atuação da Ancine, segundo o representante do grupo, se refere a uma suposta ameaça à liberdade de expressão. No mais, afirmou, a nova legislação é benéfica à sociedade e vai melhorar o segmento da TV por assinatura.
Estranho mesmo é o Globo desprezar assim um assunto que interessa tanto aos seus acionistas.
Ou será por isso mesmo?